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Candidatos à presidência - Garotinho

Ciro Garotinho Rui Costa Zé Maria
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Veja os candidatos do segundo turno

Programa de Governo - PSB

Anteprojeto - O Brasil que queremos

"Em meio milênio de história, partindo de uma constelação de feitorias, de populações indígenas desgarradas, de escravos transplantados de outro continente, de aventureiros europeus e asiáticos em busca de destino melhor, chegamos a um povo de extraordinária polivalência cultural, um país sem paralelo pela vastidão territorial e homogeneidade lingüística e religiosa. Mas nos falta a experiência de provas cruciais, como as que conheceram outros povos cuja sobrevivência chegou a estar ameaçada. E nos falta também um verdadeiro conhecimento das nossas possibilidades e das nossas debilidades. Mas não ignoramos que o tempo histórico se acelera, e que a contagem desse tempo se faz contra nós. Trata-se de saber se temos um futuro como nação que conta na construção do devenir humano. Ou se prevalecerão as forças que se empenham em interromper o nosso processo histórico de formação de um Estado-nação."

Celso Furtado

Introdução

1.
As eleições presidenciais deste ano serão realizadas em um contexto marcado pela falência do modelo econômico e do projeto de sociedade, a ele associado, que prevaleceram no Brasil e na maior parte da América Latina nas últimas décadas.

Instituições fundamentais do Estado nacional - como a escola pública, os órgãos vocacionados para o planejamento, o sistema de pesquisa científica, as forças armadas - foram deliberadamente debilitadas. A política macroeconômica chegou a limites insustentáveis. A desnacionalização da base produtiva se acelerou. As taxas de crescimento da economia rastejam. A secular desigualdade na distribuição de renda e riqueza permaneceu intacta. Disseminou-se uma insegurança generalizada, presente na vida dos cidadãos, principalmente, na ameaça cotidiana do desemprego e da violência.

No plano interno, a situação "normal" é a de uma crise crônica, que de tempos em tempos se torna aguda ou mesmo dramática. No plano externo, nunca nossa vulnerabilidade foi tão elevada; nem mesmo os porta-vozes oficiais escondem que o que acontece hoje em nosso país depende dos humores de agentes financeiros internacionais que nenhum compromisso têm conosco, a não ser o de fazer bons negócios aqui, para retirar o dinheiro em seguida.

Tudo isso compõe um cenário visivelmente grave, que pode agravar-se ainda mais.

2.
Mesmo assim, diante de tamanha crise, a agenda de debates que a elite tenta impor nesta eleição exclui temas estruturais, estratégicos ou de longo prazo. Centra-se em variações de políticas macroeconômicas, sempre com o foco no curto prazo, como se os marcos fundamentais de nossa sociedade - tanto no que diz respeito às suas formas de organização interna, quanto à sua inserção internacional - estivessem excluídos de qualquer deliberação e situados acima de quaisquer questionamentos. Nenhum debate abrangente tem sido estimulado.

Algumas forças de oposição têm aceitado esses termos, tornando-se cada vez mais pragmáticas, abandonando ideais. Não é o nosso caso. Pois compreendemos que a crise de nossa sociedade não é apenas, nem principalmente, uma crise econômica conjuntural. É uma crise de destino, de identidade, de projeto civilizatório.

Qual o sentido de nossa existência como uma nação? - eis a pergunta, muito mais radical, que a história está nos fazendo.

3.
Esta mesma crise de destino atinge toda a América Latina. Podemos compreendê-la claramente em perspectiva histórica. No século XIX, ao contrário do que ocorreu na África, na Ásia e no Oriente Médio, quase todo o continente conseguiu obter, sustentar e consolidar sua independência política, na forma de repúblicas oligárquicas de pequeno e médio porte onde antes existia a América espanhola, que se fragmentou, e na forma de um império unitário, baseado no escravismo, onde se formou o Brasil. Nesse mesmo período, porém, nossas sociedades confirmaram sua inserção periférica no sistema internacional e consagraram, como norma, uma gigantesca desigualdade social interna.

Ao longo do século XX, movimentos progressistas de diversos tipos questionaram essa dupla herança. Idéias de soberania, desenvolvimento e justiça conquistaram força moral, intelectual, social e política, obtendo algumas vitórias e deixando um legado cuja importância não subestimamos.

Porém, como regra geral, aquelas condições estruturais do continente não foram alteradas. As forças conservadoras mantiveram-se vigorosas. Nas últimas décadas, elas voltaram a predominar amplamente, com apoio ativo das instituições do capitalismo internacional, fortalecidas pela vitória que obtiveram na Guerra Fria.

4.
Esse período nos deixa uma herança terrível. Os repetidos discursos sobre modernidade, tecnologia ou competitividade não podem esconder que nos tornamos mais dependentes e mais desiguais. Naquilo que é verdadeiramente importante, caminhamos para trás.

Ocupados por tecnocratas treinados para serem leais a forças externas, os Estados nacionais do continente vêm sendo desmontados e desmoralizados, levando de roldão as condições básicas para o exercício de qualquer soberania e demolindo direitos que algum dia sustentaram, mesmo precariamente, as idéias de cidadania e igualdade.

Generalizaram-se sistemas políticos que, embora sigam algumas formalidades democráticas, têm-se demonstrado estruturalmente incapazes de representar e defender os povos.

A monitoração externa dos atos de governo tornou-se rotina, de modo que os centros decisórios mais importantes têm sido colocados à margem de qualquer controle social.

As moedas nacionais começaram a ser eliminadas, substituídas pelo dólar.

Os espaços econômicos nacionais já têm data marcada para ser extintos, com a criação da Área de Livre Comércio das Américas, prevista para 2005.

Intensificam-se movimentações políticas, diplomáticas, militares e de propaganda que podem prenunciar tentativas futuras de controle externo sobre a região amazônica.

Se esses processos não forem interrompidos e revertidos, o cenário estrutural do continente terá sido dramaticamente alterado já no fim desta década. O retorno à condição colonial será uma realidade palpável e recolocará na ordem do dia, como um problema de ordem prática, a necessidade de grandes, dolorosas e difíceis rupturas.

A América Latina vivem uma crise que questiona sua trajetória histórica. Está em via de definir-se, nos próximos anos, o que seremos século XXI adentro.

5.
O Brasil está imerso nessa crise, mantendo porém as características estruturais que lhe são peculiares: a continentalidade do território, a abundância de recursos, uma grande população, uma base técnica razoavelmente desenvolvida, uma economia cheia de potencial, enorme capacidade de criação cultural. É o grande país periférico das Américas, um dos maiores do mundo. Um país tropical e moderno - rara combinação -, feito por um povo mestiço, original, com forte pendor para o sincretismo e a paz, aberto aos outros, voltado para o futuro, dotado simultaneamente de identidade nacional e vocação planetária. Um povo novo, que ainda está no começo de sua história.

