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Anteprojeto - O Estado democrático - Parte II

A Política de Defesa

A política de defesa do governo do PSB terá como ponto de partida a reconstrução e a reintrodução, na vida política brasileira, do conceito de interesse nacional. Conceitos que organizam e orientam a trajetória dos Estados não se perdem por acaso, e nem são esquecidos porque por acaso tornaram-se obsoletos. Eles saem de cena, ainda que temporariamente, pela intencionalidade dos grupos dirigentes, que preferem, como em nosso caso, o discurso da falsa modernidade brasileira, cujo significado concreto traduz-se na submissão à globalização imposta de fora para dentro. Vivemos na ilusão, apresentada por mais de dez anos, de que interesse nacional e globalização são incompatíveis, com a prevalência da última. E no meio disto tudo, onde ficou a questão do interesse nacional, como conceito e como prática política que dele decorre?

A falsidade do discurso oficial é, hoje, mais que evidente. O projeto representado por Fernando Henrique e pelo núcleo de controle do PSDB, em aliança - em alguns casos ideológica, e em outros puramente pragmática - com o PFL e com setores majoritários do PMDB, visivelmente não deu certo. As razões do fracasso são várias, mas uma delas aparece de maneira gritante. Houve uma quase total dissociação entre as políticas levadas a cabo pelo atual governo e o real interesse nacional brasileiro.

Os protestos e as representações brasileiras à OMC, contra o Canadá, no conflito de interesses que opõe a Embraer à canadense Bombardier, e agora, a forma titubeante com que se coloca diante dos Estados Unidos, no caso da sobretaxação do aço brasileiro e dos subsídios norte-americanos à produção agrícola, ilustram fartamente a visão que este governo tem do interesse nacional. A ida à OMC é o mínimo que o governo podia fazer. Infelizmente, faltou o resto. E no resto faltou um dos elementos essenciais de qualquer definição de interesse nacional, ou seja, uma política de defesa que partisse das reais necessidades brasileiras, que as adequasse às possibilidades do país, e que ganhasse o apoio tanto da opinião pública quanto das Forças Armadas. O que foi feito no governo de Fernando Henrique neste terreno? Praticamente nada. A omissão e o descaso não são suficientes para explicar este comportamento. Existe aí, também, uma lógica de submissão que bloqueou a ação governamental neste terreno, como em muitos outros.

1. Durante a década de 80 registraram-se mudanças extremamente significativas na política norte-americana frente à América Latina. Em primeiro lugar, fixaram-se os parâmetros do chamado Consenso de Washington (1987), que acentuou a uniformização das políticas macro-econômicas dos países latino-americanos a partir dos pressupostos neoliberais, modelo, aliás, que chegara ao nosso Continente nos anos 70, com a ditadura militar chilena. Em segundo lugar, o gradual desaparecimento do perigo representado pela União Soviética, permitiu que o governo de Washington prescindisse dos regimes militares em nosso continente, base de operações na luta contra a subversão interna. A percepção diplomática e estratégica dos Estados Unidos deslocou-se, então, para um ponto cujas conseqüências para a América Latina são, incontestavelmente, nefastas e perigosas e que pode ser apresentado, sinteticamente, da seguinte maneira:

a) as Forças Armadas latino-americanas tinham cumprido o seu papel na luta contra o inimigo comum;
b) na medida em que decresceu a ameaça global, decresce, correspondentemente, a necessidade de Forças Armadas convencionais nos diferentes países da região, pois
c) os Estados Unidos poderiam encarregar-se da defesa do hemisfério em seus diferentes níveis.

Tratava-se, em suma, de oferecer uma resposta à pergunta formulada pelo próprio governo americano: para que a América Latina quer ou necessita manter Forças Armadas nacionais? Não podendo dizer que elas não serviam para nada, permaneceu no ar, entretanto, uma meia-resposta: elas não servem para muita coisa. Mas as conseqüências deste raciocínio foram quase que imediatas. Tratava-se, em última análise, de efetuar reduções no tamanho do aparelho militar, assim como de reduzir sua capacidade operacional e de bloquear seu desenvolvimento tecnológico autônomo. A assimilação do argumento norte-americano foi facilitada pela situação crítica que então viviam nossos países, em função da dívida externa, limitadora da capacidade de investimento dos diferentes governos. Caiu na moda dizer que, se o(s) governo(s) não tinha(m) dinheiro para investir em outras áreas, consideradas mais importantes, era melhor começar economizando nos gastos militares que, afinal de contas, eram praticamente inúteis.

