.
              
 
HOME | COLUNAS | SÓ SÃO PAULO | COMUNIDADE | CIDADÃO JORNALISTA | QUEM SOMOS
 
 

protocolo de kyoto
17/02/2005
Gás carbônico virou mercadoria

Até o gás carbônico virou mercadoria, resmungariam os críticos do sistema capitalista. É o que parece. Só que neste caso o propósito é nobre. Com a entrada em vigor do Protocolo de Quioto, passou a operar com mais força o mercado de créditos de carbono. Na verdade, ele já opera (extra-oficialmente) em todo o mundo e foi criado para ajudar os países industrializados a reduzirem suas emissões de gases na atmosfera: até 2012, os índices devem diminuir 5,2% em relação aos registros do ano de 1990, conforme estipula o Protocolo.

Como ficaria muito caro para as nações que mais poluem investir em projetos de redução das emissões em tão pouco tempo, o acordo permite que elas comprem créditos de carbono das menos poluidoras. Créditos de carbono são certificados emitidos por agências de proteção ambiental para os projetos das empresas que reduzem drasticamente as emissões incluindo desde reflorestamentos até a substituição dos combustíveis fósseis por energias limpas como o biodiesel. Estes papéis, calculados pelas toneladas de gases que deixarão de ser lançadas na atmosfera, são comercializados nas bolsas de valores e de mercadorias. Segundo os especialistas, este sistema é possível porque o efeito negativo das emissões é global. Assim, a comercialização de créditos pode ocorrer entre empresas do mesmo país ou de países diferentes.

O Protocolo de Quioto só se tornou possível no dia 4 de novembro de 2004, com sua ratificação por Vladimir Putin, presidente da Rússia. Para entrar em vigor, ele precisava das assinaturas dos países que , somados, detinham um mínimo de 55% das emissões em 1990. Só a Rússia foi responsável por 17% das emissões nesse ano. Vale salientar que o maior responsável pelas emissões (36%), os Estados Unidos, não assinou o documento. A Austrália também preferiu ficar de fora.

Vilões: dióxido de carbono, o metano e o óxido nitroso
Os gases que estão na mira do Protocolo de Quioto são o dióxido de carbono, o metano e o óxido nitroso. Na verdade, a presença destes gases na atmosfera tem importância: eles formam uma espécie de cobertor que mantém a temperatura global, sem o que a terra seria 30ºC mais fria. O problema é que, com o aumento da poluição, iniciado no século 19, com a Revolução Industrial, este cobertor está sendo engrossado, causando o aquecimento global. Segundo pesquisas do Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC) – grupo de estudos criado em 1988 pela Organização Meteorológica Mundial (OMM) e pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) para avaliar a informação científica, técnica e socioeconômica disponível sobre mudança do clima –, a temperatura global pode subir entre 1º e 3,5ºC nos próximos 100 anos, caso o aquecimento global não seja freado. Isso causaria o derretimento de parte das calotas polares e, conseqüentemente, um aumento de 50 cm no volume dos oceanos, resultando no desaparecimento de ilhas e cidades litorâneas.

Brasil no mercado de créditos de carbono
O Brasil já está no mercado de créditos de carbono. Sua entrada ocorreu em junho do ano passado, após a aprovação de dois projetos que fazem parte do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) do Protocolo de Quioto – o Projeto Vega, de Salvador (BA), e Nova Gerar, de Nova Iguaçu, Baixada Fluminense (RJ). O princípio de ambos é o mesmo: [gerar energia elétrica a partir do biogás produzido em aterros sanitários.

O aterro de Nova Iguaçu foi criado pela empresa Nova Gerar, uma joint venture entre a inglesa EcoSecurities e a SA Paulista, operadora do aterro. O representante da EcoSecurities no Brasil e um dos sócios, o brasileiro Nuno Cunha e Silva, explica como funciona o aterro de Nova Iguaçu, que tem 550 mil metros quadrados e em média recebe 1.500 toneladas de lixo por dia.

Lá, o metano e o dióxido de carbono produzidos pelas bactérias que estão no lixo em decomposição são canalizados e queimados, gerando eletricidade. Na queima, estes gases se transformam em gás carbônico. O maior benefício do processo é o fato de o metano e o dióxido de carbono acumularem muito mais calor do que o gás carbônico – só o metano é 23 vezes mais quente do que CO2. O gás resultante é aproveitado como combustível na caldeira que processa o chorume, líquido tóxico proveniente da decomposição do lixo. Segundo Nuno, em 20 anos o aterro de Nova Iguaçu deve deixar de lançar na atmosfera cerca de 10 milhões de toneladas de gases. Como uma tonelada de gás carbônico está cotada entre dois e sete dólares, a empresa pode lucrar mais de 20 milhões de dólares nesses 20 anos no mercado de créditos de carbono.