As condições estruturais de nosso país, somadas ao vigoroso ciclo de industrialização que experimentou, fazem dele uma força viva e pulsante, que poderá desempenhar um novo papel no mundo no século XXI. Conservamos, apesar de tudo, capacidade endógena de desenvolvimento, enorme criatividade e clara vocação para nos tornarmos o principal pólo de sustentação de um projeto regional - latino e americano -capaz de manter relações extensas com todo o mundo.

6.
Mas há dificuldades em nosso caminho. Para superar essa crise, a sociedade - e não apenas o governo - precisa mudar. Pelo menos desde o fim do escravismo, nunca os diversos componentes da Nação viveram situações tão desiguais e tiveram interesses tão conflitantes.

Depois de mais de dez anos de experimento neoliberal, uma parte minoritária da sociedade brasileira alterou seus padrões de consumo, suas expectativas e seus valores, adotando os padrões, expectativas e valores das populações afluentes do capitalismo globalizado. Bem-posicionados para participar diretamente do mercado mundial - como sócios menores, rentistas ou consumidores -, esses grupos ficam cada vez mais tentados a desfazer quaisquer laços de solidariedade local, desligando seu próprio destino do destino da sociedade como um todo. Suas opções apontam para o rompimento dos vínculos históricos e socioculturais que até aqui mantiveram juntos, em algum nível, os cidadãos.

Outra parte da sociedade deseja preservar direitos sociais abolidos ou ameaçados, mantendo por isso alguma referência, ativa ou difusa, em partidos de oposição, sindicatos, movimentos ou organizações não governamentais. Sozinha, ela não tem peso para alterar o rumo das coisas: não é maioria numérica nem detém os principais aparatos de poder. Exerce uma influência às vezes importante, mas não decisiva.

Resta a maioria do nosso povo, que foi, simplesmente, desligado desses processos. São os grandes contingentes humanos de que o capitalismo não mais necessita. Sobrevivem no desemprego, no subemprego, na economia informal, em atividades sazonais, incertas ou ilegais. Por insistirem em sobreviver e por estarem relativamente concentrados, ameaçam. E, de alguma forma, se organizam. São dezenas de milhões. Mas, até aqui, não se tornaram agentes da transformação. Formam o ponto cego de qualquer estratégia transformadora. A eles se volta nossa maior atenção.

7.
Conhecemos as dificuldades também no terreno da economia. Fechamos em 1999 a segunda década perdida consecutiva. A primeira delas - a de 1980 - havia sido marcada pela crise da dívida externa, que desequilibrou profundamente o Estado nacional e logo se desdobrou em uma crise inflacionária prolongada e grave. A segunda - a de 1990 -, paradoxalmente, se iniciou com a renegociação daquela mesma dívida externa, que num passe de mágica desapareceu do debate, pois teria deixado de ser um problema. Feita a renegociação, o Brasil pôde voltar a receber grandes somas de recursos do exterior, o que, em última análise, permitiu o controle da inflação. Tal controle foi decisivo para legitimar, em certo momento, a hegemonia do modelo patrocinado pelas instituições mais importantes do mundo capitalista.

Hoje podemos dizer, sinteticamente, que esse modelo foi muito eficaz para desconstruir a forma de funcionamento anterior de nossa economia - com suas potencialidades e problemas -, mas fracassou em reconstruir outra forma dela funcionar com um mínimo de sustentabilidade. Isso fica claro quando retomamos a antiga metáfora do "tripé". O Estado, que durante décadas comandou os conglomerados estratégicos e investiu pesadamente em infra-estrutura, hoje gasta parcela crescente de sua receita em juros aos bancos, tornando-se refém do sistema financeiro, que lhe impõe sucessivos "ajustes fiscais" desestruturantes. As empresas multinacionais pouco investem na criação de capacidade nova, seja porque agora o mercado brasileiro está aberto, sendo mais atraente importar, seja porque se tornou muito lucrativo comprar instalações já existentes, privadas ou públicas. O setor privado nacional, por sua vez, controla setores que enfrentaram nos últimos anos prolongada crise (como a agricultura) ou estão em processo de rápida desnacionalização (como os bancos).

Nenhum agente, ou combinação de agentes, comanda mais o investimento em grande escala. O sistema econômico brasileiro assumiu uma configuração estrutural que não é favorável ao desenvolvimento. Alguns setores se modernizam e há miniciclos de crescimento, como houve nas décadas de 1980 e 1990. Mas, se não houver um enorme esforço para forçar a mudança de rumos, experimentaremos uma nova década perdida, que aliás já começou e que será, em seqüência, a terceira.

8.
As conseqüências dessa trajetória são, em larga medida, desconhecidas. O Brasil que temos pela frente é um país muito mudado. Da trajetória percorrida no século XX, até cerca de vinte anos atrás, já temos interpretações mais ou menos coerentes, mais ou menos consagradas. De lá para cá, estamos em vôo cego. Importantes mudanças estruturais ocorreram, mas ainda são relativamente recentes e pouco compreendidas.

A primeira se situa no terreno da economia. Durante a maior parte do século XX, o Brasil foi uma economia capitalista dependente, geradora de pobreza, concentradora de renda e de propriedade, mas também foi, ao mesmo tempo, uma economia extraordinariamente dinâmica. Entre 1930 e 1980, mantivemos uma taxa média de crescimento de 7% ao ano. Isso significa que dobramos o produto interno bruto brasileiro em cada década, durante cinco décadas sucessivas. Foi uma façanha. Hoje, continuamos a ser uma economia dependente, desigual, produtora de pobreza, porém de baixo crescimento. Ficamos com o que havia de ruim, perdemos o que havia de melhor. Uma das conseqüências disso é que invertemos um movimento estrutural decisivo na formação do Brasil contemporâneo: hoje, nossa força de trabalho não está mais vindo de regiões e setores atrasados para dentro dos pólos dinâmicos e modernos da economia. Ao contrário: expulsa desses pólos, está sendo forçada a buscar formas de inserção socialmente mais atrasadas e de mais baixa produtividade, pois continuamos a ser uma economia em que o progresso técnico se distribui de modo extremamente desigual.

Um segundo elemento novo, desconhecido até recentemente e associado ao primeiro, é a formação de um enorme bolsão de desemprego estrutural. Na história do Brasil, nunca o desemprego havia sido especialmente alto, mesmo em conjunturas de recessão. Hoje, temos taxas que variam de 16% em Porto Alegre, que é a região metropolitana com a menor taxa, a 25% em Salvador e Recife, sendo que nas periferias dessas regiões - e, especialmente, entre os jovens - as taxas são significativamente maiores. Este novo contingente de desemprego estrutural diminui muito pouco nos miniciclos de crescimento, mostrando-se - mantido o atual modelo - um dado estável da nossa realidade social.

