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Candidatos à presidência - Garotinho

Ciro Garotinho Rui Costa Zé Maria
Perfil Programa Carreira Dia-a-dia Sabatina

Veja os candidatos do segundo turno

Programa de Governo - PSB

Anteprojeto - Políticas setoriais -
Parte I

O conjunto dos Programas Setoriais estará abrigado sob a marca Moeda Verde, que passará a designá-los, neles sendo utilizados três tipos de mecanismos, que poderão atuar de maneira isolada ou combinada, dependendo da conveniência, a saber:

Equivalência-produto;
Linhas de crédito:

Especiais
· com risco do Tesouro Nacional, com taxa de juros de 2% ao ano;
· com risco dos agentes financeiros, com taxa de juros de 2% ao ano;
· Normais
· com risco dos agentes financeiros, com taxa de juros de 7% ao ano, no ano safra 2002/2003 e de 6%, a partir de 2003/2004.

Sistemas integrados de comercialização - CONVIVER;

Esses programas procurarão agrupar tanto os setores tradicionais quanto os novos, de modo a permitir o estabelecimento de estratégias diferenciadas para cada um deles.

Em partes significativas, os programas especiais serão ancorados em recursos orçamentários do OGU e serão desenvolvidos para fomentar as atividades prioritárias e projetos que promovam o desenvolvimento regional, com ações integradas em toda a cadeia produtiva, com elevada geração de postos de trabalho e renda, a exemplo do que foi realizado no Rio de Janeiro com o Programa FRUTIFICAR, no Governo Anthony Garotinho, com encargos especiais e redução da exigência de garantias formais;

A partir da identificação de vocações regionais (trabalhar com equipes específicas para este diagnóstico - seminários regionais, ex.; associações e sindicatos), cada programa setorial receberá um tratamento de desenvolvimento e empreendedorismo local, servindo para concentrar esforços e recursos naquela atividade de modo a promover sua expansão e fazer com que se torne a exploração líder, sem prejuízo, evidentemente, da diversificação e mesmo do manejo agroecológico desejável.

Os programas de desenvolvimento regional terão uma configuração padronizada e serão compostos, cada um, por um Conselho Gestor Estratégico, por um Grupo Executivo Operacional, por uma Unidade Gestora de Comercialização (agência de comercialização agropecuária - agrobalcão), Empresas Integradoras, Empresas Fornecedoras, etc.

Tais programas terão foco na geração de empregos, gestão ambiental eficaz, organização social e na assistência técnica diferenciada.

Através de convênios específicos, os programas regionais serão compatibilizados com os governos estaduais, os quais poderão propor a inclusão de programas formulados no âmbito de suas unidades federativas, sempre em parceria com municípios (através de consórcios).

Dentre as premissas básicas, são elencadas três frentes de ação:

Choque de Crédito

A nova Farm Bill, política agrícola norte-americana - que entrará em vigor no final deste ano e abrangerá a próxima década - disponibilizará subsídios da ordem de US$ 17 bilhões por ano, incrementando em 26% as benesses concedidas aos produtores daquele país em relação à última década. Além disso, o crédito rural nos Estados Unidos atinge cerca de US$ 720 bilhões por ano-safra, contra apenas irrisórios US$ 6 bilhões por ano-safra do crédito rural brasileiro, praticamente sem qualquer subsídio representativo frente à relevância do setor para a economia brasileira.

Ainda mais que, mesmo desonerado de impostos da exportação, a ausência de uma reforma tributária ampla e eficaz, o produtor brasileiro compete no mercado global penalizado pela enxurrada de impostos embutidos em todas as fases de seu processo produtivo.

É importante salientar que as decisões do governo americano, sacramentadas na referida lei, desconsideram, por completo, o cronograma da própria ALCA, idealizada por eles mesmos, num mau presságio a respeito das perspectivas sombrias que nos aguardariam se nosso País aceitasse aquele projeto de absorção de nossa economia.

Observe-se ainda, que estas práticas não se restringem aos norte-americanos, estando amplamente disseminadas na União Européia, além de outros concorrentes nossos na Ásia e na Oceania.

Tais constatações colocam claramente a necessidade de se estabelecer novas atitudes frente ao desafio: se não é possível demover tais países de suas posições protecionistas, neste momento, cabe-nos o caminho de estabelecer mecanismos de enfrentamento de maneira semelhante a que nos é dirigida, até mesmo como forma de argumentação negocial nos fóruns da OMC (Organização Mundial do Comércio), onde tais nações têm oferecido como moeda de troca a flexibilização tímida de seus subsídios. Nas negociações, o Brasil nada tem do que abrir mão, vez que seguiu fielmente o receituário liberal ao longo das duas últimas décadas, enquanto nossos conselheiros maquiavam o discurso e recrudesciam na prática em favor de suas economias agrícolas.

Projetamos elevar as aplicações de Crédito Rural para R$25 bilhões/ano, até o final de nossa gestão. Com redução evolutiva dos juros, dos atuais 8,75 %¨ao ano, para 7% no ano safra 2003/2004 e para 6 % no ano safra subseqüente;

No geral, os mecanismos mais modernos de captação de recursos para o agronegócio empresarial serão estimulados e aprimorados, atuando o Governo, neste caso, apenas na questão dos marcos regulatórios e na fiscalização do cumprimento de contratos e instrumentos de captação, tendo como proposta fundamental a criação da ANAGRO - Agência Nacional do Setor Agropecuário.

Serão objeto de destaque no segmento agro-empresarial o instrumento da Cédula do Produto Rural - CPR, os contratos com convênio de integração do CONVIVER e as operações em bolsas de mercadorias e futuros que oferecem garantia de preços. Dessa forma, estaremos implementando ao longo dos próximos quatro anos, o incremento da Agropecuária Nacional. Para tanto precisamos também de:

Choque de Tecnologia

É considerada predatória para a agropecuária de produção de alimentos a manutenção dos pacotes tecnológicos atuais, com utilização exagerada de insumos químicos e com dependência externa na importação dos produtos, de princípios ativos ou no pagamento de divisas por suas utilizações.

