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Programa de Governo - PSB

Anteprojeto - O Brasil que temos

Ao apresentar seu Programa de Governo ao País, o PSB tem em vista a elaboração de um Projeto Nacional capaz de mobilizar trabalhadores, intelectuais, empresários nacionais, pequenos e médios empreendedores, produtores rurais, profissionais liberais, enfim, todos os brasileiros que rejeitam o atraso, as injustiças e o abandono a que se acha submetida a grande maioria de nosso povo. Assim, espera estar contribuindo para a formulação de um quadro de esperanças que aglutine a nossa gente na extraordinária e urgente tarefa de construir um novo Brasil. Para tanto, é necessário unir esforços e talentos dos mais diversos segmentos sociais. Por isso, a proposta do PSB é de união de todos os brasileiros em torno desse projeto de um novo Brasil, com o qual nosso povo sempre sonhou e que, neste documento, denominamos de O BRASIL QUE QUEREMOS.

A construção de uma sociedade próspera e justa é processo complexo, árduo e demorado. Não será empreitada de um único partido. Nem de um só governo. Envolve o empenho de todos os segmentos que constituem o povo, a dedicação de gerações sucessivas. Daí sua necessária vinculação a postulados éticos, que são próprios dos socialistas. De uma vez por todas, é preciso afirmar que uma nação é mais que um mercado. Sua construção exige o esforço contínuo de todos os brasileiros. Para tanto, porém, é essencial que se conheça bem o ponto de partida. Em outras palavras, que se tenha uma consciência clara das injustiças, desarmonias, carências e insuficiências do "Brasil que temos", para que possamos, graças ao trabalho coletivo, construir O BRASIL QUE QUEREMOS, o Brasil que nosso povo merece.

O Brasil que temos é fruto de recorrentes processos históricos. As desigualdades e injustiças sociais de hoje derivam da persistente concentração de poder e de riqueza, ao longo de 500 anos, em benefício de poucos e mediante a exploração de muitos. A escravidão, que em nosso País vigorou durante mais de 300 anos, perdurando até o final do século XIX, deixou marcas profundas na sociedade brasileira, marcas que ainda não conseguimos apagar, como a não assumida discriminação racial e todos os mecanismos de exclusão social que em boa parte dela resultam.

À discriminação racial, soma-se a discriminação de gênero, herança histórica marcada por influências culturais que contaminam e pervertem os mais diversos aspectos de nossa vida social.

O sistema de posse da terra, além de viciado pela escravidão, é também comandado pelo privilégio e pela violência, ao invés de processos nos quais a propriedade da terra, franqueada à exploração, foi assegurada aos que nela decidiram morar e produzir. Nosso sistema determinou a excessiva concentração de hoje da propriedade fundiária. É nessa dimensão que entendemos a Reforma Agrária, que para nós é a Lei no campo, é o fim da posse e do usufruto da terra baseados nas armas, na truculência, na expulsão dos que nela trabalham. Reforma Agrária é a posse jurisdicionada da terra, é a terra para quem trabalha e produz.

O Estado centralizador e autoritário que conhecemos reflete a hegemonia de uma elite política, econômica e social que, à força de defender seus privilégios, impediu, no curso de nossa evolução política, a construção de uma verdadeira democracia, aberta à participação de todos os brasileiros.

A fragilidade econômica do País, que nos mantém em sobressalto a cada crise internacional, expressa a incapacidade continuada dessas elites de construir um projeto soberano de desenvolvimento nacional. Elites que, historicamente, sempre se voltaram para o estrangeiro à cata de inspiração e de modelos e que, nos momentos mais críticos da evolução político-social do País, foram buscar, também no exterior o suporte necessário para manter sua dominação interna. Por isso, historicamente, a ausência de um projeto nacional unificador da sociedade brasileira.