2. Que os Estados Unidos tenham assumido esta posição, não deve impressionar ninguém. É uma decorrência lógica da sua condição de centro hegemônico mundial e, conseqüentemente, regional. Há que se repetir o óbvio: a política norte-americana responde aos interesses norte-americanos. O que é estranho, entretanto, é que diferentes governos da região tenham se deixado seduzir por raciocínios tão incongruentes. Sem ousar levar às últimas conseqüências as sugestões de Washington, esses governos - inclusive o brasileiro - optaram pelo segundo caminho, que implicou, em termos práticos, na asfixia das Forças Armadas em seus diferentes níveis operacionais. O resultado é este que estamos vendo: uma gradual deterioração do aparelho militar, dificultando sobremaneira o desempenho de suas diferentes missões.

Para o PSB, a questão da defesa assume relevância que não pode ser subestimada e nem se prestar a manipulações orçamentárias. Em nossa concepção, a defesa, como política de Estado, é uma das expressões práticas da soberania nacional. Por isso mesmo, deve merecer a atenção de todos os brasileiros. Na fixação dos pontos que consideramos centrais para uma correta política de defesa, operamos com os seguintes pressupostos:

· Sem uma interlocução permanente com as Forças Armadas, sem a concordância dos diferentes segmentos que compõem o aparelho militar, não há política de defesa possível. Nada obstante tratar-se de questão altamente especializada, e que supõe o domínio de um quadro complexo de dados e informações técnicas, a política de defesa, seu planejamento e suas propostas serão transformadas em ações governamentais, depois de discutidas na plano institucional militar e com aqueles segmentos da sociedade mais diretamente interessados, o que envolve a participação do Congresso e dos partidos políticos;
· Diante das tendências ocorridas a partir dos anos 80, que colocam em dúvida a necessidade e a utilidade do aparelho militar como instituição nacional, a posição do PSB é clara e coerente. As Forças Armadas são instrumento vital para o exercício de nossa soberania e para qualquer projeto nacional de desenvolvimento;
· Mas o PSB entende também que a questão da defesa, justamente por ser nacional, não deve ficar restrita ao âmbito exclusivamente militar.


A interação entre a sociedade civil, a representação política e a instituição militar é considerada por nós como o ponto de partida para que a defesa nacional seja equacionada de modo a trazer benefícios ao país. Como as coisas estão hoje, não podem continuar. No que se refere à política externa e à defesa, o Legislativo não cumpre adequadamente o seu papel. Ou não há discussão ou, se ela ocorre, é insuficiente e sem densidade. O Congresso não exercita a função de mediação, ou seja, de receber as demandas da corporação militar e de debate-las, tanto com as Forças Armadas quanto com diferentes instâncias do Executivo. A troca de opiniões se dá dentro do próprio Executivo e a sensação é que a comunicação é difícil, bloqueada. Defesa nacional não é assunto proibido. Alargar o debate não é partidarizá-lo, situação à qual nos opomos. Significa tão somente ouvir opiniões de diferentes áreas e fazer com que circulem pelas correias normais de transmissão, os problemas referentes à defesa, pois, para nós, defesa e nação constituem uma totalidade indissociável.

5. A partir destes pressupostos, a política de defesa proposta pelo PSB deverá se encaminhar em torno dos seguintes pontos e objetivos:

No Brasil, é grave a vulnerabilidade das fronteiras. Somos um país continental, de fronteiras extensas e despovoadas. A questão fronteiriça terá que ser enfrentada por medias de natureza tanto policial como militar. Isto não significa, de modo algum, atribuir funções policiais às Forças Armadas, pois somos radicalmente contrários a esta duplicidade de funções. O que queremos é que, através de uma alocação racional de recursos humanos e de equipamentos, as fronteiras marítimas, aéreas e terrestres brasileiras estejam efetivamente controladas e guarnecidas.

Esta questão é tanto mais premente na medida em que a maior parte da Amazônia, entendida como ecossistema, encontra-se em território brasileiro; e os rumores sobre a internacionalização da Amazônia, calcados na idéia da Amazônia como a grande reserva da Humanidade, podem arrefecer de tempos em tempos, mas estão sempre presentes. Controle efetivo das fronteiras significa, também, a ocupação e a fixação do poder de Estado em áreas onde este poder é precário, revelando um fenômeno de descontinuidade da autoridade do Estado brasileiro ao longo do território nacional. Desse ponto de vista, o papel das Forças Armadas na vigilância estratégica das áreas fronteiriças é imprescindível e todos os meios necessários ao cumprimento desta tarefa serão postos à sua disposição.