Neste caso, como foi realizado para os produtos genéricos utilizados na medicina humana, há que se adotar uma política de enfrentamento, com eventuais quebras de patente e com o apoio integral à produção nacional.

É preciso investir forte e celeremente em inovações tecnológicas que remodelem esta relação de dominação. Para isso, o Estado do Rio de Janeiro apontou um caminho, com a importação de vacina contra carrapato em bovinos, que está em fase final de teste na PESAGRO - Empresa de Pesquisa Agropecuária do Estado, cujos resultados preliminares apontam para a substituição quase total do uso de carrapaticidas químicos, e com o apoio da Fundação Estadual de Pesquisa - FAPERJ na implementação das ações de desenvolvimento, segundo plataformas tecnológicas regionais.

Em nível nacional, além do apoio às estruturas da EMBRAPA, serão fortemente incentivadas as empresas e os institutos estaduais e regionais de pesquisa, que têm cuidado especialmente da pesquisa aplicada de interesse regional, dentro de um sistema integrado coordenado nacionalmente por uma agência representativa dessas unidades.

Na mesma linha, será empreendido um projeto de reestruturação das entidades estaduais de extensão rural e assistência técnica, com investimentos na melhoria de qualidade da prestação dos seus serviços, o que deverá ser feito, também, através de uma agência nacional de coordenação.

Choque de Distribuição de Renda

A exemplo do que foi realizado no Estado do Rio de Janeiro, na administração Garotinho, para os trabalhadores sazonais da colheita de cana-de-açúcar, propõe-se implantar ações complementares aos programas setoriais com vistas a proporcionar renda adicional a trabalhadores que não disponham de meios adequados para seu sustento. Sempre condicionando o benefício à erradicação do trabalho infantil, à manutenção das crianças em fase escolar freqüentando as salas de aula, garantindo a regularidade das vacinações e, estruturando o apoio mediante convênios que impossibilitem o desvio dos recursos para outros fins que não a alimentação.

Complementarmente, algumas ações específicas devem ser consideradas:

Desenvolver um programa especial para o segmento de produção de leite no Brasil, apoiado na estrutura de suas cooperativas. Apesar da tradição, da representatividade em nível nacional e da importância do leite no abastecimento e na segurança alimentar da população, como um todo, e das crianças, em particular, o segmento passa por uma crise estrutural e conjuntural e precisa ser apoiado para fazer frente ao oligopsónio grupo de compradores, fortemente representado pelas grandes multinacionais do setor.

Em linhas gerais, o programa deve ser ancorado em uma estrutura de compra controlada de leite de qualidade, para utilização na merenda escolar, como foi utilizado no Estado do Rio de Janeiro, e para outras formas de distribuição à população carente, em parceria com os programas sociais a serem empreendidos pelo Governo.

Será ofertada - via crédito especial - a oportunidade de melhoria da estrutura produtiva, com investimentos em infraestrutura e na melhoria da qualidade do produto.

Por outro lado, os órgãos de defesa da livre concorrência serão acionados para derrotar a cartelização oligopsônica nefasta ao setor e em defesa da estrutura produtiva;

Reordenar a ação dos Bancos Públicos, notadamente o BNDES e o Banco do Brasil, para apoio efetivo à atividade produtiva. Reorientar a aplicação dos Recursos Obrigatórios do Crédito Rural em atividades que priorizem o desenvolvimento;

Rever algumas aplicações dos recursos do FAT, com vistas à geração de desenvolvimento no setor primário da economia e com maiores aportes na Agricultura como um todo, mas principalmente no segmento familiar;

Reorientar o Ministério de Desenvolvimento Agrário para ações efetivamente voltadas para o re-ordenamento rural e a promoção da reforma agrária. Com atuação mais efetiva na regularização fundiária, com ações em âmbito nacional de discriminação de terras, em apoio às Unidades Federativas na arrecadação de terras devolutas;

Nesse novo contexto, o MDA tornar-se-á mais eficaz nas ações agrárias e as demais ações, que são hoje nele empreendidas, retornarão ou migrarão, em parte, para o Ministério da Agricultura, que passará a ter como um de seus eixos principais a atuação no fortalecimento da Agricultura Familiar;

A outra parte das ações será absorvida pela agência de desenvolvimento rural, que terá a função de controlar todos os programas especiais e a gestão dos recursos para o fomento ao Setor, junto ao Ministério da Fazenda. A Agência terá competência para interceder junto aos Bancos Públicos Federais nos aportes de recursos para o segmento, no estabelecimento das prioridades e na forma de atuação e gestão dos programas especiais;

Implantar, em todos os bancos oficiais de varejo que atuam no segmento rural, mini-estruturas locais de fomento ao espírito empreendedor, que contariam com pelo menos um agente de desenvolvimento de crédito por dependência localizada em município com perfil agropecuário, para facilitar o acesso dos mini e pequenos produtores aos benefícios dos programas especiais.

Encaminhar propostas de alterações da legislação rural/agrária para sua adequação ao momento atual.

UMA POPOSTA PARA A AGRICULTURA FAMILIAR E AGROECOLÓGICA

Um Brasil Justo e Sustentável Depende de uma Agricultura Centrada em uma Numerosa e Dinâmica Classe de Agricultores Familiares

As dificuldades da agricultura familiar são perceptíveis pelos níveis de pobreza deste setor e pela busca de outras alternativas de renda na migração rural urbana.
Propriedades muito pequenas e já muito trabalhadas e desgastadas, localizadas nos ecossistemas mais frágeis ou nos relevos mais difíceis criam dificuldades estruturais para a agricultura familiar. A falta de recursos financeiros e de tecnologia adequada completa um quadro desanimador que mostra os grandes sacrifícios que o setor teve que fazer para conseguir manter um papel relevante na agricultura brasileira.

Diagnóstico do mundo rural brasileiro

Crise rural e crise urbana

Historicamente, o desenvolvimento rural brasileiro foi sempre subordinado aos interesses dos grandes proprietários que faziam da exploração extensiva das terras e da exploração intensiva da mão-de-obra a essência do seu processo de acumulação de riquezas. Uma parte desta elite rural modernizou-se nos anos 60 e 70 com forte estímulo dos governos militares. Créditos subsidiados e condicionados ao uso de insumos químicos (fertilizantes, pesticidas, herbicidas, Tc), mecanização e sementes de variedades melhoradas para melhor reagirem a estes insumos provocaram o que se chamou de revolução verde da agricultura brasileira. Ao mesmo tempo, este processo gerou um imenso mercado para as indústrias de insumos, na sua maioria multinacionais.

