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15/10/2007
Construtoras tentam se proteger de apagão

Grandes grupos investem em novas tecnologias de edificação e elevam salários de engenheiros para driblar gargalos no setor

Falta de mão-de-obra leva empresas a investir em treinamento; incorporadoras fazem estoque de material de construção, o que eleva preço


O engenheiro João Cláudio Robusti é dono de uma construtora e, desde agosto de 2006, enfrenta atrasos em suas obras devido à falta de equipamentos no mercado. Agora, ele está na fila de espera por máquinas e até materiais de construção.

Presidente do SindusCon/SP (Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado de São Paulo), Robusti se juntou a um grupo de empresários para evitar o que muitos temem: um apagão logístico na construção civil de São Paulo.

Para o presidente da Abef (Associação Brasileira de Empresas de Engenharia de Fundações e Geotecnia), José Luiz Saes, haverá falta de equipamentos, como guindastes, perfuradores e guinchos até, pelo menos, o final de 2008.

"Não conseguiremos trazê-los antes disso", afirma Saes. Segundo ele, os fabricantes nacionais de hélice contínua, por exemplo, não conseguirão turbinar a produção a tempo. As hélices contínuas servem para perfurar o solo lançando as bases de fundação.

"A importação também demoraria demais e cada unidade custa US$ 1,5 milhão", diz Saes. "O setor não tem como investir sem garantias de que esse crescimento da construção civil atual será sustentável."

Há cerca de dez dias, uma missão do SindusCon foi à China para tentar viabilizar a importação de maquinário. Os chineses conseguem fabricar os equipamentos em três meses, mas, segundo as construtoras, haveria demora no transporte e no desembaraço das mercadorias nos portos.

Outra incerteza é quanto ao fornecimento de materiais de construção. Um estudo feito pela Abramat (Associação Brasileira das Indústrias de Materiais de Construção) em parceria com a FGV (Fundação Getulio Vargas) mostra que o PIB da cadeia de construção crescerá, no mínimo, 10,2% em 2008, contra 4,8% do PIB nacional.

Se a previsão se confirmar, os riscos de escassez serão maiores. Segundo Robusti, ainda que as fábricas produzam no máximo de sua capacidade (hoje elas operam com 20% de ociosidade), a distribuição ficará comprometida. "Não há como entregar as mercadorias. As montadoras têm fila de espera para a compra de caminhões."

Diante desse cenário, as incorporadoras começaram a fazer estoque e isso já pode estar pressionando os preços. "Estamos fidelizando fornecedores e antecipando contratos", afirma Sílvio Chaimovitz, diretor da Klabin Segall.

O mercado já se ressente dessa prática. A Tecnisa diz que paga R$ 270 pelo metro cúbico de estruturas de concreto, contra os R$ 185 desembolsados no final de 2006 para fazer lajes e vigas -aumento acima de 45%.

Esse é só um detalhe da elevação de preços da construção registrada pela FGV. De acordo com o professor Salomão Quadros, o índice teve variação de 7,55% em setembro em São Paulo. "A falta de cimento foi determinante."

Toma lá, dá cá
A falta de mão-de-obra qualificada é outro gargalo do setor. Como o número de profissionais caiu pela metade na última década, as grandes construtoras começaram a tomar funcionários de suas concorrentes.

De acordo com André Denoni, coordenador de obras da MAC, a construtora já perdeu até pedreiros. "É uma surpresa porque esses profissionais são recrutados por empresas especializadas. É um sinal de que não há mais garantia", afirma.

Para alimentar essa "dança de cadeiras", as ofertas salariais foram infladas. Na Gafisa, há engenheiros que mudaram de emprego para ganhar 70% a mais. A Tecnisa paga até R$ 15 mil por um engenheiro residente, quase 80% a mais do que eles ganhariam no ano passado.

Para evitar complicações ainda maiores em 2009, essas companhias firmaram um acordo para treinar profissionais em cursos técnicos que duram de seis meses a dois anos. As primeiras turmas de pedreiros e ajudantes estarão prontas no final de 2008.

Para tentar escapar dessa armadilha, as construtoras também estão adotando novas tecnologias de edificação. Trocando as paredes de tijolos pelas de concreto, elas conseguirão erguer um andar de um prédio em uma semana com 70% dos trabalhadores. Pelo sistema tradicional, levariam um mês.

O que preocupa a concorrência é que essas companhias querem ter exclusividade dos poucos fornecedores existentes. "Neste momento, há sinais claros de concentração em São Paulo", afirma Walter Frigieri, diretor da ABCP (Associação Brasileira de Cimento Portland). "Nesse ritmo, quem pagará a conta serão as pequenas e médias construtoras."

Julio Wizack
Folha de S.Paulo