Uma política voltada para o controle das fronteiras e dos grandes espaços nos quais a ocupação é predatória e freqüentemente apoiada em práticas criminosas, supõe a imediata reativação do Projeto Calha Norte, que previa uma série de ações integradas das três forças e o estabelecimento de uma linha contínua de bases através das quais estas ações seriam desenvolvidas. O que ocorreu, a partir da segunda metade dos anos oitenta e durante os anos noventa, e que resultou no arquivamento desse Projeto, é inexplicável, não estivesse já a população brasileira habituada a testemunhar o descaso com que os problemas nacionais são tratados por sucessivos governos. A questão da presença militar brasileira na Amazônia atende, portanto, a uma multiplicidade de objetivos. Ocupar território significa, antes de mais nada, garantir a presença e a autoridade do Estado. Mas significa, também, coibir o processo que está ocorrendo em diferentes áreas território amazônico implicando em pilhagem sistemática de riquezas, pela ação descontrolada de grupos nacionais e estrangeiros.

Não param aí, entretanto, nossas preocupações no que se refere à defesa da Amazônia. Estamos presenciando um conflito de graves proporções na Colômbia, país vizinho que tem com o Brasil uma fronteira de 1.644 km, dos quais 809 são rios e canais. Este conflito, que já dura há mais de sessenta anos, durante os quais os níveis de intensidade foram variados, vem se aprofundando nos últimos anos. A possibilidade da internacionalização da crise colombiana não pode ser descartada, principalmente depois que os Estados Unidos, ainda sob o governo Clinton, lançaram o Plano Colômbia, que em vez de buscar uma saída pacífica e negociada para o conflito, empurram-no na direção de seu aprofundamento. Nesta medida, estamos sujeitos a deslocamentos de populações civis que busquem refúgio em países fronteiriços, no caso o Brasil, e a movimentos de grupos guerrilheiros buscando santuário, o que colocaria o conflito em território nacional.

De outra parte há notórias pressões visando a transformar em fonte de tensão internacional, por não fundamentadas acusações de presença de atividades terroristas, a área da chamada "tríplice fronteira", que engloba o Brasil, a Argentina e o Paraguai. Registre-se, ademais, a instabilidade institucional venezuelana, a quase conflagração político-social argentina e a crise econômica peruana. Essas crises alimentam deslocamentos populacionais fronteiriços em ambos os sentidos, generalizando a degradação das condições sociais em todos os países.

Mas a questão da segurança e do controle das fronteiras não se coloca unicamente na faixa terrestre. Temos um litoral imenso, desguarnecido e nosso espaço aéreo é freqüentemente violado, dado não só o grande número de campos de pouso clandestinos que existem em nosso território, principalmente nas áreas mais desocupadas, mas, igualmente, em face da obsolescência de nossos equipamentos. Se o primeiro objetivo de uma política de defesa é o controle pleno do território nacional, incluindo aí os espaços aéreo e marítimo, é evidente que esta situação não pode permanecer como se encontra hoje. A Marinha e a Força Aérea têm, ambas, papel cuja importância não pode ser subestimada. Consideremos, ainda, que dada a extensão das bacias hidrográficas brasileiras, com numerosos rios próximos às zonas fronteiriças, ou servindo como pontos demarcatórios dessas mesmas fronteiras, nenhuma política coerente neste terreno poderá ser implementada sem a ação integrada das três Forças, apoiada em equipamentos terrestres, navais e aéreos modernos e adequados ao desempenho dessa missão.

A questão fronteiriça, igualmente, recomenda a aceleração do projeto Calha Norte e de outras iniciativas nas demais áreas de fronteira. É compromisso do governo do PSB dar a máxima prioridade à questão fronteiriça no Brasil, tanto pelos riscos que ela encerra de fragmentação territorial, como de diluição da autoridade política do Estado brasileiro.

Nossas forças navais e aéreas serão re-equipadas de sorte a poderem exercer com a eficiência exigida o patrulhamento de nossa extensa e rica costa litorânea, principalmente na faixa que corresponde ao nosso mar-territorial de 200 milhas.