Mas nossa herança histórica não registra apenas fracassos e frustrações. Resultam também de nossa história "esse povo de extraordinária polivalência cultural e um País sem paralelo pela vastidão territorial e homogeneidade lingüística e religiosa", na bela definição de Celso Furtado. A nação foi edificada pelo esforço, sacrifício e heroísmo de gerações e gerações de trabalhadores que construíram nossa unidade e a extraordinária identidade comum. Nossa história é pontuada por atos de patriotismo, bravura e desprendimento, dentre os quais sobressaem o martírio de um Tiradentes e a epopéia dos Quilombos, primeira experiência de organizar, em terras brasileiras, uma sociedade justa e libertária. Brancos, negros e índios, na batalha dos Guararapes, lutaram juntos para defender nosso solo, proteger nossas fronteiras e construir o País. A justaposição de raças e a fusão de culturas e religiões fizeram do Brasil um País singular, rico em diversidade e uno na identidade nacional. Cumpre defendê-lo, legá-lo mais harmônico e justo aos nossos filhos, à Humanidade.

Nossa diversidade é o mais importante patrimônio que podemos oferecer à humanidade. Diversidade que se reflete na paisagem humana e no temperamento da gente, nos costumes, nas ciências, no sincretismo religioso, no folclore e na gastronomia, na música e na dança. A diversidade explica a criatividade e o talento de nossas manifestações artísticas, que temos o dever de ampliar e preservar em benefício das futuras gerações.

Tampouco no plano material nossas conquistas são pequenas. Não obstante os desníveis sociais, a desumana pressão sobre os segmentos sociais excluídos da posse da terra e das oportunidades, a partir da segunda metade do século XIX e, no século seguinte, dos anos 30 ao final dos anos 70, o Brasil alcançou uma das mais altas taxas anuais médias de crescimento econômico, transformando-se numa das mais importantes economias do mundo. Dentre os países em desenvolvimento, o Brasil é, possivelmente, o que possui a maior e mais diversificada economia, produzindo desde matérias-primas agrícolas e minerais, até aviões, automóveis, computadores e outros equipamentos cuja produção requer o uso de tecnologia sofisticada. Lembre-se aqui que a ação econômica do Estado, hoje estigmatizada pelos neoliberais, foi essencial na criação da indústria de base, suporte dessa diversificada estrutura industrial. No entanto, e quanto mais crescemos, mais nos caracterizamos como sociedade injusta, fundada na desigualdade e na exclusão de milhões de brasileiros. Conclui-se que a questão fundamental não é exclusivamente a de desenvolver-se e crescer economicamente, pois, nos anos 70, às altas taxas de crescimento, correspondeu o aprofundamento da concentração de renda e das desigualdades sociais. A questão fundamental é saber que modelo de desenvolvimento, diferente deste, concentrador de riqueza e renda e distribuidor de pobreza, queremos para o Brasil. Um desenvolvimento socialmente sustentável, que combata as injustiças e as desigualdades e elimine a miséria, com toda a sua carga de indignidade, violência e degradação humana.

Mas o Brasil que temos não é apenas uma herança histórica remota. O aumento do desemprego nas Regiões Metropolitanas, o crescimento da legião de pobres e miseráveis que sobrevivem com menos de dois reais por dia, a deterioração da qualidade do ensino público, a falência do sistema de saúde, a perda de poder aquisitivo do trabalhador, o desamparo em que vivem pensionistas e aposentados, o sucateamento da Universidade Pública e dos Centros de Pesquisa, o reduzido investimento em Ciência e Tecnologia, o desmantelamento do Estado e a fragilidade das empresas brasileiras diante da concorrência crescente de grandes grupos econômicos internacionais, o brutal endividamento externo que condiciona a política econômica do governo e trava o desenvolvimento, tudo isso resulta, também, e mais diretamente, de vinte anos de exacerbação do modelo econômico neoliberal em nosso País.

O começo de novo milênio representa um marco simbólico. A um só tempo, desperta esperanças e gera incertezas. Esperanças e incertezas que são maiores num país como o Brasil, caracterizado pelo contraste entre a extraordinária disponibilidade de recursos naturais e a persistência de flagelos sociais graves como a pobreza de muitos que é o preço da riqueza de poucos, a fome e o desemprego que afetam parcela expressiva de nossa população. Neste início de século, o PSB tem orgulho de reafirmar sua fé no Brasil e na capacidade de seu povo de construir uma grande nação. Mas, para isso, precisamos vencer, com êxito, desafios fundamentais, o que nos possibilitará retomar o processo de desenvolvimento econômico e, sobretudo, fazer com que esse desenvolvimento econômico seja acompanhado por um progresso social capaz de resgatar da miséria e da pobreza milhões de brasileiros.