A parte mais difícil da modernização foi vivida pelos agricultores familiares e pelos assalariados agrícolas. Sem qualquer apoio e sofrendo pressões de todo tipo, os agricultores familiares e os assalariados agrícolas foram obrigados a abandonar o campo.

Em grandes números, a modernização provocou a migração de cerca de 40 milhões de pessoas no espaço curto de 40 anos. Neste período, a proporção entre a população urbana e rural alterou-se radicalmente, de uma maioria de rurais em 1960 para menos de 20% em 2000. É verdade que estes números contêm uma forte distorção da realidade, pois apoiam-se numa definição de rural e urbano pouco consistente. Segundo definição mais precisa e moderna o número dos rurais seria hoje de 54 milhões, 30% da população do País.

Esta migração acelerada teve efeitos brutais. As cidades incharam e a prolongada recessão dos anos 80 levou os migrantes, recentes ou antigos, a se somarem ao forte contingente de subempregados e desempregados estruturais. A modernização dos serviços e da indústria, verificada nos anos 90, ampliou este fenômeno, pois provocou uma crescente liberação de mão-de-obra mesmo nos momentos de crescimento da economia e aumento dos investimentos produtivos.

A crise urbana que explode nas últimas duas décadas se espelha na ocupação desordenada e perigosa do espaço, na destruição ambiental, na pressão constante sobre os serviços de saneamento, saúde e educação e, sobretudo, na violência endêmica e incontrolável. Esta crise tem suas raízes no modelo de desenvolvimento agrícola e no abandono total das populações rurais pelos serviços básicos que o Estado deve garantir.

É evidente que a solução desta crise urbana passa pela resolução da crise do mundo rural que permita a desconcentração da população através da desconcentração dos investimentos, dos recursos produtivos e da riqueza.

Um modelo de desenvolvimento insustentável.

Visto do aspecto crítico, o modelo de desenvolvimento agrícola do Brasil é, na verdade, muito frágil. A forte ampliação da produção verificada na última década, praticamente sem aumento da área cultivada, mascara alguns outros efeitos importantes que apontam na direção da falta de consistência dessa opção. Avaliando-se o desempenho pela ótica da sustentabilidade ambiental o quadro é bastante sombrio. O modelo agroquímico e motomecanizado provocou danos catastróficos aos recursos naturais, com perdas de solo cultivável em escala gigantesca. Os dados para o Estado de São Paulo, os únicos confiáveis no País, indicam que na região de mais longa exploração empresarial e capitalizada, 4 de 18 milhões de hectares explorados estão em grau avançado de degradação.

A grande expansão da agricultura brasileira em anos recentes se fez por uma forte relocalização das culturas que vêm se expandindo sobretudo nas novas regiões do Oeste, nos cerrados. Ficam para traz áreas esgotadas que são transformadas em pastagens de baixo rendimento. Este processo tem seus limites históricos pois a disponibilidade de terras vai se exaurindo e aponta para o momento em que teremos um território devastado. A aceleração deste processo é ainda maior devido à fragilidade dos ecossistemas por onde vem se expandindo a produção, muito maior que naqueles biomas, com terras de melhor qualidade, das antigas fronteiras agrícolas.

Além do esgotamento dos solos, a contaminação destes e dos recursos hídricos pelo uso intensivo e indiscriminado de adubos químicos e agrotóxicos, o assoreamento de rios, lagos e barragens pela terra carreada pela erosão hídrica, os desequilíbrios ambientais provocados pelos desmatamentos e pelos mesmos produtos tóxicos apontam para perdas econômicas que não são incluídas nos custos da produção agrícola, mas assumidas pela sociedade como um todo.

Insegurança alimentar.

A expansão deste modelo levou à diminuição relativa do papel da agricultura familiar e do número absoluto de agricultores familiares. O impacto disto sobre a oferta de alimentos foi sensível. Os produtos típicos dessa agricultura eram e são, sobretudo, os alimentos da dieta tradicional dos brasileiros. Estes produtos foram deslocados no processo de modernização da produção e acabaram sendo também deslocados da dieta. Esta última empobreceu-se, adotando, sobretudo nos meios urbanos, o modelo de consumo dos países desenvolvidos, centrado nos derivados do trigo e em produtos industrializados e pobre em legumes e frutas, com queda acentuada da qualidade da nutrição dos brasileiros.

Entre os efeitos provocados pelo deslocamento da população rural para os meios urbanos e a crise estrutural do desemprego estão a fome endêmica que afeta entre 14 e 52 milhões de brasileiros segundo diferentes pesquisas realizadas e a subnutrição específica, chamada de fome oculta, derivada do empobrecimento da dieta. A subnutrição específica afeta um número não identificado pelas pesquisas, mas, se mantidas as proporções encontradas em nível mundial, ela pode afetar entre 45 e 130 milhões de brasileiros.

Os novos riscos.

O mais recente acontecimento na área do agronegócio foi a tentativa de introduzir no Brasil os cultivos transgênicos. Embora a legislação exija a realização de estudos de impacto ambiental destes produtos o governo FHC vem tentando, na justiça e no legislativo, derrubar as presentes exigências e atender às pressões das empresas multinacionais como a Monsanto e a Novartis. Além dos riscos ambientais e para a saúde que estes produtos representam, o Brasil perderia, se liberados os transgênicos, a grande vantagem competitiva que adquiriu nos últimos anos no mercado internacional devido à demanda, pelos mercados europeu e asiático, de produtos não contaminados. A posição pró transgênicos do governo FHC chega ao nível de complacência criminosa, pois o Ministério da Agricultura recusa-se a cumprir com seu papel de vigilância, impedindo o plantio clandestino que ameaça provocar a contaminação do meio-ambiente e das culturas de forma irreversível, comprometendo o futuro da nossa agricultura e as presentes vantagens de que gozam nossas exportações.