Não se pode pensar em política de defesa sem colocar no ponto de partida, o reaparelhamento e a renovação de equipamentos das diferentes forças, que foram durante anos objeto de um criminoso sucateamento. Equipamentos que vêm sendo utilizados há décadas, sem renovação, estão hoje desgastados e obsoletos. Enquanto a tecnologia militar avança, nossas Forças Armadas foram submetidas a um processo de precarização dos recursos necessários ao efetivo cumprimento de suas funções constitucionais. É ponto prioritário, dentro da percepção que temos da defesa nacional, reequilibrar as necessidades de pessoal e de equipamento, de tal modo que tenhamos um dispositivo militar de terra, mar e ar dotado de equipamentos modernos e de elevado grau de eficácia. O Brasil não precisa de Forças Armadas superdimensionadas, pois os propósitos do país são pacíficos e não agressivos. Os socialistas não pretendem estabelecer parâmetros de superioridade militar em termos regionais, ou provocar corridas armamentistas na América do Sul. Os problemas sociais que enfrentamos em nossos países são graves demais para que nos desviemos deles. Além disso, o PSB coloca a questão da paz como o ponto central de sua política externa.

Isto não significa, entretanto, que o governo do PSB pretenda manter o rumo que vem sendo seguido no terreno da defesa, e assista de braços cruzados ao aumento do despreparo causado, não pela falta de dedicação ou de capacidade pessoal e organizacional dos quadros militares, mas pela ausência de recursos e pela obsolescência dos equipamentos. O Brasil gasta relativamente pouco no seu sistema de defesa, ou seja, 1,8% do PIB, o que corresponde, aproximadamente, à metade do que despendem as grandes potências militares. É preciso verificar, dentro dos limites orçamentários, o que pode ser feito em termos de modernização e de substituição de equipamentos. Da mesma forma, o diálogo permanente com as chefias das diferentes forças, destinado a identificar os pontos de estrangulamento e as necessidades mais prementes, é o caminho indicado para a superação gradual das dificuldades. Não há planejamento estratégico dotado de razoável grau de eficiência, sem a necessária correspondência de recursos orçamentários.

O esforço de modernização que o PSB pretende desenvolver no campo da defesa passa também pelos centros de formação de oficiais e de quadros técnicos de auxiliares e especialistas. Queremos academias militares que sejam centros de excelência, capazes de transmitir o que de mais moderno existe no terreno da preparação dos futuros quadros dirigentes das Forças Armadas. Recursos orçamentários serão alocados para esta finalidade, dentro de um projeto global a ser definido pelos comandos militares e discutido com o Congresso. Partimos, nesse ponto, do pressuposto de que os gastos com a defesa devem ter, como um dos critérios básicos para seu dimensionamento, o valor das riquezas a serem preservadas. E o valor de nossas riquezas é, reconhecidamente, grande. De um segundo ponto de vista, a questão da defesa é, principalmente, uma questão de vontade política, que deve ser exercida continuamente. Qualquer interrupção no exercício desta vontade terá como resultado a situação com que nos defrontamos hoje. E o PSB tem a certeza de que nosso governo refletirá, de modo permanente, o exercício desta vontade.

Todo o projeto de defesa do PSB para o Brasil será, entretanto, alicerçado em um ponto que consideramos crucial, que é a obtenção da autonomia estratégica e tecnológica. Sem que este objetivo seja atingido, continuaremos dependentes da boa-vontade das grandes potências militares, que utilizam e manipulam sua superioridade neste terreno, de acordo com seus objetivos político-estratégicos, vendendo o que acham conveniente, quando lhes parece conveniente, de modo a manter e a reforçar seus instrumentos de dominação de que resulta o aumento de nossa dependência tecnológica e operacional, com evidentes limitações para a defesa de nossa soberania. Este é o quadro que vamos reverter em nosso governo, rompendo com a lógica de submissão e dependência que tem caracterizado os últimos governos.

Reaparelhar as Forças Armadas não significa, portanto, chegar no mercado internacional de armamentos, qualquer que seja o nível de sofisticação tecnológica destes equipamentos, única e exclusivamente como comprador. O Brasil pode transformar-se em produtor de armamentos de alto valor agregado, levando-se em conta, obviamente, a relação custo-benefício inserida em cada tipo de equipamento. Em algumas situações, dependendo de avaliações realistas que serão feitas caso a caso, podemos comprar. Mas o que é essencial, é que tenhamos a capacidade de produzir os armamentos convencionais, que na atualidade comandam a guerra moderna. Dentro desta visão, consideramos que a questão central da política de defesa é a ruptura da dependência tecnológica, no maior número possível de casos.