Que Brasil é esse que rompe a aurora do terceiro milênio? É, de forma clara e inequívoca, um País de inaceitável desigualdade social, em que a miséria, o desemprego, a falta de educação, de assistência médica e de saneamento afetam milhões de brasileiros. O grau de concentração da renda, segundo a Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), só é inferior ao de dois países no mundo: Nicarágua (América Central) e Suazilândia (África). De acordo com estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), do governo federal, a distância entre a renda dos 20% mais ricos e dos 20% mais pobres é, no Brasil, de 33 vezes, uma das mais elevadas do mundo. Na faixa de população acima de 15 anos há cerca de 15% de analfabetos (IBGE - Indicadores Sociais 2000). O Brasil ocupava, em 1986, o 13o lugar em matéria de desemprego no mundo, hoje já é o 4º, com mais de 12,5 milhões de desempregados. A taxa de desemprego real média da população economicamente ativa (PEA) é de 16,8%, distribuídos desigualmente entre as regiões: em Recife é de 31%; em Salvador, 25,6%; em Belo Horizonte, 19,2%; em São Paulo, 19,9%; em Porto Alegre, 15,2%; e, no Rio de Janeiro, registra-se a mais baixa, 12%. Nada menos de 50 milhões de brasileiros (33,5% da população) vivem abaixo da linha de pobreza, excluídos do trabalho, da renda, da cultura, da informação e da cidadania. Desses brasileiros, 45% têm menos de 15 anos de idade. É assim que o modelo concentrador compromete o futuro do país.

No Brasil, a pobreza tem cor. Os afro-descendentes - 45% da população brasileira - respondem por 60% dos pobres e 70% dos miseráveis (IBGE - PNAD 1999). São minorias na Universidade, no oficialato das Forças Armadas, na Magistratura, na alta burocracia, no empresariado e nos Parlamentos.

A escolaridade média do brasileiro adulto é uma das mais baixas do mundo. Nada menos de 61% dos brasileiros têm menos de oito anos de estudos (IBGE - Indicadores Sociais 2000). É a forma que o modelo encontrou para que os pobres, que não têm acesso à instrução, permaneçam pobres. Por isso a escola pública foi desmantelada. Ao pobre, o ensino deficiente que não o prepara para a competição; o ensino de qualidade é privativo de quem pode pagar. A escola pública de qualidade é a única forma de democratizar as oportunidades de ascensão social.

O Brasil que temos neste início de século é, também, um País de dimensões continentais marcado por grandes desigualdades regionais. Dos brasileiros que vivem abaixo da linha de pobreza, 50% estão na Região Nordeste, onde se concentram apenas 28% da população brasileira (IBGE - Sinopse Preliminar - Censo 2000). A mortalidade infantil, até o primeiro ano de vida, é de 34 crianças para cada mil que nascem. Mas enquanto há regiões em que essa mortalidade é de 18 por mil, como em certas áreas do Sudeste; em outras, como em Alagoas, essa taxa eleva-se para mais de 65 por mil (IBGE - Indicadores Sociais 2000).

Miséria individual e desigualdade regional são questões fortemente entrelaçadas. Em casos extremos, a lógica do mercado simplesmente conclui pela inviabilidade de qualquer esforço de transformação. Com relação ao Nordeste, estudos oriundos de instituições financeiras chegam a considerar não só inevitável, como desejável, a emigração das pessoas mais jovens e aptas da região.

Rejeitamos frontalmente o darwinismo social que essa postura encerra, corolário que é do ultraliberalismo econômico. Para o PSB, todo o espectro de políticas públicas - sejam sociais, de infra-estrutura, de conhecimento, de produção, de reforma institucional, e com maior razão a política econômica em todos os seus aspectos - tem que estar animado do sentido dinâmico de transformação, visando à integração social e regional e à expansão e ao fortalecimento de nosso mercado interno.

Invertendo em menos de quatro décadas o desenho da distribuição populacional brasileira, o último censo demográfico nos dá conta de que menos de 18,8% (IBGE - Sinopse Preliminar - Censo 2000) dos brasileiros residem hoje no campo, cuja população economicamente ativa está reduzida a pouco mais de 16 milhões de trabalhadores, igual a 20% do total da PEA brasileira, que é de 79 milhões (IBGE - Indicadores Sociais 2000). Cerca de 29% da PEA rural (IBGE - Indicadores Sociais 2000) são constituídos de analfabetos, considerando-se que aí os alfabetizados em sua imensa maioria têm menos de quatro anos de escolaridade. Dos analfabetos brasileiros, 25 milhões, que correspondem a 80% do total, encontram-se na faixa etária de 15 a 30 anos de idade, ou seja, em plena idade produtiva. É assim que o modelo concentrador compromete o futuro do País.