Outra mudança estrutural importante salta à vista: ao longo do século XX, mesmo sendo uma economia injusta, o Brasil foi uma sociedade que garantiu, na média, mobilidade social. Ao longo das gerações havia uma expectativa de ascensão social, lenta porém visível. Para isso, vários elementos se combinavam. Todos eles foram destruídos nos últimos dez ou vinte anos: a indústria não emprega mais, a escola pública mergulhou em crise, a fronteira agrícola foi fechada, o Estado deixou de ser um pólo demandante de mão-de-obra. Nos transformamos em uma sociedade produtora de insegurança e incerteza em larga escala, com um futuro opaco, gerador de medos e de todo tipo de perplexidades.

Uma quarta mutação: em seus 500 anos de história, durante 470 anos o Brasil foi uma sociedade de maioria de população rural. O primeiro censo demográfico que aponta equilíbrio entre as populações rural e urbana - ainda com pequena predominância rural - é o de 1970. O censo de 2000, no entanto, mostra a presença de mais de 80% das pessoas nas cidades. Alteramos a distribuição da nossa população, de forma rápida e brutal. Hoje, quase 40% da população brasileira vivem em apenas nove aglomerados urbanos, as regiões metropolitanas, cada vez mais ingovernáveis. As famílias urbanizadas, mergulhadas inteiramente no mundo do mercado, precisam obter renda monetária para satisfazer todas as suas necessidades. Essa renda, na cidade, quase sempre exige a mediação de um emprego, cada vez mais escasso.

No campo também houve outras mutações estruturais importantes, que se somam para formar esse novo país, ainda desconhecido. Aumentaram - em níveis insuficientes - a produtividade e a capacidade de produção agrícolas, mas em um processo muito seletivo, que deixou de fora regiões inteiras e marginalizou populações. O êxodo rural atingiu 40 milhões de pessoas em trinta anos. A agricultura familiar mergulhou em grave crise. A fronteira agrícola foi praticamente fechada, com a reprodução, nas áreas novas, de uma estrutura de propriedade agrária ainda mais concentrada que nas áreas velhas. Eliminou-se assim um espaço de manobra tradicional da sociedade brasileira, que permitia uma espécie de "fuga para a frente" no território, e o conflito pela terra se nacionalizou.

Também foi profunda a mudança na forma de socialização da pessoas, especialmente crianças e jovens. A forma hoje predominante não passa mais, principalmente, pela escola, a família, a comunidade, a paróquia - esse conjunto de instituições, digamos assim, locais e tradicionais, acessíveis às pessoas. Passa por meios de comunicação de massa organizados como empresas capitalistas privadas e que operam sem nenhum controle social. Esse sistema impõe, à sociedade brasileira, padrões de consumo inatingíveis e desejos inalcançáveis, muitas vezes perversos, disseminando sentimentos de amoralidade, frustração e marginalidade. A violência que se assiste nas ruas tem relação direta com o abandono de populações entregues ao bombardeio de meios de comunicação poderosos e irresponsáveis, para os quais é bom o que mais vende, e que agem sem preocupar-se com o desarranjo mental e moral que provocam.

9.
Tudo isso formou um vulcão. É ilusório imaginar que uma sociedade possa ingressar em um período histórico com tais características sem enfrentar turbulências de grande monta. Por mais que se esforcem para generalizar sua visão de mundo, as elites dominantes não afastam as indagações que as pessoas fazem, temerosas, sobre o perigoso presente e o incerto futuro que pressentem para si e para seus filhos. Eis a face mais evidente da crise: as pessoas já sabem que é preciso mudar, mas ainda não sabem como e para onde mudar. A necessidade de transformar as circunstâncias vigentes é clara, mas o caminho para isso permanece indefinido. Sem ter sido tomada, a decisão de mudar fica pendente, mas a necessidade de tomá-la não desaparece. A crise se repõe.

Daí o pessimismo de muitos. No entanto, nós afirmamos que nunca, como hoje, ela teve condições tão favoráveis para uma solução. Aquelas multidões que descrevemos - concentradas em grandes cidades, com acesso a informação e sem alternativas dentro do sistema atual - são, em tamanha escala, um fenômeno novo em nossa história. Nunca tiveram uma posição potencialmente tão forte. O destino da nação está em suas mãos.

10.
Três grandes campos estão se enfrentando nessa campanha eleitoral, oferecendo suas soluções. O primeiro deles é representado pelas forças da situação, promotoras das reformas neoliberais. Elas não têm mais a ampla hegemonia que tiveram há alguns anos, mas mantêm o controle sobre o aparelho de Estado e contam com fortes apoios entre os "de cima", dentro e fora do país.

Tem sido notável a inflexão do discurso dessa corrente. Há oito anos, ela nos acenava com uma espécie de "via rápida" para ingressar no chamado Primeiro Mundo. Fazia um discurso otimista, cheio de si, arrogante, anunciando-se como portadora de um futuro brilhante. Hoje, seu candidato aparece na televisão para dizer, como se fosse um trunfo, que ainda não estamos tão mal quanto a Argentina... Tenta conferir, à nossa crise, ares de normalidade, para nos acostumar com um futuro medíocre.

Embora com dificuldades, o projeto dessa corrente ainda não derrotado. Mas precisa sê-lo. Pois, se esse campo tiver êxito, seremos uma sociedade mais dependente e mais dividida, vivendo sob uma democracia ainda mais restringida. Uma casca de democracia, vazia por dentro. As políticas que esse campo propõem visam não apenas a implantação de suas chamadas "reformas" - que tanto estrago já causaram -, mas também a criação de mecanismos legais e instituições que impeçam a reversão delas e eliminem ao máximo a margem de manobra de qualquer futuro governo.

11.
Um segundo campo centraliza suas atenções na necessidade de promover alterações na política econômica, sob a forma de juros mais baixos, maiores incentivos aos setores produtivos, menor obsessão com a estabilidade monetária, e assim por diante. Mas não questiona a herança neoliberal nem propõe reformas estruturais. É a parte mais visível da oposição, aquela que conta com maior espaço institucional e maior cobertura da imprensa. Dependendo da evolução da conjuntura, essa oposição, integrada às regras do jogo, pode transformar-se na alternativa preferencial da elite dominante, como ocorreu em outros países. Pois os centros mais importantes do capitalismo mundial - como o governo dos Estados Unidos, o Banco Mundial e o FMI - há muito tempo perceberam que o modelo neoliberal provoca grandes instabilidades nas economias e agrava a questão social. Sabem que o pêndulo não pode oscilar indefinidamente em uma mesma direção. Feitas as "reformas", muitas vezes o próprio sistema dominante passa a necessitar de políticas mais moderadas, que não questionem seriamente as novas estruturas, mas possam introduzir correções de rota e estabelecer mediações mais eficientes com as sociedades. Até aqui, são frustrantes as experiências em que esse "segundo campo" chegou ao poder na América Latina, como ocorreu no Chile e na Argentina. Sua trajetória tem sido centrípeta em relação ao modelo neoliberal. As chances de frustração também são enormes no Brasil, se esse caminho vier a ser escolhido.