Estratégia do governo dos socialistas para o desenvolvimento rural

Relação entre desenvolvimento rural e a solução da crise urbana.

Como já foi dito acima, cerca de 52 milhões de brasileiros vivem no mundo rural embora nem todos dependam da agricultura para sobreviver. Outros 13 milhões são migrantes que nas últimas duas décadas se estabeleceram nas zonas metropolitanas onde têm uma existência precária na maior parte dos casos. Destes últimos muitos mantêm vínculos com seu mundo de origem e a ele voltariam se tivessem condições de sobrevivência.

Nos marcos de uma estratégia de democratização do desenvolvimento, o mundo rural deverá desempenhar papel crucial pelo fato poder oferecer oportunidades de emprego a custos mais baixos que os industriais, de serviços e até da construção civil. O Brasil no governo dos socialistas será sustentável social e economicamente apoiando-se em uma numerosa população rural e, em primeiro lugar, em uma numerosa população agrícola.

Está claro que rural não é idêntico a agrícola e que há outros empregos neste setor além agricultor. No entanto, para que prosperem outros empregos não agrícolas será fundamental a existência de uma próspera, dinâmica e sustentável agricultura familiar capaz de garantir demanda para outros serviços.

O primeiro passo para estabilizar a população rural atual é garantir-lhe os direitos e serviços básicos para uma existência digna. Isto significa que o Estado deve promover programas de habitação, saneamento básico, acesso à água potável, saúde, educação, eletrificação, transportes, comunicação, esportes e lazer acessíveis a todos os rurais, a começar com os 3,7 milhões de agricultores familiares e suas famílias. Estes programas podem ser realizados de imediato e darão um enorme impulso às economias locais e à diversificação das fontes de emprego e renda.

Experiências de ONGs de todo o Brasil mostram que estes programas podem ser realizados com a mobilização direta dos interessados e com custos baixíssimos quando comparados com programas entregues a empreiteiras. Tecnologias baratas e passíveis de serem utilizadas pelos próprios usuários já foram demonstradas, necessitando apenas serem apoiadas financeiramente para alcançar a generalização dos benefícios.

O processo de resolução destes problemas básicos é tão importante como os recursos mobilizados para resolvê-los. A mobilização das organizações populares, envolvendo igrejas, sindicatos e outras formas associativas com apoio de ONGs e prefeituras, permitirá, não só uma grande economia de recursos, como a construção de capacidades organizativas dos rurais que poderão ser valorizadas em empreendimentos econômicos a serem estimulados pelos poderes públicos.

Pequenos investimentos terão efeitos econômicos e sociais imediatos, freando o processo de esvaziamento do campo que se dá, muitas vezes, pela precariedade das condições de vida e pela dificuldade de acesso a serviços básicos como educação e saúde.

Agroecologia, base da sustentabilidade da agricultura.
No debate internacional sobre o desenvolvimento, cada vez mais se reconhece que o maior fator da crise da agricultura familiar é a insustentabilidade da própria tecnologia escolhida como a única opção para a agricultura. No mundo inteiro, entretanto, pesquisadores e agricultores vêm demonstrando que existem outras opções mais econômicas, sustentáveis e apropriadas para a agricultura familiar. Há quase 20 anos o Conselho Nacional de Ciências dos Estados Unidos comparou o desempenho agronômico e econômico da agricultura tradicional e com o desempenho da agroecológica e constatou que esta última é perfeitamente competitiva.

Mais recentemente, pesquisa da Universidade de Essex, na Inglaterra, identificou que em mais de 200 experiências agroecológicas em todo o mundo os aumentos de produtividade foram de 100%, em média. E ainda, casos mais avançados os aumentos chegaram a 500%.

A base científica da agricultura orgânica é conhecida hoje como agroecologia. Esta ciência procura compatibilizar ao máximo os sistemas produtivos com a dinâmica do meio ambiente. O uso de produtos químicos é reduzido ao mínimo ou eliminado, substituído pela ciclagem de nutrientes, equilíbrio ambiental para reduzir a incidência de pestes e doenças e a seleção de variedades para maior adaptação às condições ambientais.

A agroecologia já vem sendo praticada no Brasil com sucesso por agricultores de todas as regiões e só depende de apoio público para tornar-se uma opção generalizada para todos os agricultores familiares. O governo dos socialistas terá por meta iniciar a transição da agricultura brasileira para a agroecologia.

Políticas para promover a transição agroecológica da agricultura brasileira.

Geração e difusão de tecnologia.

A principal dificuldade para promover a produção agroecológica de forma maciça está no fato de que, por sua própria natureza, ela não permite o uso de pacotes tecnológicos simplificados e de fácil divulgação entre os produtores.

Sistemas agroecológicos são específicos para cada propriedade, pois procuram potencializar a diversidade ambiental de cada uma. Isto coloca desafios novos para as políticas de pesquisa, extensão rural e crédito.

A solução encontrada pela experiência das ONGs foi integrar os próprios agricultores nos processos de pesquisa e de extensão. Com o apoio de pesquisadores e de extensionistas os agricultores identificam os problemas de seus agroecossistemas e selecionam soluções adaptadas para suas situações particulares com base nos seus conhecimentos prévios e naqueles oriundos da ciência agronômica, da ecologia e da biologia. Estas soluções são então testadas por cada agricultor e comparadas entre si, corrigidas, melhoradas e, finalmente, aplicadas no conjunto de suas propriedades.

Esta abordagem implica uma profunda modificação dos processos usuais de pesquisa e de extensão que funcionam hoje de forma unilateral e unidirecionada, dos cientistas e técnicos para os agricultores, meros recipientes de tecnologia. A eficiência desta abordagem pode ser medida por resultados obtidos pelas ONGs que conseguem uma eficiente atuação em geração e difusão de tecnologia mantendo uma relação de 1 técnico para cada 3.000 agricultores na região sul e 1 para 500 na região nordeste, contra indicativos de 1 para 150 e 1 para 75 nos manuais do Banco Mundial.