O Brasil de hoje é um país urbano. Cerca de 80% da população vivem em cidades (IBGE - Sinopse Preliminar - Censo 2000) e as nove grandes metrópoles concentram quase 30% dos brasileiros (IBGE - PNAD 1999). A população que migrou para as cidades veio de áreas rurais (onde se mantinha, principalmente, graças à agricultura familiar) e carece, nas cidades, de renda monetária para atender a suas necessidades alimentares. Como a economia não cresce suficientemente, aumentam o desemprego e o subemprego, ao tempo em que a fome e a violência surgem como mazelas crônicas nos centros urbanos. A infra-estrutura das regiões metropolitanas, sobrecarregada por esse acréscimo de população, e debilitada pela falta de investimentos públicos, degrada-se de forma dramática. As condições de transporte e de moradia de milhões de brasileiros tornam-se desumanas.

Ao mesmo tempo, as megacidades se vêem mais e mais pressionadas pelo afluxo de migrantes em situação social vulnerável (desempregados, analfabetos), em momento de recessão econômica. Esse é um dos componentes do quadro da chamada violência nas grandes cidades.

Os socialistas não vêem a realidade social a partir de uma visão maniqueísta - pobres violentos, ricos pacíficos; procuramos as causas desse ou daquele comportamento humano no quadro das relações sociais. Na elaboração de políticas para a redução dos índices de atos antijurídicos, antes que inundar as cidades de força policial --sonho e palavra de ordem de muitos candidatos--, cumpre acabar com as causas sociais da violência.

O vertiginoso aumento da população urbana, registrado nas décadas de 60, 70 e 80, sobretudo, não resultou apenas da atração da população do campo pela vida na cidade, mas, também, de um desenvolvimento que privilegiou a grande propriedade rural e manteve praticamente intacta a estrutura agrária brasileira. No Brasil, apenas 1% dos proprietários rurais detêm 44% das terras, enquanto, na outra ponta, 53% dos proprietários detêm menos de 3% da área agricultável (IBGE).

Essa expressiva migração populacional, a ausência de planejamento e controle adequados do uso e ocupação do solo urbano e o crescimento econômico desordenado, provocaram forte e negativo impacto no meio ambiente. Cresce, em conseqüência, o passivo ambiental brasileiro. Vultosos investimentos, públicos e privados, são hoje necessários para preservar e recuperar corpos hídricos, florestas, matas ciliares, espécies animais e vegetais raras e, até mesmo, o ar que se respira. No campo, a omissão do poder público permite que prosperem práticas agrícolas predatórias que comprometem a fertilidade dos solos, a saúde de trabalhadores rurais e de consumidores, a qualidade de rios e mananciais e a existência de reservas florestais. Há, portanto, um longo caminho a percorrer na implantação de um modelo de desenvolvimento que privilegie as práticas sustentáveis, capaz de conciliar crescimento econômico e preservação do meio-ambiente.

A gravidade da questão social manifesta-se de forma mais preocupante e aguda nos campos da educação e da saúde, onde os índices de carência social afetam diretamente as perspectivas futuras de milhões de brasileiros jovens. A escolaridade da população brasileira é muito baixa comparada com os padrões internacionais: de apenas 5,6 anos (IBGE - Indicadores Sociais 1999), em média, contra mais de 7 anos, em países como Argentina, Uruguai, Austrália e de 12 anos nos chamados "Tigres asiáticos". Nosso desempenho nesse campo é inferior até mesmo ao de países como a Bolívia (5,6), Colômbia (5,3) e Paraguai (6,2), nações que dispõem de muito menos recursos do que nós para promover a educação de seu povo. E embora tenha crescido o índice de freqüência escolar na população infantil, em função do processo de urbanização ocorrido nas últimas décadas, a qualidade do ensino público no Brasil vem se degradando e continuam altos os percentuais de repetência e evasão escolar.