Alcançar este objetivo não é tarefa superior a nossas forças. O Brasil tem capacidade científica e tecnológica acumulada que possibilita à nossa indústria de armamentos ser eficiente e plenamente capaz de responder às necessidades de uma defesa nacional soberana. Mais uma vez, isto requer vontade política, até agora inexistente. Vários níveis de problemas têm sido confundidos e tratados de forma equivocada, levando à situação de total paralisia em que nos encontramos há muitos anos. O que podemos produzir internamente é comprado fora. E o que é comprado fora, chega sem os componentes tecnológicos adequados, o que reduz consideravelmente a eficácia dos equipamentos adquiridos no exterior; de outra parte, muitos equipamentos nos são vendidos com limitações operacionais, inaceitáveis por um país realmente soberano. Hoje, quando até mesmo vozes governamentais subitamente se lembram da necessidade de readotar políticas de substituição de importações, é necessário considerar que essas políticas também podem ser aplicadas ao terreno da defesa.

O que se pretende, portanto, é desenvolver um projeto de reaparelhamento militar em três planos diferenciados. É preciso, em primeiro lugar, avaliar nossas necessidades de equipamentos, imediatas e a médio prazo, e estabelecer o que pode ser produzido internamente, a partir de nossa capacidade industrial instalada e de nosso potencial científico e tecnológico. Em segundo lugar, é necessário examinar os tipos de equipamentos considerados importantes que podem ser produzidos internamente, mas cuja necessidade de produção não é considerada imediata. Sempre que a necessidade for considerada pequena, em volume de equipamentos ou em valor agregado total, mas a sofisticação tecnológica exigir um alto investimento interno para ser alcançada, a alternativa será comprar no exterior.

Sintetizando, trata-se de produzir internamente, de garantir a capacidade tecnológica de produção, de adquirir fora, quando necessário, nas melhores condições possíveis, ou de estabelecer parcerias. Consideramos que, neste terreno, devemos adotar uma postura flexível, sem que percamos o objetivo já proposto, que é a obtenção da autonomia tecnológica e produtiva.

Como chegar a este objetivo? É preciso, antes de mais nada, acabar com a separação atual, entre indústria civil e militar, e estimular os nexos e vinculações que devem necessariamente existir entre os dois campos. Em um sistema industrial moderno, a integração da produção para consumo civil e militar é, em muitos casos, automática e sem solução de continuidade. O que é necessário é que sejam claramente identificadas as unidades industriais capazes de efetuar este deslocamento confrontadas com as necessidades de equipamentos apresentadas pelas Forças Armadas. Será possível, desta maneira, obter ganhos de escala na produção de determinados bens, sem que haja necessidade de efetuar investimentos vultuosos para a implantação de uma infraestrutura que, freqüentemente, já existe. Isto não impede que, em alguns casos, investimentos devam ser realizados, com vistas à produção de equipamentos específicos, que a infraestrutura da indústria civil, tal qual ela existe hoje, não possa atender.

O governo do PSB criará, com a participação do empresariado industrial brasileiro, um comitê de trabalho com a finalidade específica de efetuar um mapeamento das indústrias que têm potencial de produção de equipamentos militares, de repassar a estas indústrias o quadro real das necessidades de defesa, de operar juntamente com estes segmentos na busca de linhas de crédito e financiamento, e de estabelecer as parcerias tecnológicas com o exterior. Esse comitê trabalhará em parceria com os grupos de mobilização industrial já existentes na CNI e em algumas federações estaduais. O PSB não pretende que as indústrias ligadas à defesa nacional sejam necessariamente de propriedade estatal, ou de participação majoritária do estado; consideramos o setor privado nacional perfeitamente apto para desempenhar este trabalho, excetuando-se os casos em que seja comprovada a necessidade estratégica, e não haja possibilidade ou interesse do capital privado na produção deste ou daquele tipo de equipamento. De qualquer modo, entendemos que uma política de produção nacional de equipamentos militares, além de responder ao imperativo da autonomia estratégica, está inserida num contexto mais geral de estímulo ao crescimento da indústria e de substituição de importações de bens industriais.