12.
Nossa alternativa, ao contrário, tenta colocar-se à altura da crise de destino que nossa sociedade atravessa. Por isso, a elaboração de nosso programa não se reduz a fórmulas econômicas. Propomos, antes, novas referências culturais e políticas para a sociedade e para a ação do futuro governo, buscando redefinir os compromissos fundamentais da sociedade consigo mesma. Convocamos a sociedade a assumir o que chamamos de cinco compromissos e a realizar reformas estruturais de caráter democrático.

O primeiro é o compromisso com a soberania. Ele representa a nossa determinação de dar continuidade ao processo de construção de uma Nação, produzindo uma ruptura com a dependência externa e conferindo ao Brasil um grau suficiente de autonomia decisória.

O segundo, chamamos de compromisso com a solidariedade. Ele nos diz que a continuidade da construção nacional deve dar-se em outras bases, concentrando-se nossa capacidade produtiva, técnica e cultural, antes de mais nada, na eliminação da miséria e da pobreza em todas as suas manifestações, de modo a que nos tornemos de fato uma nação de cidadãos.

O terceiro é o compromisso com o desenvolvimento. Ele expressa a decisão de eliminar a tirania do capital financeiro e superar nossa condição de sociedade periférica, afirmando que mobilizaremos todos os nossos recursos, hoje subutilizados, articulando-os no interior de um projeto coerente.

O quarto é o compromisso com a sustentabilidade. Ele estabelece uma aliança com as gerações futuras, pois fala da necessidade de reinventar um modelo de desenvolvimento, que não seja cópia de modelos socialmente injustos e ecologicamente insustentáveis, que estão levando a humanidade a uma brutal crise civilizatória.

O quinto é o compromisso com a democracia ampliada. Ele aponta para a refundação do sistema político brasileiro, em bases amplamente participativas, de modo que o povo possa controlar os centros decisórios em todos os níveis.

Esses cinco compromissos são solidários entre si. Formam uma unidade indissolúvel. São o ponto de referência para o programa e as decisões que, a partir dele, tivermos de tomar. Para realizá-los, será necessário alterar o sistema de poder que comanda o Brasil, com a realização de reformas que alcancem toda a sociedade. Será preciso democratizar a riqueza, a terra, a informação e a cultura.

13.
Definimos também os contornos de uma nova política econômica. Buscamos apresentar respostas claras e consistentes a três grupos de questões prioritárias, que exigem iniciativas governamentais coordenadas e demarcam a primeira fase de uma nova gestão da economia nacional:

a) Como obter equilíbrio na conta-corrente do balanço de pagamentos. Como se sabe, o experimento neoliberal destruiu esse equilíbrio (que já havia sido penosamente obtido), deixando o país em situação de enorme vulnerabilidade externa e dependência aguda de financiamentos estrangeiros, da ordem de US$ 50 bilhões por ano. Além de eliminar um enorme constrangimento especificamente econômico, o reequilíbrio das contas externas é essencial para levarmos adiante o compromisso com a soberania, um dos pontos de referência do novo projeto, criando condições preliminares para um reposicionamento internacional do Brasil. Sob esse enfoque foram reestudadas questões como política industrial (de exportações e de substituição de importações), política comercial, câmbio, balança de serviços, remessas de lucros, dívida externa, tratados internacionais etc.

b) Como remontar um sistema endógeno de financiamento do desenvolvimento. Esse desafio se liga diretamente ao compromisso com o desenvolvimento, acima explicitado. Nenhum aporte de capital estrangeiro é capaz de garantir as taxas de investimento necessárias para o crescimento de uma economia do tamanho da nossa. Ou caminhamos sobre nossos próprios pés, assim nos tornando parceiros naturais de outras nações, em condições de igualdade, ou continuaremos reduzidos à condição de pedintes. Não contamos (em escala minimamente relevante) com o modelo anglo-saxão do mercado de ações. Mas temos um sistema bancário moderno, espalhado pelo território e capitalizado, além de dois bancos federais sólidos e um grande banco federal de fomento, todos com muitos recursos. A ampliação do crédito, absolutamente necessária, está limitada pela forma de organização e funcionamento desse sistema, por uma política monetária enlouquecida, baseada na manutenção de altíssimas taxas de juros, e pela falta de um horizonte claro de investimentos no longo prazo, características do modelo atual. Com o país funcionando muito abaixo de seu potencial, o passivo social se acumula, as taxas de crescimento rastejam e o problema da poupança se torna insolúvel. O investimento permanece medíocre, enquanto o país se endivida para imitar padrões de consumo criados em sociedades que têm renda per capita pelo menos dez vezes maiores que a nossa. Ao mesmo tempo, os governantes lançam apelos cada vez mais patéticos ao capital internacional. Nosso problema não é falta de poupança interna. É, de um lado, incapacidade de dirigir a poupança para o investimento e, de outro, acúmulo de capacidade subutilizada.

c) Como alterar profundamente as condições do mercado de trabalho. Uma das heranças do neoliberalismo, como vimos, é um desemprego aberto que ultrapassou recentemente a inacreditável taxa de 20%, somado a uma informalização das relações de trabalho que atinge bem mais de 50% da população ocupada. O trabalhador de carteira assinada tornou-se franca minoria, mesmo dentro do mundo do trabalho. É um enorme retrocesso, que cria um contexto hostil a qualquer progresso social. Mantido esse contexto, serão muito pequenos os efeitos das políticas compensatórias que se deseje implantar. O compromisso com a solidariedade, acima exposto, exige a recomposição dos laços sociais que decorrem do reconhecimento efetivo do direito ao trabalho e dos direitos dos trabalhadores.

Tais alterações na política econômica exigem a edificação de um novo modelo de desenvolvimento, no qual, certamente, o crescimento do mercado interno e a expansão da massa salarial, a redução da taxa de juros e o fim da hegemonia do capital financeiro, a produção de bens fundamentais (como alimentos, habitação, energia e infra-estrutura urbana), o reequilíbrio regional, a expansão dos serviços públicos, a realização de reformas estruturais, a retomada de controle sobre os conglomerados estratégicos da economia nacional, a integração sul-americana e muitos outros temas heréticos, sob a óptica neoliberal, recobram sentido e coerência, articulando-se com uma política macroeconômica realmente nova, capaz de tornar-se um ponto de apoio às transformações mais amplas que desejamos realizar.

14.
O futuro da sociedade brasileira dependerá de sua capacidade de alterar sua forma de organização socioeconômica e sua posição no sistema mundial. Grandes países periféricos, como os Estados Unidos e a China, já passaram por desafios semelhantes, cada um ao seu jeito. Só obtiveram êxito quando decidiram reformar-se e ousaram contrariar o lugar que lhe fora atribuído pela ordem internacional de seu tempo. É o que desejamos fazer.