Há 30 anos, o ensino superior era basicamente de responsabilidade do poder publico, com mais de 70% dos alunos matriculados em universidades mantidas pelos governos. Hoje a relação é inversa: 37,5% dos alunos estão na rede pública (MEC - Censo Escolar 1998) e os demais cursam faculdades particulares, com a distorção paradoxal de que no Brasil são principalmente os mais ricos (ou seja, os que podem freqüentar os melhores cursos de preparação) que vão para a universidade pública. Mais preocupante, contudo, do que a incapacidade do Estado de atender à demanda crescente por ensino superior, é a má qualidade do ensino privado, em expansão, e o sucateamento deliberado a que vem sendo submetido o ensino superior público. Diante de tudo isso, fica claro por que o Governo Federal destina menos de 5% do PIB à educação (dados UNESCO - 1995).

Na área da saúde o quadro é igualmente grave. Doenças tidas como extintas voltam a se manifestar de forma endêmica e registram, por vezes, surtos epidêmicos. O investimento público em saúde e saneamento, considerando-se o tamanho de nossa população, é extremamente baixo. Nada menos de 40 milhões de brasileiros não têm acesso a água potável (IBGE - Sinopse Preliminar - Censo 2000). O resultado é uma expectativa de vida de apenas 68 anos, uma das mais baixas da América Latina (inferior à de países como Chile, Argentina e Uruguai).

Não existe democracia num Estado em que não há Justiça. Não há Justiça se o Judiciário é instrumento da luta de classes em defesa da propriedade; se o direito é tão-só uma prerrogativa do capital. Não há democracia num Estado em que o pobre não tem acesso à justiça e o homem do povo não tem seus direitos protegidos. Em que a Justiça não se pratica porque as demandas não têm fim, alimentando a sensação de impunidade. Nós, socialistas, temos plena consciência de que o Brasil de hoje, também nesse aspecto, exige mudanças profundas.

Tudo isso é inexplicável e inaceitável numa nação que não é pobre. Ao contrário. Somos País dotado de território imenso, com mais de 8 milhões de km2, valorizado pela existência de um subsolo rico em minerais estratégicos como petróleo, manganês, ouro, bauxita, ferro, que abriga a maior biodiversidade da Terra, representada pela Região Amazônica, a Mata Atlântica, o Pantanal Mato-grossense e os Cerrados, recortado por uma costa atlântica de milhares de km de extensão, detentor de vastas áreas agricultáveis e de boa parte das reservas de água do planeta. O Brasil é, também, e a um só tempo, um dos raros países em desenvolvimento que conseguiu construir uma base industrial ampla e diversificada e constituir-se em grande produtor de alimentos exportáveis, graças ao fato de haver desenvolvido uma agropecuária tropical de alta produtividade e eficiência.

O trabalho e a criatividade dos brasileiros resultaram, no passado, em altas taxas de crescimento econômico. A partir de 1980, contudo, a taxa anual média de crescimento da economia caiu para apenas 2,2%. Esse ritmo de crescimento é incapaz de criar os empregos necessários para os jovens que entram no mercado de trabalho, ou de absorver o desemprego e o subemprego acumulados ao longo dos últimos vinte anos. Gerações de desempregados juntam-se a gerações de desempregados. O aumento de renda per capita que essa taxa de crescimento gera é de tal forma insignificante que impossibilita a melhoria do bem-estar da população mais pobre e desestimula qualquer esperança de recuperação do atraso em relação a outros países no que toca à qualidade de vida (dados do PNUD colocam o Brasil na 69ª posição no ranking mundial do IDH). Por fim, impede o rápido crescimento da poupança interna, condição indispensável para a elevação do nível de investimento e, portanto, para a retomada de um processo de crescimento sustentado e acelerado.

Além da baixa taxa de crescimento do PIB, o modelo de desenvolvimento neoliberal adotado contribuiu fortemente para reduzir as oportunidades de emprego na economia. No campo, a concentração da propriedade e a política de crédito desestabilizaram a agricultura familiar e aceleraram o processo de substituição da mão-de-obra por máquinas. Nas cidades, a abertura desordenada da economia, associada à sobrevalorização do Real, e a falta de incentivo às micro, pequenas e médias empresas, fez aumentar a concentração econômica e a conseqüente perda de milhões de postos de trabalho. Ajunte-se a isso a perversa noção de que "emprego há"; o desempregado é que não tem "condições de "empregabilidade".