O outro ponto a ser devidamente equacionado refere-se à pesquisa científica e tecnológica para finalidades militares. A mesma lógica utilizada no terreno da indústria aplica-se também ao terreno da pesquisa. Centros de excelência comprovada, desenvolvendo linhas de pesquisa e projetos que, atualmente, só se destinam a fins civis, podem ser chamados a cooperar em projetos de interesse da defesa nacional, sem que seja necessário desviar-se de seus projetos originais ou, em outros casos, utilizando sua base de conhecimento já acumulada para pesquisas mais específicas. O Ministério da Defesa e o Ministério da Ciência e Tecnologia deverão estar particularmente atentos para incentivar todas as possibilidades que o potencial científico e tecnológico brasileiro, seja em centros de pesquisa públicos ou privados, oferece neste terreno. O papel das Forças Armadas no trabalho de pesquisa é, a nosso ver, da maior relevância. Os centros hoje existentes nas diferentes Forças, e que desenvolvem projetos de investigação serão apoiados pelas diversas instâncias governamentais em seu esforço seja parte relevante de uma política de defesa nacional baseada num grau crescente de autonomia estratégica no campo da tecnologia militar. É o caso do projeto de construção do submarino nuclear brasileiro, que receberá todo o apoio de nosso governo. Também não podemos admitir que se repitam fatos como o que ocorreu recentemente com a Avibrás. Pela completa ausência de apoio governamental, a pesquisa ali desenvolvida foi paralisada, e a base espacial de Alcântara, que poderia ser um elemento fundamental para o desenvolvimento de um programa espacial brasileiro, está sendo inexplicavelmente entregue aos Estados Unidos, com a aceitação, pelo governo brasileiro, de cláusulas que ferem nossa soberania e nossa dignidade, e contrariam o interesse nacional. Trabalharemos para que o Congresso Nacional não homologue esse Convênio, que é um verdadeiro ato de lesa-pátria.

Autonomia estratégica para o PSB significa desenvolvimento científico e tecnológico do país como um todo, pois defesa e nação constituem uma totalidade que consideramos indissociável.

Forças Armadas e democracia - A tarefa essencial das Forças Armadas no Brasil é a defesa da ordem democrática, do território e do povo brasileiro. Para tanto, elas devem estar plenamente modernizadas e aparelhadas, mas também convictas da missão constitucional que lhes é atribuída. Portanto, qualquer reflexão sobre os conceitos estratégicos que devem orientar sua ação, deve começar por este ponto. A ordem democrática brasileira, além de representar um valor em si mesma, existe para servir o povo, assim como o território continental do Brasil. Entendemos, portanto, que a função das Forças Armadas é de natureza defensiva, cabendo neste princípio a noção de que seu aparelhamento tem como objetivo a dissuasão contra diferentes tipos de agressão a que o país possa estar sujeito.

O princípio que rege as funções do aparelho militar brasileiro é perfeitamente coerente com o que o PSB defende na política externa, ou seja, a paz e a negociação como elementos norteadores das relações do Brasil com o mundo. Reequipar as Forças Armadas não significa ameaçar a soberania de outros países, que deverá ser sempre respeitada, como queremos que a nossa também o seja. Da mesma forma, o incentivo a uma política de produção nacional de armamentos não pode ser interpretada como uma tentativa de obtenção de uma superioridade brasileira no terreno militar em plano regional. Trata-se apenas de obter capacidade tecnológica em diferentes áreas, que em muitos casos não será diretamente utilizada em escala industrial. A política de defesa que propomos parte, igualmente, da convicção que temos de que democracia e soberania nacional são inseparáveis, e que quanto mais vigorosa e abrangente, no terreno social, for a institucionalidade democrática, mais fácil será sua manutenção e a defesa da soberania nacional, pois se as Forças Armadas são o instrumento especializado de que dispõe o Estado brasileiro para defender e manter sua soberania, em última análise, quem defende o país e suas instituições é o povo. Isto significa que, em nossa concepção, as Forças Armadas não são um corpo estranho e distanciado do sistema institucional, das quais o Estado lança mão em caso de necessidade, mas, ao contrário, uma instituição cuja plena integração e cujo diálogo permanente com os poderes da República só tendem a reforçar a própria democracia.

Reforma do Judiciário

A lei, no seu igualitarismo majestoso, proíbe, igualmente, ao pobre e ao rico, roubar pão, dormir sob as pontes e mendigar nos parques.

Anatole France

Não existe democracia num Estado em que não há Justiça. Não há justiça se o Judiciário é instrumento da luta de classes em defesa da propriedade; se o direito é tão-só uma prerrogativa do capital.

Não há democracia num Estado em que o pobre não tem acesso à Justiça e o homem do povo não tem seus direitos protegidos.