No plano internacional, buscaremos uma posição independente, fortalecida pela formação de um bloco regional autônomo, capaz de manter relações geograficamente diversificadas e assumir um papel próprio no mundo. O Brasil é insubstituível na criação do núcleo histórico de um novo rearranjo regional de cooperação e desenvolvimento - latino e americano -, que poderá vir a configurar um novo bloco, ou um novo megaestado, no futuro. Por isso, rejeitamos o projeto de criação da Alca, e no lugar dele proporemos a crescente integração sul-americana. Rejeitaremos a instalação de bases estrangeiras em nosso território, assegurando que Alcântara continue a sediar o programa espacial brasileiro. Daremos especial atenção à região amazônica, que queremos ver - por tratado com os demais governos da região - como um território livre de tropas militares estrangeiras, e cuja plena integração constitui hoje, mais do que nunca, um desafio estratégico para a América do Sul, por seu potencial hídrico, energético, alimentar, mineral e genético.

15.
Todo esse esforço exigirá, necessariamente, a progressiva edificação de uma nova sociedade. No Brasil e no mundo, os sinais de barbárie se multiplicam, seja na esfera material, com o processo de exclusão social, seja nas esferas cultural e espiritual, com a crescente perda de sentido da existência humana. O motivo é claro: o processo de acumulação de capital precisa cada vez menos das pessoas. Isso significa que a criação de riqueza abstrata, que é o objetivo do capitalismo, descolou radicalmente das necessidades humanas. Por isso, para defender a humanidade, precisamos superar esta forma de organização social e recolocar o socialismo na ordem do dia. Ele nunca foi tão necessário.

Nós, socialistas, amamos nosso país e nosso povo. Do país, conhecemos o enorme potencial; e, no povo, apreciamos as excepcionais qualidades. Por isso, não nos conformamos com as injustiças e desigualdades do Brasil de hoje. O Brasil que queremos, e que será o resultado do esforço conjunto de todos os brasileiros, buscará resgatar da miséria e do atraso social milhões de compatriotas e implantar uma democracia social e participativa que assegure, de fato, direitos e oportunidades iguais para todos. O Brasil que queremos promoverá o desenvolvimento econômico e social sustentável, preservando e valorizando o que temos de melhor em nosso território e na alma de nossa gente.

Que Brasil é esse com que nós, socialistas, sonhamos e que desejamos ajudar a construir? É um Brasil que rompe com seu passado de concentração do poder, da propriedade e da riqueza; que condena e combate a discriminação e a exclusão social; que afirma sua soberania e a defesa de seus interesses nos fóruns internacionais; que trilha os caminhos do desenvolvimento com justiça social, isto é, um desenvolvimento que tenha como objetivo a inclusão social, instrumento da igualdade de oportunidades, da cidadania e da democracia; que utiliza seus recursos naturais de forma soberana e sustentável; que democratiza o Estado, valoriza e respeita a cidadania; que garante direitos e oferece oportunidades iguais a todos os brasileiros; e que busca a integração econômica, social, cultural e política com seus irmãos latino-americanos.

Neste Brasil que queremos construir, o primeiro e principal compromisso é com o combate ao desemprego, à fome e à miséria. Portanto, com os 50 milhões de brasileiros que vivem abaixo da linha de pobreza, dentre os quais uma maioria de mulheres e de afro-descendentes. Nos primeiros seis meses de governo dos socialistas, políticas públicas e ações estratégicas serão formuladas e desencadeadas para enfrentar as questões sociais mais graves que afligem nosso povo. A fome, no Brasil, não deriva da falência da produção agrícola ou da impossibilidade de produzirmos, simultaneamente, para a exportação e o mercado interno. Resulta da falta de poder aquisitivo de parcelas expressivas da população. Assim sendo, políticas públicas emergenciais de geração de emprego e renda e de fornecimento de alimentação popular, associadas a iniciativas de solidariedade social estimuladas pelo governo, contribuirão para enfrentar o problema, enquanto se implantam as bases de um amplo projeto de retomada do desenvolvimento econômico.

O segundo compromisso de uma administração socialista é com a correção da vergonhosa distribuição de renda que vigora em nosso país. Experiências de países socialistas, ou mesmo de nações capitalistas, demonstram que o Estado tem papel fundamental a cumprir no processo de redistribuição da renda e da riqueza nacionais, a começar pela promoção de uma verdadeira Reforma Agrária. E para tal tem instrumentos: o ordenamento jurídico e institucional, a tributação, as políticas públicas de educação, saúde e saneamento, a utilização social do crédito público, a democratização do acesso à propriedade. Enfim, não faltam meios ao Estado brasileiro para começar a reverter a tendência histórica à concentração da riqueza e da renda no Brasil. O que tem faltado é vontade política.

O terceiro compromisso é com a garantia ao emprego, à educação e à saúde para todos os brasileiros. Para gerar empregos em quantidade suficiente, que atenda aos jovens que alcançam a idade de trabalhar e aos que, em idade adulta, necessitam reingressar no mercado de trabalho, é preciso que a economia brasileira volte a crescer a taxas de 5% a 6% ao ano. Mudar radicalmente a atual política macroeconômica, para transformá-la em instrumento de crescimento econômico, é um dos objetivos estratégicos do governo do PSB. Para isso, será preciso fazer uma reforma tributária que estimule o investimento produtivo e desonere a produção, baixar a taxa de juros e controlar a volatilidade da taxa de câmbio e expandir e reorientar o crédito, cuidando que se destine à agricultura, à indústria, ao comércio e às pequenas e médias empresas.

O Brasil que queremos é um país que dará prioridade aos investimentos públicos em educação, saúde e saneamento. A maior urgência consiste em acabar com o analfabetismo. Nenhum recurso será poupado para eliminar de nosso panorama social esse flagelo que impede o exercício da cidadania por parte de milhões de brasileiros. Da mesma forma, haverá grande empenho em recuperar a qualidade da educação básica pública e em reequipar e modernizar nossas Universidades e Centros de Pesquisa, para que o Brasil possa, em todas as áreas do conhecimento de importância estratégica para o futuro do país, formar profissionais e pesquisadores capazes de ombrear com os de qualquer nação.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) determina que a educação infantil (até 3 anos) e a pré-escolar (de 3 a 6 anos) sejam de responsabilidade dos municípios. A participação crescente da mulher no mercado de trabalho vem elevando significativamente a demanda social por creches e por unidades de educação pré-escolar. Os municípios, sem recursos suficientes para atender a essa demanda crescente, não têm cumprido as determinações da LDB. A União, através de uma repartição justa de competências e de recursos entre os entes federativos, deve habilitar estados e municípios a enfrentar de forma decidida essa carência social que compromete o desenvolvimento psicomotor e a capacidade futura de aprendizado de milhões de crianças brasileiras.

