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Candidatos à presidência - Garotinho

Ciro Garotinho Rui Costa Zé Maria
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Veja os candidatos do segundo turno

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Conversão religiosa amplia voz do radialista Garotinho

MARCELO BERABA
Diretor da Sucursal do Rio

Anthony William Garotinho Matheus de Oliveira, 42 anos, radialista, presbiteriano e presidenciável pelo PSB, não tem sossego: desde que se declarou publicamente candidato à sucessão de Fernando Henrique Cardoso, em outubro de 1999, vive uma crise política atrás da outra.

O PSB inicia a fase mais importante da campanha dividido e sem parceiros nacionais. Ao longo das últimas semanas foi muito forte a pressão para que Garotinho abandonasse a disputa. Ele se abateu, mas não renunciou.

Garotinho considera a renúncia uma desmoralização e avalia que tem alguns trunfos nas mãos, como a habilidade no uso de rádios e TVs, o apoio dos evangélicos e a boa avaliação obtida no governo do Rio. Às discriminações que diz sofrer, responde com obstinação. É insistente e repetitivo: usa as mesmas frases, as mesmas citações bíblicas, as mesmas fábulas.

Como a da formiguinha surda, que conta ter ouvido de seu avô Nahim, imigrante libanês. Diante de um obstáculo aparentemente intransponível, fileiras de formigas voltavam desanimadas e iam avisando às outras que era impossível continuar. Apenas uma formiguinha insistiu e conseguiu vencer todos os problemas. Surda, ela foi adiante porque não ouvia as queixas e avisos das outras. Garotinho se considera a formiguinha surda.

O próprio Garotinho gosta de fazer uma pergunta, que ele mesmo responde: "Por que eu fui bem-sucedido na minha vida pessoal? Eu tinha tudo para dar errado: nasci no interior, perdi meu pai cedo, minha mãe tinha problemas graves de depressão e foi internada, eu e meus irmãos fomos criados separados. Mas eu sempre tive um projeto de vida". E esse projeto sempre incluiu, desde os tempos em que frequentava o Liceu de Humanidades de Campos, a Presidência. O mesmo Liceu onde se formou Nilo Peçanha (1867-1924), presidente da República aos 41 anos, em 1909.

É difícil situar politicamente o candidato, embora ele tenha uma trajetória coerente na esquerda: foi do PCB na juventude, ajudou a fundar o PT em Campos e se filiou ao PDT de Leonel Brizola em 1983, onde ficou até novembro de 2000, quando rompeu e foi buscar abrigo no PSB de Miguel Arraes. Poderia ser incluído no campo que o jornalista Carlos Castello Branco chamava de "nacionalismo esquerdista" para abrigar figuras como Brizola e Arraes.

Há um traço populista em todos, embora Garotinho recuse o rótulo: "Sou um político popular, é diferente". As bandeiras nacionalistas de hoje não são as mesmas. O ponto central de seu programa é o deslocamento da proteção do governo do setor financeiro ao setor produtivo. Os banqueiros são seus vilões, como outrora fora o imperialismo: da banca diz não querer nem ajuda para a campanha.

Às propostas populistas e ao discurso oposicionista e nacionalista deve-se acrescentar uma pitada forte de moralismo evangélico. Tenta representar símbolos conservadores importantes, como a família (tem nove filhos, cinco adotados), a religião, os valores do interior. Garotinho já se declarou social-democrata e, no ano passado, assinou o prefácio de um livro em que defende os fundamentos de um socialismo cristão.

A comunicação fácil, obtida na experiência em programas populares de rádio, e a conversão ao protestantismo são as marcas mais fortes de Garotinho. Começou a trabalhar na rádio Campos Difusora, com 15 anos, como repórter e depois como locutor de corridas de cavalo e jogos de futebol. Trouxe dos programas ao vivo o raciocínio rápido, a pronta resposta, o humor popular, a ironia que às vezes beira a grosseria.

A língua solta é um vício profissional. Várias estocadas suas ficaram célebres. Em 1999, para se livrar das pressões de parte do PT, chamou a legenda de "Partido da Boquinha". Recentemente, feriu os diplomatas: "O Itamaraty deveria se limitar a organizar festas, que é o que melhor sabe fazer".

Outro componente de seu perfil é o envolvimento com os evangélicos. Garotinho sofreu um acidente grave em 9 de setembro de 1994, na campanha para o governo do Estado, quando o carro que o levava a um comício no interior capotou. No dia 13, ainda hospitalizado, teve uma visão do acidente e entendeu que era um chamado religioso. No ano seguinte, foi batizado na Igreja Presbiteriana de Niterói e inaugurou um novo capítulo na participação dos protestantes na vida pública brasileira.

Os protestantes históricos, como os presbiterianos, sempre evitaram misturar religião e política. Os que se lançavam na vida pública o faziam sem vínculo orgânico com as igrejas (como o presidente Ernesto Geisel, luterano). A participação política destacada dos evangélicos começa com a Nova República (1985) e coincide com o crescimento das igrejas neopentecostais, como a Universal do Reino de Deus, ligadas a emissoras de rádio e TV. Com o crescimento dos evangélicos, as fronteiras entre as denominações ficaram cada vez mais tênues. Garotinho pertence a uma igreja histórica, mas usa as concepções e a mídia dos neopentecostais.