Não há democracia num País no qual o Estado não assegura a prestação jurisdicional; no qual as demandas se eternizam em benefício dos poderosos.

O problema do Judiciário é antes de tudo um problema político; seu caráter autoritário e excludente é reflexo do caráter autoritário e excludente da sociedade brasileira. Fixar-se no problema técnico, e ignorar o político, significa instrumentalizar o Judiciário, a serviço de um sistema de dominação conservador de uma justiça seletiva, que perpetua as desigualdades as mais iníquas. Essa instrumentalização do Judiciário corre paralela à instrumentalização do direito, que, reduzido à técnica jurídica, representa a transposição, para a prática estatal, das relações autocráticas vigentes no modo econômico de produção.

O Governo do PSB promoverá a democratização da Justiça, assegurando a proteção jurisdicional a que têm direito todos os brasileiros, garantindo o acesso de todos ao pleito judicial; num regime democrático o Judiciário deve voltar-se para as conquistas sociais, ou seja, para a melhoria das condições de vida do povo.

O PSB considera altamente positiva a experiência com os juizados especiais e a desenvolverá em seu Governo. O princípio será garantir a prestação jurisdicional na base, próxima do cidadão e em cima do fato. Neste sentido também estimulará a solução arbitral, princípio que precisa ser preservado, superando os vícios que, à falta de correta regulamenntação, estão caracterizando sua experiência.

É preciso também recriar e reativar a justiça de paz, conciliatória e para a habilitação e celebração de casamentos, com os juízes eleitos pelo povo, por prazo determinado, como, aliás, está previsto na Constituição.

Na democracia, o primeiro passo no acesso ao Judiciário é a proteção contra a injustiça, a promoção à condição de sujeito de direitos. Isso independe das definições dos códigos, mas de como, por exemplo, o pobre é recebido num guichê de repartição pública, ou ao tentar registrar uma ocorrência numa delegacia de polícia. Se a lei reconhece uma só cidadania, mas o pobre é discriminado, a tendência é que haja um Judiciário apenas para os ricos. E essa é a realidade brasileira. Esse o grande escândalo: mais que o da impunidade, da ineficiência, do nepotismo, da corrupção, o escândalo da ficção processual.

A reforma que o Governo do PSB promoverá considerará que a finalidade do Judiciário é a realização do direito, a proteção do fraco em face do forte, e jamais a legitimação do poder arbitrário ou faccioso contra os excluídos e marginalizados dos bens e regalias que a todos deve abranger. Essa reforma perseguirá a garantia de acesso ao Judiciário e da prestação do direito.

O novo Judiciário terá como atributos:

a) a independência;
b) a descorporificação;
c) a responsabilidade; e
d) a legitimação social.

A força institucional do Judiciário --que deve ser máxima-- não se confunde com sua densidade corporativa, que deve ser mínima. O exagerado peso estamental do Judiciário conspira contra sua função institucional. A edificação verticalizada da magistratura é o maior obstáculo à responsabilidade do Judiciário.

Legitimar socialmente a magistratura significa descentrá-la de si mesma e convertê-la à fonte do seu poder. Isso implica sua visibilidade e sua responsabilidade (social e legal). A responsabilidade legal da magistratura não se opera mediante um sistema de coerção que a torne funcionalmente dependente das cúpulas judiciárias. A magistratura independente é em tudo diversa da que tenha alienado sua função política em troca de um acomodatício status burocrático.

Não basta que o Legislativo elabore as leis; é preciso que o Judiciário assegure sua execução. Mas a Justiça brasileira é cara, morosa e burocratizada. O sistema de penas é anacrônico e o aparelho prisional é um acinte aos nossos foros de civilização.

A forma displicente com que o atual governo enfrentou a necessidade de modernização de nosso aparelho judiciário só encontra paralelo na política oficial privatista da educação que investiu na multiplicação dos cursos de formação jurídica, construindo o baixíssimo nível geral de nossas escolas. Essa depreciação é responsável pelo despreparo de juízes, promotores e advogados. Assim, ao lado da melhoria de nossos cursos jurídicos, impõe-se, de imediato, a melhoria das formas de recrutamento dos juízes e a implantação de um sistema permanente de reciclagem e avaliação de desempenho, que deverá ser a base de qualquer promoção.

O novo Juiz deverá ser formado para compreender seu papel como verdadeiro agente da democracia, pois essa se baseia na distribuição da Justiça. Para tanto, o juiz deverá fixar-se mais demoradamente na comunidade, com ela convivendo, com ela dialogando. A nova organização da carreira deverá levar essa meta em consideração.