O Brasil de hoje desaprendeu os caminhos do crescimento econômico. A herança de vinte anos de neoliberalismo exacerbado é o principal desafio a ser enfrentado por um governo que queira mudar o modelo econômico vigente e reorientar os rumos da sociedade brasileira para o caminho da prosperidade e da justiça social. Os quase oito anos de governo FHC, por sua vez, contribuíram para agravar substancialmente os problemas estruturais da economia brasileira e deixam o País a braços com uma crise econômica que poderá ter graves conseqüências. Nesse período, aumentou a vulnerabilidade externa de nossa economia, cresceu o desequilíbrio interno das finanças públicas, provocou-se a estagnação econômica e, como resultado, voltam a se fazer presentes pressões inflacionárias.

Maior vulnerabilidade externa:

Cresceu substancialmente, nos anos de governo do PSDB e de seus aliados, a vulnerabilidade externa da economia brasileira. O elevado déficit em transações correntes (diferença entre as receitas e as despesas correntes em moeda estrangeira) multiplicou-se por mais de 50 vezes, chegando a alcançar, em 1997, cerca de US$ 30 bilhões, valor recorde na história de nosso País. Atualmente, esse déficit encontra-se em torno de US$ 20 bilhões, que, somados ao valor de US$ 25 bilhões correspondente à amortização da dívida, configura uma necessidade a cada ano de obtenção de recursos externos, empréstimos ou investimentos diretos, de US$ 45 bilhões. Isso representa, aproximadamente, 10% do PIB brasileiro à taxa de câmbio corrente. Como resultado do aumento do déficit em transações correntes, deteriorou-se a relação reservas cambiais/dívida externa, tornando a economia brasileira perigosamente vulnerável a choques externos. Esse agravamento da situação externa não deriva, como gosta de apregoar o governo, dos azares da sorte, representados pelo impacto das crises internacionais em nossa economia, mas é fruto, sobretudo, da política cambial equivocada de sobrevalorização do real, adotada entre 1994 e 1998. Essa vulnerabilidade externa causa forte instabilidade cambial, o que, por sua vez, vem contribuindo para o ressurgimento de pressões inflacionárias. O novo governo terá de empenhar-se na obtenção de superavit comercial significativo, dependente do rápido crescimento de nossas exportações, de uma política seletiva de importações, revisão de barreiras alfandegárias e não tarifárias, reforma do sistema tributário - tributando a renda e o consumo e desonerando a produção- e uma política de juros competitivos.

Maior desequilíbrio interno das finanças públicas:

Além de provocar o ressurgimento de pressões inflacionárias, em razão do impacto que tem sobre o preço de matérias-primas, componentes e produtos finais importados, a vulnerabilidade externa resulta em agravamento do desequilíbrio interno das finanças públicas através de dois mecanismos: a alta da taxa básica de juros e a indexação cambial de parcela dos títulos de dívida pública.

Para enfrentar os ataques especulativos contra a moeda nacional e atrair capitais externos, o governo vem mantendo a taxa básica de juros doméstica - aquela que remunera os títulos públicos - em níveis extremamente altos. Em momentos mais críticos, ela chegou a alcançar o patamar de 45% em termos reais. O efeito de taxas de juros desse nível sobre a dívida pública foi desastroso, fazendo com que ela crescesse como bola de neve, tendo terminado o ano de 2001 em R$ 661 bilhões, ou 53% do PIB. Além do crescimento explosivo do estoque da dívida, houve aumento substancial dos encargos sobre ela incidentes. Em 2001, o Orçamento Geral da União destinou perto de R$ 52,8 bilhões ao pagamento de Juros e Encargos da Dívida e outros R$ 54,6 bilhões à sua Amortização e Refinanciamento. Somados, esses valores alcançam o montante de R$ 107,4 bilhões, para uma Receita Total de R$ 393,7 bilhões. No período 1995-2001, as despesas com juros e encargos saltaram de 13,22% da Receita Corrente da União para 18,24%.