Para garantir uma extensão rural agroecológica e participativa para o conjunto dos atuais 3,7 milhões de agricultores familiares e os 1,0 milhão de novos agricultores beneficiários da reforma agrária nos primeiros 4 anos de governo socialista seriam necessários, cerca de 375 milhões de reais por ano. Estes recursos deverão estar colocados em um Fundo Nacional de Apoio à Extensão Rural, acessível de forma competitiva por consórcios de organizações públicas e privadas de promoção do desenvolvimento e organizações de agricultores familiares. Como não existem, hoje, organizações de extensão capacitadas para a agroecologia e o emprego de abordagens participativas em número suficiente para atender ao conjunto dos agricultores familiares, deve-se procurar, nos primeiros anos, usar parte destes recursos num intenso processo de reciclagem de técnicos nestes temas.

As entidades de pesquisa agropecuária, em particular a Embrapa, também não estão preparadas para produzir conhecimento agroecológico, muito embora já existam vários cientistas que, minoritariamente, vêm conduzindo pesquisas nesta linha e que poderão se constituir em um núcleo irradiador da nova pesquisa agroecológica. Os cerca de 40 centros de pesquisa da Embrapa deverão ser reorientados para dirigir seus esforços prioritariamente na busca de soluções agroecológicas para os agroecossistemas de suas áreas de inserção. A relação com os agricultores familiares e suas organizações nestas áreas de atuação deverá servir para redefinir a agenda de pesquisa e o enfoque da busca de soluções tecnológicas. O processo de reorientação da pesquisa deverá ser feito através de oferecimento de recursos condicionados aos critérios participativos e ao enfoque agroecológico acessíveis de forma competitiva por equipes de pesquisadores e seus parceiros (organizações de extensão e de agricultores familiares).

Os centros de pesquisa vinculados aos governos estaduais serão convidados a integrar este esforço e a se beneficiarem dos recursos do governo federal em projetos integrados com outros parceiros. Na verdade, a inserção mais localizada destes últimos deve facilitar sua aproximação com a pesquisa agroecológica.

O crédito alocado pelo Pronaf tem sido utilizado para promover o uso de agrotóxicos, sementes de variedades melhoradas e híbridas e adubos químicos. Embora a agroecologia não necessite de investimentos altos para produzir, ela pode ser fomentada a partir da flexibilização do acesso aos financiamentos do Pronaf e, complementarmente, através de um programa especial destinado à conversão da agricultura convencional para orgânica.

Não será possível manter as normas rígidas de apresentação de projetos de financiamento, hoje vinculadas aos pacotes da revolução verde. Dada a grande variabilidade dos tipos de projetos que a agroecologia pode apresentar os bancos serão orientados, e acompanhados pela agência nacional de controle do crédito rural, a aceitá-los desde que referendados por organizações credenciadas na promoção da agroecologia.

Os montantes de crédito para a transição para a agroecologia variam bastante. Com base na experiência das ONGs estimamos uma demanda anual entre 2,5 a 4,5 bilhões de reais para promover a conversão de um milhão de agricultores familiares em quatro anos de governo. Este é um valor bem inferior aos atuais 4 bilhões por ano oferecidos pelo Pronaf e com menos riscos de insolvência do que os verificados atualmente.

Por outro lado, a ausência de crédito para investimentos tem levado a agricultura familiar a uma situação de quase total descapitalização, com equipamentos e infra-estruturas em péssimas condições; e a sua recuperação envolve recursos da ordem de 36 bilhões de reais. São valores elevados, mas compatíveis com uma política de governo que privilegia o segmento; serão alocados, ao longo dos 4 anos e na forma de financiamento reembolsáveis através de programa específico.

A verticalização da agricultura familiar, ou seja, o processo de industrialização e de comercialização de produtos agrícolas, pecuários ou extrativos sob controle de organizações de produtores será outra prioridade do governo dos socialistas. Com efeito, os agricultores familiares estão hoje entregando seus produtos a intermediários ou agroindústrias que lhes ditam os preços. Para tanto, a atual fragilidade das organizações dos agricultores familiares e sua pouca familiaridade com as questões de gestão e mercado exigem um processo de construção de capacidades e consolidação destas estruturas organizativas.

A verticalização deverá ser um programa bem menos ambicioso inicialmente do que o da conversão agroecológica e exigirá um particular esforço de capacitação das organizações dos agricultores familiares em técnicas de gestão e de comercialização. Créditos previstos para agroindústria no montante de 250 milhões de reais permitirão, se dimensionados apropriadamente os projetos, a criação de cerca de 5 mil pequenas agroindústrias por ano com a participação de 300 mil agricultores, gerando não apenas um forte aumento da renda como novos empregos no campo.

O governo dos socialistas assegurará o mercado para os produtos da agricultura familiar. Para isto serão utilizados instrumentos como compras preferenciais destes produtos pelos organismos estatais ou financiadas com recursos públicos federais, como, a merenda escolar. Estes produtos deverão ser adquiridos em primeiro lugar em nível local, estimulando a diversificação da oferta da agricultura familiar e limitando o passeio dos alimentos, fator de forte encarecimento dos custos da merenda. Esta política já foi posta em prática no Estado do Rio de Janeiro pelo, então Governador, candidato a presidência Anthony Garotinho.

Ainda para proteger a agricultura familiar dos efeitos da instabilidade dos mercados, o governo dos socialistas implantará política de proteção de preços para este segmento de produtores.

Finalmente, o governo defenderá a produção nacional de importações subsidiadas que vem arruinando agricultores, familiares ou não, garantindo tarifas protetoras para a produção nacional. Igualmente, como já foi dito, o governo socialista defenderá a abertura dos mercados europeu e norte- americano e asiático aos produtos agrícolas brasileiros, esforço que será tão mais fácil ao avançarmos decididamente para a produção agroecológica já que estes produtos não padecem das restrições sanitárias que, entre outros fatores, vêm dificultando nossas exportações.

Política nacional em relação aos organismos geneticamente modificados: o governo dos socialistas deverá decretar uma moratória por tempo indeterminado no cultivo e consumo de produtos transgênicos no Brasil até que pesquisas apontem para a segurança ambiental e para a saúde destes produtos. O Estado deverá investir nas pesquisas em engenharia genética de modo a dominar esta opção tecnológica mas deverá dar ênfase na avaliação de seus impactos. Esta medida deverá garantir os mercados europeu e asiático para os nossos produtos não contaminados, respondendo à demanda dos consumidores destas regiões.