A democratização da Justiça compreende, no plano dos entes federados, o voto direto de todos os juízes de primeira instância na escolha dos dirigentes dos Tribunais de Justiça; no plano nacional compreende o fim do nepotismo, com a proibição de contratação de parentes; o fim das sessões secretas e o fim do voto secreto nas sessões administrativas.

Fundamental, para a democratização do Poder Judiciário, será a revisão da composição dos tribunais superiores. A atual forma de escolha e nomeação dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, reduzida à escolha imperial do Presidente da República e a homologação cartorária do Senado, tem significado grave afronta à soberania e isenção do Poder Judiciário. A deterioração da imagem de absoluta independência nos julgamentos é o preço pago pela sua aproximação do poder político-partidário.

O Governo do PSB promoverá uma ampla discussão no País, compreendendo todos os setores interessados, com vistas a propor ao Congresso Nacional aquela reforma da Constituição que esse desvio está a exigir para ser corrigido. A mesma reforma deverá impor o instituto da 'quarentena' para a nomeação de ministros dos tribunais superiores.

São essas as Diretrizes para a reforma do judiciário, com o objetivo de efetuar a transição do Estado de fins democráticos para o Estado organicamente democrático.

A reforma que o Governo do PSB promoverá será feita de baixo para cima, dos alicerces para a cumeeira, e não da cúpula para baixo como se tem tentado até aqui, e se está repetindo no projeto governamental em andamento no Congresso. Há um ponto importante que precisa ser destacado: emendas constitucionais já aprovadas no Senado dão ao Supremo Tribunal Federal a inaceitável função de órgão de consulta --sem contraditório-- para declarar em tese a constitucionalidade das leis e das emendas à Carta Magna. Com isso se promove uma verdadeira ruptura na estruturação e funcionamento dos três poderes da República: o Supremo passa a exercer função de órgão de governo. O PSB é contra. É preciso manter a independência entre os poderes e o direito de todos de debater os seus direitos.

Em resumo, são estes os Objetivos básicos da Reforma que o PSB promoverá:

Objetivos básicos:
a) realizar a independência do Judiciário como metapoder;
b) propugnar pela organização democrática do Poder judiciário, dissolvendo seus nódulos corporativistas, assegurando o controle externo pela sociedade e a transparência administrativa;
c) legitimar socialmente o Judiciário transferindo seu suporte político para a sociedade;
d) democratizar o processo de escolha dos dirigentes dos Tribunais de Justiça;
e) democratizar a composição dos Tribunais superiores.

Desses objetivos decorrem:

Metas e Programas:
a) reestruturação do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana;
b) federalização dos crimes contra a pessoa humana;
c) estabelecimento de políticas policiais e prisionais adequadas;
d) desburocratizarão de funções estatais pertinentes à produção de documentos e certidões;
e) instituição de um sistema eficaz de defensoria pública;
f) criação e instalação de ouvidorias dos serviços públicos;
g) criação e instalação de conselhos corregedores para controle da atividade judicial, que se fará através de mecanismos legais e de aplicação automática;
h) reorganização da carreira da magistratura;
i) reorganização da justiça estadual de segunda instância;
j) reorganização dos tribunais superiores, tendo em vista principalmente a agilização dos seus trabalhos, com a simplificação dos julgamentos, supressão de recursos irrelevantes e dos casos em que seja possível criar instâncias administrativas para diminuir litígios;
k) expansão dos juizaos especiais, inclusive alargando sua competência;
l) restaurar e aperfeiçoar o funcionamento dos juizados de paz;
m) implantação da Justiça Agrária itinerante, nos termos do art. 126 da Constituição Federal;
n) reforma da Justiça do Trabalho visando à agilização dos julgamentos e fortalecendo seu papel de defesa dos direitos dos trabalhadores.
o) desconstitucionalização das regras que regem a estrutura judiciária de forma a tornar possível sua permanente adequação às demandas da sociedade;
p) revisão da competência da Justiça Eleitoral visando a delimitar o poder legiferante de que se vem investindo.

O Poder Judiciário será autônomo e independente nas suas funções, mas como os Poderes Executivo e Legislativo, estará sujeito a mecanismos sociais de controle, que compreenderão o papel ativo do cidadão, habilitado constitucionalmente a participar da instauração e do acompanhamento de procedimentos contra magistrados.

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