Ao mesmo tempo, após a adoção do câmbio flexível (que, diga-se de passagem, salvou o Brasil, temporariamente, de uma crise semelhante à da Argentina), e a instabilidade cambial daí decorrente, o governo foi levado a oferecer "seguro" (hedging) cambial para empresas e instituições financeiras na forma de títulos públicos com correção cambial. Atualmente, 1/3 da dívida pública já é indexado em dólar. A forte valorização do dólar, verificada em 2001, contribuiu, também, para aumentar consideravelmente o estoque da dívida pública que, hoje, já alcança valor mais de 10 vezes superior ao de 1994. Como conseqüência, a relação dívida pública/PIB já atingiu 53%.

Estagnação Econômica:

A sobrevalorização cambial do período 1994-1998, a adoção persistente de taxas básicas de juros elevadas e a falta de políticas de apoio à produção fizeram com que a economia, nos anos de domínio do tucanato, permanecesse praticamente estagnada, crescendo apenas 2,3% ao ano, em média, o que significa 0,8% na renda per capita. Em 2001 a taxa de crescimento da economia foi ainda inferior, da ordem de apenas 1,5%. Não se diga que este é o preço necessário do combate à inflação: nesse mesmo período o Chile e o México cresceram o dobro, com índices inflacionários inferiores aos nossos.

A sobrevalorização cambial inibiu as exportações e estimulou as importações, enfraquecendo as empresas brasileiras diante da concorrência internacional. Associada à abertura indiscriminada da economia, a valorização excessiva do real provocou resultados desastrosos em vários setores econômicos importantes, contribuindo para agravar o desemprego e para lançar a economia num processo recessivo.

Por sua vez, as taxas básicas de juros elevadas, utilizadas para atrair capitais externos e manter o câmbio artificial, encareceram o crédito para as empresas e para os consumidores, ajudando a agravar a recessão econômica.

Estudo recente da FGV-SP indica que os juros altos elevam os preços da indústria (com os óbvios reflexos nos preços ao consumidor) em até 10,34%, em média, penalizando principalmente a indústria nacional (que não pode captar empréstimos no exterior, a juros menores, em média 15% ao ano) e principalmente as pequenas e médias empresas, escorchadas com taxas de capital de giro que sobem a 45%. Assim, as elevadas taxas de juros, que pretendem combater a inflação, terminam resultando em mais inflação.

E, finalmente, a visão econômica neoliberal do governo impediu que fossem adotadas políticas públicas de incentivo à empresa nacional e procurou justificar, ideologicamente, a inaceitável utilização do crédito público para financiar processos de privatização (sobretudo a aquisição de ativos brasileiros por empresas estrangeiras a preços vis), ao invés da produção nacional. Esse enfraquecimento da empresa brasileira só fez aprofundar a dependência de nossa economia em relação às economias de outras nações e agravar o processo de perda da soberania nacional.

Retorno de pressões inflacionárias:

Como resultado de todos esses desequilíbrios acumulados - instabilidade cambial, taxas de juros elevadas e desequilíbrio crescente das finanças públicas - percebeu-se, ao longo de 2001, um lento retornar de pressões inflacionárias. Essas pressões inflacionárias só não foram maiores em razão da recessão da economia e da queda de poder aquisitivo dos salários. Ainda assim, a inflação superou a meta negociada com o FMI, alcançando 7,3%. Em resumo, a herança econômica de quase 20 anos de prevalência das doutrinas econômicas neoliberais, e de quase oito anos de governo FHC, é grave e preocupante e se reflete em vulnerabilidade externa, desequilíbrio interno crescente, estagnação econômica e pressão inflacionária montante. Corrigir esses desequilíbrios estruturais e recolocar a economia nos trilhos do desenvolvimento econômico sustentado é um dos principais desafios que terá que ser enfrentado pelo nosso governo. Acreditamos que o Brasil tem todas as condições de voltar a crescer rapidamente e de se transformar, em duas décadas, numa das grandes potências econômicas do mundo. Temos recursos naturais, talento empresarial, mercado interno, mão-de-obra com grande potencial de aprendizagem e adaptação e possibilidade de expandir rapidamente nossa qualificação científica e tecnológica. É necessário, contudo, alterar profundamente a política econômica, fazendo-a obedecer aos interesses do desenvolvimento nacional e não mais aos ditames do sistema financeiro internacional e a formulações teóricas que já se revelaram perniciosas aqui e alhures.

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