Uma política de saúde para todos exige que se confira prioridade às ações de caráter preventivo, sem descuidar da melhoria do atendimento médico e hospitalar, conforme assegurado na Constituição Brasileira e nas Leis Orgânicas da Saúde (SUS). Essas conquistas da população têm sido desrespeitadas pela visão neoliberal que se apossou também da área da saúde e que ignora o princípio elementar de que prevenir é melhor, e custa mais barato, do que remediar. Os surtos epidêmicos recentes e o ressurgimento de doenças que se imaginava erradicadas são a demonstração cabal de que as ações de saúde pública devem ter caráter permanente, atendendo a necessidades preventivas e obedecendo a uma visão estratégica de combate às principais endemias que afetam a população. Investir em saneamento, sobretudo em abastecimento de água potável e em esgotamento sanitário, é a melhor forma de economizar recursos com atendimento ambulatorial e hospitalar. O governo socialista se preocupará com a saúde da gestante, do recém nascido, da criança, do idoso e dos portadores de necessidades especiais, assistindo-os por meio de políticas específicas, cujos resultados serão monitorados e acompanhados pela sociedade.

O Brasil que queremos tem um compromisso com a redução das desigualdades regionais, que, de tão profundas e injustas, ameaçam o pacto federativo. As agências regionais de desenvolvimento serão reorganizadas, em novos patamares e com novas funções, integrando os esforços da União, dos Estados e dos municípios, disciplinando o crédito a custos diferenciados, promovendo o desenvolvimento tanto de base agrícola quanto industrial, estimulando o setor de serviços e, dentre estes, oferecendo destaque ao turismo, que requer prévios investimentos em infra-estrutura.

O sentimento de justiça, tão forte em nosso povo, o espírito de brasilidade, a defesa da soberania nacional e da integridade territorial, e a preservação da federação, recomendam que a nação, governo e sociedade, se empenhem em eliminar, de uma vez por todas, as desigualdades que separam brasileiros em razão da cor, do local de nascimento ou de moradia.

O Brasil que queremos oferecerá perspectivas futuras para os jovens, garantindo sua formação geral, profissional e a habilitação para o trabalho e incentivando as empresas a contratarem aqueles que buscam o primeiro emprego. A ressocialização de jovens em conflito com a lei, o estímulo à permanência na escola para o cumprimento da escolaridade adequada, a adoção de programas de esporte, lazer e cultura para adolescentes, constituirão preocupação permanente do governo do PSB.

O Brasil que queremos não aceita a degradação da infra-estrutura de suas principais cidades. Resgatar a idéia do planejamento urbano em escala metropolitana e inseri-lo em arranjo institucional apropriado, recuperar as finanças e, portanto, a capacidade de investimento dos entes federativos, habilitá-los a tomar empréstimos, de acordo com sua capacidade de pagamento, junto a instituições públicas de crédito para investir em transporte de massa, saneamento, habitação e segurança, são medidas indispensáveis à reversão da tendência de deterioração das condições de vida nas grandes regiões metropolitanas do país.

O Brasil que queremos preza a paz e valoriza a vida. No lar, na escola, no trabalho, nas suas manifestações sociais e culturais, no cotidiano de sua gente. É compromisso dos socialistas combater a violência sob todas as suas formas e utilizar os meios de que dispõe o governo federal para enfrentar a criminalidade, a corrupção, o narcotráfico, o tráfico de armas, o "crime do colarinho branco", o racismo, enfim, todas as manifestações criminosas que põem em risco a vida dos brasileiros e comprometem sua tranqüilidade. O direito à segurança é reconhecido pelos socialistas como indispensável à busca da felicidade e ao pleno gozo da cidadania. É mais do que chegada a hora de dar um basta à escalada de violência e criminalidade que custa cada vez mais caro à sociedade brasileira. Medidas repressivas e políticas sociais específicas serão implementadas para coibir e desestimular a violência contra a mulher, a criança, o idoso, a população indígena e os afro-descendentes. Especial atenção será dada aos jovens, principais protagonistas e vitimas da violência.

O Brasil é um país com patrimônio natural invejável, caracterizado pela abundância de recursos físicos e pela riqueza da biodiversidade. O uso pleno de nossa soberania requer que tenhamos projetos de ocupação sustentável dos diversos ecossistemas brasileiros. Exige, também, uma preocupação maior com o monitoramento e o uso adequado de nosso litoral, com fins de preservação e de utilização econômica. O PSB tem compromisso com a melhoria da qualidade ambiental e com o uso sustentado de nossos recursos naturais em benefício das gerações presentes e futuras de brasileiros.

Consciente de que a integridade territorial e a soberania nacional constituem patrimônio inalienável legado por nossos antepassados, o PSB preocupa-se com o sucateamento de nossas forças armadas e com o conseqüente enfraquecimento da capacidade de defesa do país. Forças armadas modernas e eficientes são fundamentais para garantir a soberania nacional e nosso direito de participar de forma independente nos fóruns internacionais. É compromisso do PSB recuperar a capacidade de defesa brasileira, investindo em equipamentos e capacitação profissional de nossas forças armadas e, sobretudo, consolidando sua vocação democrática e sua missão constitucional de garantir ao nosso povo o direito de construir, em paz, e de forma soberana, uma sociedade próspera e justa.

O Brasil que queremos rejeita a estagnação econômica. Antevê que taxas medíocres de crescimento condenarão o país ao atraso e à subordinação internacional. Confia no talento, na criatividade e na capacidade de trabalho de seu povo. E anseia pela retomada do crescimento econômico em ritmo que satisfaça à ambição genuína de construir nos trópicos uma grande nação. Mas o que deseja é um desenvolvimento social, econômico e ambiental sustentável. É, pois, obrigação de um governo socialista promover e estimular a solidariedade, a participação social, o respeito à vida e à natureza, como instrumentos de um Projeto Nacional de Desenvolvimento Sustentável.

A retomada do crescimento econômico é tarefa urgente de salvação nacional. Trata-se de condição necessária, mas não suficiente, porque, simultaneamente, haverão de ser adotadas políticas públicas de combate à pobreza e de geração de renda e emprego. Mas isso não ocorrerá sem a mudança radical dos rumos da política macroeconômica do governo. Atualmente, o que prevalece é a visão neoliberal de que o Estado não tem qualquer função a cumprir em matéria de promoção do desenvolvimento econômico. Nós, socialistas, acreditamos que é possível estimular o crescimento econômico sem prejuízo da estabilidade monetária, duramente conquistada pelo povo brasileiro. Para isso, é necessário promover a reforma tributária, ter políticas de crédito, fiscais, de comércio exterior e tecnológicas de estímulo às exportações e à produção interna de bens de alto valor agregado que, hoje, são importados. É preciso, ainda, reduzir a taxa de juros, o que, dentro de certos limites, e de forma gradativa, pode ser feito sem prejuízo do equilíbrio externo, aproveitando o fato de que as taxas de juros internacionais, nos Estados Unidos, Europa e Ásia estão muito baixas. E, sobretudo, há que utilizar as instituições públicas de crédito, BNDES, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e Bancos Regionais, para financiar projetos destinados a expandir a capacidade produtiva e aumentar a produtividade das empresas nacionais. Nada disso afeta o equilíbrio fiscal. Pelo contrário, o crescimento econômico aumenta a receita tributária do governo e a queda dos juros reduz o montante do serviço da dívida interna que hoje é preocupante.