“As estimativas dos investidores é que em 2005 o mercado de créditos de carbono movimente de cinco a sete bilhões de dólares em todo o mundo”, explica Nuno, que prevê, com ressalvas, um bom futuro para o Brasil neste negócio. “A China é hoje o país com maior potencial para investir em projetos de redução dos gases, com a Índia em segundo lugar. O Brasil viria em terceiro. Espero, no entanto, que a burocracia brasileira não assuste os investidores.”

Outro fator que pode prejudicar o Brasil é a falta de credibilidade do mercado brasileiro no exterior. É o que explica a economista Amyra El Khalili, fundadora da Bolsa Brasileira de Commodities Ambientais (BECE na sigla em inglês para Brazilian Environment Commodities Exchange). “No caso do Brasil, como também no da África, é exigida uma série de certificações e avais em função dos riscos de crédito, por todas as questões de credibilidade: o chamado risco Brasil. Isso ocorre porque no mercado internacional o Brasil não é considerado um bom pagador”, diz Amyra.

A brasileira com cidadania palestino-jordaniana é profunda conhecedora do mercado de commodities ambientais. Formada em economia, ela trabalhou durante 20 anos no mercado de futuros e de capitais, negociando toneladas de ouro e de commodities agropecuárias. Nesse período, desenvolveu quatro corretoras de commodities e derivativos e treinou cerca de 1.600 operadores de mesa, pregão e liquidação, além de clientes e usuários do sistema financeiro. Em 1996, deixou o mercado para se dedicar com exclusividade ao Projeto Consultants, Traders and Advisors, Geradores de Negócios Socioambientais nos Mercados de Commodities (CTA), que havia criado em 1990. Trata-se de uma organização cujo objetivo é formar especialistas para o mercado com uma visão diferente da predominante: a de que os instrumentos financeiros devem ser usados para servir à sociedade em vez de só atenderem aos interesses das grandes corporações.

Para o mercado de créditos de carbono, a mesma Amyra idealiza: “Não sou contra os mercados, mas acredito que todo instrumento econômico pode ser usado para o bem ou para o mal (especulação). Existe o risco de os certificados de carbono serem transformadas apenas em uma operação financeira para dar lucro aos seus investidores e acabarem não gerando nenhuma vantagem para o meio ambiente. Defendo a construção de um novo mercado que traga investimentos diretos para as populações carentes e excluídas da pirâmide do mercado financeiro. Na estrutura hoje vigente, o indivíduo desempregado ou sem renda fica totalmente fora desse mercado, não tem acesso à água potável, à eletricidade, ao tratamento do esgoto, ou seja, aos bens que compõem as matrizes ambientais”, critica.

Já para Sebastião Renato Valverde, doutor em economia florestal e coordenador do Departamento de Engenharia Florestal da Universidade de Viçosa, em Minas Gerais, o mercado de créditos de carbono pode ser uma excelente arma na conservação ambiental. Segundo o professor, dentro da lógica capitalista esse novo mecanismo passa a valorizar como nunca os recursos naturais. “Só assim as pessoas poderão dar real valor à natureza. As florestas, por exemplo, absorvem CO2 e água e produzem oxigênio, um produto que a gente não paga para usar. No entanto, para o agricultor, a floresta não dá lucro, ou seja, não tem valor. Então, o melhor para ele é derrubar as árvores. Com o mercado, esse agricultor vai ser estimulado a proteger a floresta, porque vai lucrar com a venda dos créditos de carbono”, defende.

Segundo Valverde, o Brasil tem muito a ganhar com esse novo mercado. “É uma oportunidade tremenda para o nosso país, porque temos muitas terras para serem reflorestadas. O que sempre faltou por aqui foi capital. Com o mercado de créditos de carbono, os outros países vão poder financiar os nossos projetos de preservação. Vai ser bom para eles, para nós e para o meio ambiente.”

DANIELLE CHEVRAND
da fundação Banco do Brasil

   
 
 
 

NOTÍCIAS ANteriores
16/02/2005
Entidades lançam manifesto contra imposto
16/02/2005
Bolsa-Família não chega a 28 cidades por desinformação
16/02/2005
Transformação do olhar é objetivo de fotógrafos mirins
16/02/2005
Controle eletrônico de freqüência escolar começa este ano, diz MEC
16/02/2005
Proposta de reforma universitária obtém apoio de reitores das federais
15/02/2005
Ensino médio público tem déficit de 250 mil professores, diz Inep
15/02/2005
Consórcio Social da Juventude atende 1.500 jovens na periferia
15/02/2005
Brasil vai sediar conferência mundial sobre inclusão digital
15/02/2005
Programa quer garantir direito de acesso a deficientes e idosos