UM PLANO DE AÇÃO PARA REFORMA AGRÁRIA

A atualidade da questão agrária

A predominância da grande propriedade como fator determinante das relações sociais e da organização da produção no campo brasileiro é, como se sabe, tão antiga quanto a existência do nosso país. Também é antiga a demanda por reforma agrária. E igualmente antiga - além de sempre reiterada - é a propaganda de sucessivos governos que anunciam intenções, esforços e ações altamente eficazes para resolver a questão, que no entanto insiste em permanecer candente e cada vez mais exigente de solução.

Nas últimas décadas, quando muitos estudiosos anunciavam que o tempo histórico da reforma agrária havia passado - pois o Brasil se tornara predominantemente urbano e passara a contar com uma agricultura capitalista de alta produtividade -, o problema, em realidade, agravou-se. Pois, a agropecuária brasileira é fortemente subordinada aos interesses do grande capital industrial e financeiro, e a modernização da agricultura brasileira gerou um setor portador de grandes fragilidades estruturais, desempregou multidões e produziu maiores desigualdades regionais e setoriais.

A modernização atual é muito seletiva. Como regra, a produção de alimentos ficou para trás, resultado de um processo que beneficiou essencialmente a agricultura de exportação. É uma herança da fase primário-exportadora que predominou na maior parte de nossa história. Nos países desenvolvidos, principalmente nos da Europa, ocorreu o inverso: neles, o segmento agrícola considerado mais importante sempre foi, e continua sendo, aquele orientado para os respectivos mercados internos, pois o barateamento do custo da alimentação desempenhou papel decisivo na integração de suas populações ao mercado de consumo de todos os bens.

No Brasil, a desestruturação da policultura tradicional não deu lugar a uma moderna agricultura baseada na pequena e média produção -independente ou cooperativada-, que seria capaz de assegurar ocupação estável da terra. Como conseqüência, reduziram-se dramaticamente as oportunidades de emprego no campo, por causa da crescente mecanização, e grande parte da população empregada na agropecuária se urbanizou, com a expulsão em massa de trabalhadores residentes e sua transformação em diaristas.

Nas últimas décadas, com a migração maciça de populações, a questão agrária se desdobrou em uma dramática questão urbana, que não poderá ser solucionada sem que se alterem as condições existentes no mundo rural. A maior mobilidade da população brasileira tem sido acompanhada de um paradoxo aparente: provoca ocupação mais extensiva do território, mas tem aumentado a concentração de pessoas em áreas restritas. É muito rápida a velocidade de urbanização das novas regiões habitadas. A população se espalha e, pouco depois, por falta de alternativas no meio rural, se concentra de novo.

Tudo isso convergiu para produzir uma aguda - e, para muitos, surpreendente - reatualização da questão agrária. Aliás, recolocada na agenda política do Brasil contemporâneo pela mobilização dos próprios trabalhadores rurais. Uma reatualização em novos moldes, como não poderia deixar de ser, pois o cenário do mundo rural brasileiro apresenta diferenças marcantes em relação ao que existia em outros momentos de nossa história.

Como já foi visto, a crise atinge, especialmente, a agricultura familiar.

A agricultura familiar, que em algumas regiões, especialmente no Sul, havia sido incorporada à vaga de modernização nas décadas de 1960 e 1970, atravessa grandes dificuldades. A renda média dos agricultores vinculados ao mercado interno desabou. As cadeias agroindustriais tornaram-se mais seletivas. A disponibilidade de crédito rural diminuiu consideravelmente.

Tudo isso se soma a um movimento estrutural e territorial de grande alcance: Os pólos de expansão da agricultura moderna, baseada na motomecanização, deslocaram-se para o Centro-Oeste e o Cerrado Setentrional, onde a produção de grãos para exportação é bem mais barata. Nessas áreas, que apresentam baixa densidade populacional e que se prestam à produção em larga escala, a agricultura empresarial vem se expandindo com mínima geração de empregos.

A necessidade da reforma agrária a partir dos dados da estrutura fundiária.

O IBGE informa que, numa ponta, 53% dos proprietários detêm menos de 3% da área agricultável; na outra, menos de 1% detém 44% dessa área. Em uma ótica mais abrangente, a concentração, na verdade, é muito maior, pois esses números deixam de fora milhões de famílias de trabalhadores rurais que não têm nenhuma terra. Dependendo dos critérios usados, as estimativas variam de 2,5 milhões a 4 milhões de famílias de trabalhadores sem terra. A maior parte delas já mora nas periferias das cidades, sendo por isso recenseada como famílias urbanas, mas que ainda continuam trabalhando principalmente nas áreas rurais. Cerca de 102 mil famílias, totalizando 400 mil pessoas, vivem em acampamentos à beira de estradas, mobilizadas na luta pela terra.

Dentre os proprietários de estabelecimentos muito grandes, com áreas superiores a 10 mil hectares, nota-se a presença de grupos industriais e financeiros sem vocação para a agricultura, que usam a terra como reserva de valor. Um grupo de doze empresas industriais e onze bancos detêm mais de 13 milhões de hectares, dos quais 10 milhões permanecem sem utilização.

Na média, o Brasil utiliza com lavouras apenas 14% de sua área agricultável total, mantendo na ociosidade mais de 100 milhões de hectares bons. Tal uso pouco intensivo da terra, como se vê, tem relação direta com a predominância da grande propriedade.

Como já foi visto, os estabelecimentos com menos de 100 hectares (nos quais predomina a agricultura familiar) ocupam menos de um terço da área total, mas realizam 38% do investimento, empregam 81% da mão-de-obra ocupada no meio rural e respondem por 47% do valor da produção agropecuária (incluindo-se aí o suprimento de 56% de alimentos e matérias-primas vegetais e de 67% da oferta interna de alimentos de origem animal). Além disso, a propriedade familiar é por natureza multifuncional, garantindo dentro de si moradia, ocupação intensiva de mão-de-obra e diversificação produtiva, inclusive para o autoconsumo, características necessárias ao equilíbrio da sociedade.