A lição do mundo globalizado de hoje é que um país só pode manter-se competitivo na economia internacional se estimular a capacidade de investir e, portanto, a produtividade e a eficiência de suas empresas. E isso, num país em desenvolvimento como o Brasil, não ocorre por obra e graça do mercado. Para que aconteça, é necessário que o governo exerça um papel de coordenação e promoção. Não se trata de reeditar políticas de subsídio que no passado promoveram a concentração de renda e o desvio de recursos públicos. Nem de premiar a ineficiência, estabelecendo barreiras alfandegárias, ou outras, que ofereçam à empresa nacional uma falsa sensação de proteção. Mas, sim, de afirmar que é dever do Estado a defesa intransigente dos interesses brasileiros nos fóruns internacionais de negociação comercial, bem como a proteção e o apoio à empresa nacional quando é vítima de concorrência desleal em países estrangeiros ou no mercado doméstico, como tem acontecido com freqüência, sob o olhar impassível de nossas autoridades econômicas.

A coordenação que se exige do Estado consiste em provocar a cooperação entre o setor público, as empresas, o mundo do trabalho e a comunidade científica e tecnológica para obter o melhor resultado possível em termos de produtividade e eficiência, tanto do setor privado quanto do setor público. A Reforma do Estado terá por objetivo não apenas democratizar a administração pública, mas, também, garantir padrões eficientes de gestão e de atendimento às demandas da população. Pois não há exemplo de economia desenvolvida com governo ineficiente. A tarefa de promoção do desenvolvimento econômico que cabe ao Estado, por sua vez, é a utilização de todos os instrumentos de que dispõe o governo: tributação, crédito, investimento em infra-estrutura, educação e treinamento de recursos humanos, capacidade científica e tecnológica, poder de negociação nos fóruns internacionais, dentre outros, para estimular a eficiência da economia nacional. Nenhum país abdica desse direito de promover a eficiência de sua própria economia. Num mundo cada vez mais competitivo, isto seria suicídio. Mas é o que tem acontecido no Brasil nos últimos anos. E o resultado é o que se vê.

Ou seja, no Brasil que queremos, o Estado implementará políticas públicas destinadas a gerar ou economizar recursos em moeda estrangeira, promovendo o crescimento das exportações (A FIESP fala num crescimento de "pelo menos 10% ao ano") associado a um programa eficiente de substituição de importações que estimulará a fabricação interna de produtos eletrônicos, químicos e farmacêuticos, incentivará o turismo e outros serviços deficitários como os seguros, implantará uma política de apoio à construção naval e à criação de uma frota mercante nacional, dentre muitas outras iniciativas que irão contribuir para gerar um expressivo superávit comercial e de serviços. Enfim, o Estado buscará reorientar os recursos da economia em favor do setor produtivo. Recursos que hoje alimentam lucros puramente financeiros.

O capital estrangeiro produtivo, que venha complementar a poupança nacional, aportar tecnologia, contribuir para o desenvolvimento do mercado interno e para a inserção soberana e competitiva do Brasil na economia mundial, será sempre bem vindo. Já o ingresso do capital financeiro especulativo será submetido a normas que impeçam o seu comportamento errático e imprevisível que tende a reforçar os movimentos de brusca alteração do câmbio e a agravar as crises de balanço de pagamentos.

Por força do endividamento do Estado, o povo brasileiro deve, no exterior e no Brasil, somas vultosas de dinheiro. Cabe a cada um de nós contribuir para o pagamento dessa dívida. Temos, portanto, o direito de conhecer as causas e o montante exato das dívidas - externa e interna - que nos cabe pagar. O Art. 26 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias determina que no prazo de um ano, a contar da promulgação da Constituição, o Congresso Nacional "promoverá exame analítico e pericial do processo de endividamento brasileiro". Essa é, pois, uma disposição constitucional cujo cumprimento é de responsabilidade do Congresso Nacional e que, até o momento, não foi atendida. O PSB não vê por que se deva temer um exame da Dívida Externa Brasileira, sobretudo quando se considera que, recentemente, o Banco Central, revendo suas contas, percebeu que havia superestimado a dívida externa do país em cerca de US$ 50 milhões. Quem deve tem o direito de saber quanto deve e por que deve. E a dívida não é do governo brasileiro, do Congresso Nacional ou do Banco Central. Quem a está pagando é o povo brasileiro, o verdadeiro devedor. Também a dívida interna, ainda que a Constituição não o determine, requer um exame analítico e pericial para determinar as razões de seu crescimento vertiginoso nos últimos anos. O governo do PSB promoverá, portanto, uma análise minuciosa das dívidas interna e externa, não para que o povo brasileiro deixe de pagar aquilo que legalmente contraiu como dívida, mas para que não se cobre dele nem um centavo a mais do que é legitimamente devido.

A primeira, e mais urgente, das iniciativas econômicas do governo do PSB será a realização de uma Reforma Tributária, com a finalidade de criar as condições de uma retomada do processo de crescimento econômico sem risco para a estabilidade monetária e o controle da inflação. Essa reforma tributária obedecerá aos seguintes objetivos:
  • Diminuir a cobrança de impostos sobre a produção nacional e desonerar o investimento produtivo e a exportação, deslocando a cobrança de impostos para o consumo, a renda e a propriedade;
  • Reduzir o número de impostos, buscando a maior simplicidade em termos de legislação e regulação, a fim de diminuir os custos contábeis e advocatícios das empresas e evitar disputas judiciais intermináveis;
  • Ampliar o universo de contribuintes;
  • Facilitar a cobrança e a fiscalização do imposto;
  • Promover um novo pacto federativo com redistribuição de competências e atribuições entre os entes federativos e repartição da receita tributária de forma compatível com essa redistribuição.
Uma reforma tributária que tenha esses objetivos reduzirá os custos das empresas brasileiras e aumentará sua capacidade competitiva, em relação às suas concorrentes estrangeiras, tanto no exterior quanto no mercado interno. Contribuirá, portanto, para a retomada do crescimento econômico, para a geração de emprego e renda e para o controle da inflação.

Com a legitimidade conferida pelo voto popular, o PSB procurará, nos primeiros seis meses depois da eleição, mobilizar o Congresso Nacional, a sociedade civil, prefeitos e governadores, especialistas no assunto, enfim, todos os interessados, para, em conjunto, preparar uma Reforma Tributária à altura das necessidades do país.