A identificação de Garotinho com os evangélicos não ocorreu logo após a conversão. É só a partir de janeiro de 1999, já governador, que sua opção tem mais exposição e começa a se confundir com seus objetivos políticos.

O ano de 1998 pode ser considerado o melhor momento político de Garotinho. Após a eleição de 1994, em que começou desacreditado e perdeu por uma diferença muito pequena para Marcello Alencar no segundo turno, Garotinho se impôs no PDT. Em 1996, foi eleito pela segunda vez prefeito de Campos com 74% dos votos no primeiro turno. Em 1998 teve as condições para fazer sua jogada mais bem-sucedida: um acordo com o PT, que parecia impossível. A aliança o ajudaria a vencer um problema que o atrapalhara em 1994: a resistência de parte do eleitorado carioca a um político do interior. A peça-chave do acordo foi a senadora Benedita da Silva.

Aproximados pelo movimento evangélico, Garotinho e Benedita, com a bênção de Brizola e de Lula, construíram uma aliança com PSB, PCB e PC do B. O acordo reservou a vaga de vice-governadora para Benedita e previa o apoio dos aliados à candidatura petista na eleição para prefeito de 2000, o que não ocorreu. Garotinho venceu Cesar Maia no segundo turno com 58% dos votos válidos.

Garotinho construiu a candidatura à Presidência ao longo dos três anos de governo. Aproximou-se cada vez mais do movimento evangélico com programas diários em rádios pentecostais, discursos em shows gospels e participação em atos religiosos onde contava sua conversão.

No campo partidário, foi aos poucos se livrando da tutela de Brizola e dos laços com o PT e passou a governar com os amigos de Campos (a "Turma do Chuvisco", referência ao doce tradicional na cidade) e com o apoio do PMDB na Assembléia Legislativa.

Sua crescente autonomia em relação ao PDT, o vínculo com os evangélicos e o lançamento da candidatura a presidente levaram Garotinho e Brizola ao enfrentamento. Este começou com troca de farpas e ironias, partiu para agressões desrespeitosas e terminou em novembro de 2000 quando Garotinho deixou o PDT para, no ano seguinte, entrar no PSB.

Em três anos de governo, Garotinho enfrentou crises seguidas. A mais grave começou em fevereiro de 2000, cresceu em meados de março com a acusação feita por Luiz Eduardo Soares, subsecretário da Segurança, da existência de uma "banda podre" na polícia, e explodiu em maio, com denúncias contra cinco secretários e três presidentes de empresas públicas.

O grampo telefônico foi outro problema. Garotinho grampeou e foi grampeado. Entre 1995 e 1996, telefonemas seus e de colaboradores foram gravados ilegalmente. As fitas foram vazando aos poucos. Em julho de 2001, reportagens de "O Globo" informavam que ele era acusado de fraudar sorteios no programa "Show do Garotinho", na rádio Tupi e na TV Bandeirantes, e de tentar subornar um fiscal da Receita. Garotinho sempre negou as acusações e obteve da Justiça a proibição da divulgação do conteúdo das fitas.

Apesar dos problemas, conseguiu reconstruir sua base de apoio graças a duas políticas importantes. Fechou no início do governo um acordo com o PSDB de Sérgio Cabral (que depois mudou para o PMDB), que lhe garantiu maioria tranquila na Assembléia. Ele aprovou o que quis e conseguiu impedir todas as CPIs contra seu governo. Essa política de bom relacionamento se repetiu com o Ministério Público e o TCE.

A outra política foi dirigida às prefeituras do interior. Quando rompeu a aliança com o PT e depois deixou o PDT, já tinha construído uma base política no Estado graças à derrama de recursos aos projetos dos prefeitos. Na eleição municipal de 2000, seus candidatos perderam nas maiores cidades. Mas, quando se filiou ao PSB, a força gravitacional do poder lhe permitiu levar cinco dos oito deputados federais do PDT e 14 dos 17 deputados estaduais.

Ao renunciar ao governo, em abril, deixou sua obra administrativa inacabada. Seus principais programas, como segurança e habitação popular, ficaram pela metade. Os morros continuaram dominados pelo narcotráfico e ele não conseguiu implementar seu principal programa, que era a criação de uma polícia inteligente.

Construiu 33 mil casas, e não as 100 mil prometidas, e deixou como herança um megaconjunto habitacional, Nova Sepetiba, erguido nos mesmos moldes dos condenados conjuntos da década de 60, hoje reduzidos a favelas. A seu favor podem ser listados a renegociação da dívida do Rio e o equilíbrio orçamentário. Sua marca foram os programas populares de grande impacto, como o Piscinão de Ramos e os restaurantes com refeições a R$ 1.

Garotinho deixou o governo muito bem avaliado e com alto índice de intenção de votos no Estado: são esses votos e os dos evangélicos que acalentam sua esperança de ir ao 2º turno.

Garotinho assumiu o governo do Rio em 1999 com um projeto bem definido, o de tornar-se um nome conhecido nacionalmente e uma alternativa eleitoral para a Presidência. Neste sentido, ele é um vitorioso. E, se tudo der errado, estará com apenas 42 anos.

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