As regiões de fronteira agrícola, que antes desempenharam o papel de áreas de manobra da sociedade brasileira, absorvendo populações, não cumprem mais este papel, face ao tipo de exploração nelas implantando com uma estrutura agrária ainda mais concentrada do que aquela predominante nas áreas velhas. A expansão do território agrícola se acelerou a partir do regime militar, que financiou e subsidiou diretamente a apropriação das terras novas por grandes empresas, além de apoiar oligarquias regionais que - por meio de grilagem, doação ou compra a preço simbólico - também se apropriaram das antigas terras de fronteira. A incorporação de novos territórios nesses moldes ampliou e nacionalizou o conflito pela terra, em vez de amortecê-lo. Agora, a fronteira agrícola já está na Amazônia. Não há como alargá-la mais, sem destruir ecossistemas muito delicados. Se quisermos ampliar as oportunidades no meio rural, será preciso fazê-lo nas áreas já incorporadas.

A possibilidade da reforma agrária

Vários motivos convergem para tornar a reforma agrária mais fácil. A urbanização - não só da população em geral, mas também da força de trabalho que se mantém vinculada a atividades agrícolas - diminuiu significativamente o peso político do latifúndio. O preço médio das terras também caiu. E hoje, comparativamente a qualquer outro período de nossa história, também são mais favoráveis as condições de organização de movimentos de trabalhadores rurais em caráter permanente e em âmbito nacional.

Além disso, a terra agricultável tornou-se potencialmente abundante, com a garantia de acesso a um território muito ampliado. Apesar de sua extensão territorial, o Brasil permaneceu até tempos mais ou menos recentes como um pequeno país, de ocupação principalmente litorânea, de agricultura concentrada em alguns poucos pólos exportadores ou em torno dos centros urbanos consumidores. Nas últimas décadas, o advento de novas tecnologias e a infraestrutura de serviços disponíveis tornaram economicamente viável o aproveitamento de um território muito maior, possibilitando a exploração de grandes extensões, antes marginais. Onde havia um grande país geográfico, surgiu um grande país efetivo.

Terras propícias à agricultura, como se sabe, já são um fator escasso no mundo. Mas, felizmente, não no Brasil. E podemos usar essa grande vantagem comparativa.

Reforma para quê?

Ao longo de boa parte do século XX, coube ao mundo rural brasileiro produzir fundamentalmente bens de exportação (pois nossa pauta de comércio exterior era baseada quase exclusivamente em produtos agrícolas) e enviar gente para as cidades (em fase de industrialização). Esse padrão tornou-se anacrônico. Hoje, as cidades não precisam de mais gente (ao contrário!), e a pauta de exportações não depende tão, fundamentalmente, de produtos agrícolas.

Os novos papéis da agricultura devem ser:

a) reter mão-de-obra no campo (até mesmo reabsorvendo parte da população expulsa nas últimas décadas);
b) apoiar a rede de pequenas e médias cidades (para desconcentrar as atividades dinâmicas);
c) baixar o custo da alimentação (para ampliar o mercado interno de todos os demais bens).

Afirmamos que é preciso deter o êxodo rural. E é o Nordeste que tem a maior população rural exportável, com 46% da população rural brasileira. Com grau de escolarização muito baixo, esses brasileiros não têm oportunidade de encontrar vida digna nas cidades superpovoadas e em via de desindustrialização. Principalmente por isso, o Nordeste precisa de uma reforma agrária abrangente, com inclusão das terras férteis da Zona da Mata e do submédio São Francisco, e não apenas as terras piores do semi-árido. O predomínio de grandes latifúndios tradicionais e a presença de uma grande população rural com experiência de gestão reforçam essa proposição.

Em muitas regiões, em um primeiro momento, o aumento da produção de alimentos, de modo a garantir uma oferta estável, pode ser conseguido sem muito esforço, com a simples generalização do acesso a fatores de produção tradicionais, com destaque para terra, energia e água, além de extensão rural. A elevação da produtividade do trabalho, assim conseguida, será notável.

A necessária abrangência do projeto

Para redesenhar o setor, de modo a que ele cumpra essas novas funções, a reforma agrária é imprescindível. A associação entre tal modelo agrícola dominante e a idéia de modernidade é claramente abusiva. Longe de corresponder a uma racionalidade abstrata, ele resulta de um processo histórico permeado por relações de poder. Outras formas possíveis de organização da produção foram sistematicamente desmoralizadas.

Como já foi explicitado, a opção do governo do PSB é pela agricultura familiar, cujas vantagens são evidentes: tornando-se o setor mais homogêneo, sua produtividade média tende a ser maior; sendo melhor a distribuição da renda, os gastos em consumo tendem a distribuir-se pelo conjunto da população, aumentando o mercado de bens de uso comum, produzidos internamente, muitas vezes localmente.

Uma reforma abrangente, articulada com políticas de desenvolvimento regional, ocupação territorial, alteração da base tecnológica e expansão da produção, será decisiva para dinamizar amplas áreas do interior do país, pois as cidades de pequeno e médio porte - que são cidades de serviços - gravitam em torno da atividade agrícola.

Além da ação propriamente distributiva de terras, o espaço rural brasileiro exige outras intervenções estruturantes. Em primeiro lugar, a reforma agrária só terá êxito se for acompanhada de novas políticas agrícolas e tecnológicas, que produzam estímulos à reorganização da agroindústria e das cadeias de comercialização. A cooperação organizada pode aumentar significativamente a produtividade das unidades produtivas, seja pelo acesso conjunto a novas tecnologias, seja pelo uso compartilhado de equipamentos, seja pela organização coletiva da compra de insumos e da venda de produtos, seja por possibilitar que a verticalização da cadeia produtiva não esmague o agricultor.

Tornar disponíveis os meios para que possa ocorrer a disseminação de agroindústrias cooperativadas pelo interior do País - associada, necessariamente, à difusão do conhecimento e à expansão de escolas técnicas que absorvam parte da juventude rural - é essencial para reorganizar as cadeias produtivas de forma mais democrática, descentralizando no território nacional a apropriação dos benefícios do progresso técnico e beneficiando os produtores.