O Brasil que queremos respeita e confia em seus pesquisadores. Reconhece o mérito de seu desempenho, pois, com meios precários e verbas insuficientes, muitos dentre eles, superando toda sorte de dificuldades, têm conseguido destacar-se no cenário internacional. Por isso, o programa do PSB destaca a pesquisa e a produção científica e tecnológica como fatores de importância estratégica, colocando-as diretamente a serviço do desenvolvimento econômico e social do país.

O Brasil que queremos sabe que não subsistirá identidade nacional sem preservação de nossos valores culturais. Valoriza sua herança histórica e cultural e se orgulha da criatividade de seu povo, testemunhada pela riqueza e diversidade da produção cultural das atuais gerações de brasileiros. O programa do PSB prevê a adoção de políticas públicas destinadas a promover a produção, a difusão e a democratização do acesso aos bens culturais. O cinema, a música, o teatro, a dança, a literatura, as artes plásticas, o artesanato, o folclore, enfim, as mais diversas manifestações culturais serão estimuladas, como forma de afirmar, no Brasil e no exterior, nossa identidade nacional e de contribuir, mercê do talento de nossa gente, para a preservação da diversidade cultural, valor essencial à construção de um mundo baseado na justiça, na liberdade e na participação igualitária.

O Brasil que queremos é um país soberano, capaz de defender seus interesses com vigor, de aumentar sua presença na cena internacional, fortalecendo o Mercosul e agindo como um pólo de organização e de aglutinação da América do Sul, sem pretensões hegemônicas. E esse trabalho diplomático de fortalecimento dos laços comerciais com a América do Sul é importante, sobretudo porque se aproxima o momento das negociações em torno da criação da ALCA. Postulamos que o Brasil, pela força e solidez de suas instituições democráticas, seja um fator de aprofundamento e de estabilização da democracia na América do Sul.

O Brasil que queremos deve ter presença decisiva e marcante na América do Sul e, ainda assim, relacionar-se de forma cada vez mais intensa com a União Européia, com a qual temos tantas afinidades históricas, étnicas e culturais, e com nações que se afirmam como importantes atores no cenário internacional, e de que são exemplos a China, a Índia, a Rússia e a África do Sul, dentre outras. Precisamos, igualmente, reforçar nossos laços com a comunidade de língua portuguesa, onde temos extraordinárias possibilidades de intercâmbio comercial, científico, educacional e cultural.

Relegada ao isolamento pelos principais centros de poder do Ocidente, a África deveria merecer especial atenção da diplomacia brasileira, o que não ocorre atualmente. Com o continente africano, temos, além de proximidade geográfica, identidade racial e cultural, o que resulta em forte vínculo afetivo. O Brasil, nas relações bilaterais com países africanos e nos fóruns multilaterais, pode oferecer importante contribuição à tarefa de recolocar a África no centro da agenda internacional de forma soberana e autônoma, livre da tutela das grandes potências mundiais.

O Brasil precisa, ainda, propugnar, com mais veemência, por uma reforma radical do sistema financeiro internacional, a fim de transformá-lo em instrumento de desenvolvimento econômico e social. Atualmente, sem controle efetivo de nenhuma autoridade nacional ou internacional, esse sistema representa fator de instabilidade e de concentração crescente de renda e riqueza em escala mundial.

O Brasil que queremos promoverá a democratização da Justiça, assegurando a proteção jurisdicional a que têm direito todos os brasileiros, garantindo o acesso de todos ao pleito judicial. A justiça será gratuita e rápida e primará pela defesa do fraco em face do forte, do pobre em face do rico, do excluído em face do poderoso. O Poder Judiciário será autônomo e independente nas suas funções, mas, como os poderes Executivo e Legislativo, estará sujeito a mecanismos sociais de controle.

No Brasil que queremos a educação será universal e de boa qualidade, observado o princípio do retorno social do investimento público em ensino superior e na pesquisa. A educação favorecerá as mudanças culturais e sociais requeridas pela sociedade contemporânea, absorverá as inovações científicas e tecnológicas e os avanços da comunicação. A educação será preferentemente pública e atuará como instrumento de democratização da informação, da cultura e do conhecimento, de promoção social e realização plena da cidadania.

O Brasil que queremos combaterá a corrupção em todos os seus escalões, será vigilante na defesa do erário e do interesse público e implacável no combate aos crimes de ‘colarinho branco’, no combate a toda sorte de privilégios, na guerra à impunidade, que corrói a confiança do povo na democracia. Com a ajuda do povo brasileiro, construiremos uma sociedade na qual imperará a ética como valor fundamental e o trabalho como instrumento de dignidade e ascensão social.

O Brasil que queremos será uma democracia social e participativa, recuperando a Federação e promovendo a distribuição do poder e a participação popular. A democracia é uma exigência dos trabalhadores. Sua conquista cobrou alto custo social, medido em vidas perdidas, em liberdades cerceadas, em direitos extorquidos. Conservá-la é fundamental. Para os socialistas, todavia, não basta consolidá-la. É preciso aprofundá-la para que permeie todas as atividades sociais. Nenhum projeto democratizante avançará se não promover a reforma do Estado conservador, que superando os limites da representação clássica enseje a emergência efetiva das massas na arena política. Vale dizer, uma modificação radical nos papéis atribuídos aos diferentes setores e classes sociais no Brasil. Para isso, o projeto democrático dos socialistas visa ao desbloqueio das demandas e necessidades cada vez mais importantes e urgentes de setores crescentemente majoritários e igualmente marginalizados de nossa sociedade. Implica a defesa da vida, do emprego, da educação, da saúde, da cidadania, enfim. A primeira reforma política será da democracia representativa, visando à proteção do voto e da soberania popular, criminalizando a intervenção das máquinas administrativas públicas, do poder econômico e do monopólio da informação no processo eleitoral e na vida parlamentar. A democracia representativa se completará na implantação progressiva dos princípios da democracia direta, fazendo efetiva a vontade constitucional da Carta de 1988, o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular.

O Brasil que queremos é, finalmente, um país forte pela sua pujança e pelo trabalho de seus filhos. Um país no qual imperará a solidariedade social e em que a fraternidade servirá de elo efetivo da união de todos e de fundamento da sociedade que se deseja construir. Como socialistas esse é o nosso compromisso com o Brasil.

Reunidas as condições descritas nesta introdução, temos certeza de que nosso país estará capacitado a promover o desenvolvimento humano de seu povo. O Brasil que queremos poderá, então, oferecer a seus filhos a possibilidade de viver em paz, de desenvolver plenamente seus talentos, de contribuir para a construção da riqueza nacional, de alcançar a velhice sem apreensão e de olhar para o futuro de seus descendentes com justificada esperança.

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