A viabilidade da reforma agrária.

Conforme já citado, estudos indicam que 2 milhões de empregos foram perdidos na agricultura brasileira nos últimos anos. É muito preocupante, até porque nenhum emprego urbano de boa qualidade é tão barato quanto o emprego rural. Barato e viável. Dois estudos recentes - um realizado em São Paulo pelo Instituto de Terras daquele Estado, outro realizado no Nordeste pela Universidade Federal de Pernambuco - mostram que a renda monetária média de uma família assentada atinge três salários mínimos por volta do terceiro ano. É um grande êxito, pois:

a) mais de 70% da força de trabalho brasileira ganham menos de três salários mínimos; assim, o assentamento coloca famílias, antes completamente despossuídas, dentro do grupo dos 30% mais bem-remunerados no país;
b) a essa renda monetária, soma-se a renda indireta dessas famílias, muito significativa quando comparada com a situação de famílias urbanas (acesso a hortas e pomares, casa própria, criação de pequenos animais para autoconsumo, etc.).
c) o não-assentamento dessas famílias tem um custo altíssimo para a sociedade, pois elas inevitavelmente terminam nas grandes cidades, multiplicando outros tipos de demandas e problemas já bem-conhecidos. A probabilidade de desagregação de uma família assentada, por exemplo, é muito mais baixa do que a de uma família sujeita às vicissitudes da vida urbana em precárias condições.

Resumo dos fundamentos propostos para reforma agrária
Numa situação de elevado desemprego urbano, há força de trabalho disponível em grande escala, desejosa de trabalhar a terra; as novas tecnologias agrícolas alteraram as condições de produção no campo, incorporando amplas regiões à exploração economicamente viável; o isolamento rural foi rompido pelas estradas e as redes de comunicação; movimentos permanentes pela reforma agrária, de caráter nacional, organizaram-se no campo, com ampla base social; a população se urbanizou, diminuindo o peso político dos caciques rurais.

O Brasil atual assiste, aliás, a um fenômeno incomum e notável: o desejo de retorno à terra de populações maltratadas nas cidades, as quais esgotaram sua capacidade de absorver mais gente. Em um período em que o desemprego coloca na ordem do dia a necessidade de alterar a matriz de ocupação da mão-de-obra, pois a indústria perdeu sua capacidade de absorção, e em uma sociedade em que a demanda por alimentos permanece elevada, a existência de terra vazia, de pessoas dispostas a cultivá-la e de capacidade técnica disponível configura uma potencialidade rara, que nosso país não pode recusar-se a usar.

Por tudo isso, o Brasil volta a viver, no início do século XXI, um momento histórico em que o latifúndio passa a ser - e precisa ser - questionado.
Nós afirmamos:

a) Reforma agrária, para nós, remete à decisão política de democratizar em larga escala a propriedade da terra, tendo em vista constituir uma ampla e viável rede de pequenas e médias propriedades, com destaque para os empreendimentos cooperativados e de natureza familiar, que sirva de suporte a uma nova configuração do mundo rural;
b) Além das famílias de trabalhadores rurais sem terra, contam-se entre os beneficiários desses processos os mini ou pequenos proprietários que hoje praticam uma agricultura pouco viável, pela insuficiência de área disponível e de políticas agrícolas adequadas à sua situação. Famílias que têm menos terra do que os módulos mínimos regionais serão integradas ao programa;
c) A reforma deve penalizar os latifúndios. Aqueles mantidos como reserva de valor por empresas industriais e grupos financeiros serão desapropriados.
d) O processo deve ser conduzido de forma a gerar forte indução para que todos os estabelecimentos mantenham áreas destinadas à produção de alimentos destinados ao abastecimento do mercado interno.
e) A alteração da estrutura agrária será acompanhada por uma reorganização da cadeia produtiva, conforme já anteriormente considerado.

Reforma agrária, pilar da reconstrução do mundo rural.

A reforma agrária de FHC reivindica para si o mérito de haver assentado cerca de 500 mil famílias. Mesmo admitindo que o número seja exato, não podemos deixar de constatar que a forma como ela se faz não permite a sustentabilidade dos assentamentos, que têm um índice de evasão admitido de 30% e um índice de rotatividade dos assentados (não identificados) que pode chegar a 50%. Além disso, constata-se que para cada agricultor assentado há cerca de 3 que deixam o campo, mostrando que não basta fazer a reforma agrária mas que se deve apoiar o conjunto dos agricultores familiares, assentados ou não, para estabilizar e recuperar a importância desta categoria.

Os assentados vivem os mesmos problemas dos agricultores familiares que já têm terra, mas em grau mas agudo. De modo geral estão nas piores terras e com disponibilidades insuficientes para seu sustento. Será preciso dar terras de melhor qualidade e em quantidade suficiente para todos. No Brasil há cerca de 210,5 milhões de hectares cultivados ou em pastagens e disponibilidade de outros 120 milhões, se explorados de forma ecologicamente racional. Em princípio, isto é suficiente para disponibilizar cerca de 30 hectares de terra, em média, por família, garantindo uma agricultura familiar para mais 4 milhões de famílias de agricultores.

Para chegarmos a esta estrutura agrária descentralizada será preciso desestimular a concentração da propriedade rural latifundiária. Para realizar este objetivo será necessário um processo gradual de liquidação das macro propriedades latifundiárias.

Segundo o INCRA, há mais ofertas de latifúndios a serem desapropriados que recursos da União para pagar as benfeitorias. Apenas se eliminadas as desapropriações crapulosas que beneficiam os latifundiários com indenizações milionárias, e se utilizados todos os recursos estatutários destinados à reforma agrária, seria possível triplicar o número de assentados por ano realizado pelo governo FHC, atingindo a meta de 1 milhão de assentados no primeiro governo dos socialistas.

Por outro lado, nosso governo lutará por uma legislação que estabeleça o tamanho máximo de propriedade em cada ecossistema (a exemplo de vários países europeus), forçando em um primeiro momento o desmembramento das macro propriedades de baixo nível de eficiência. Se eliminados 75 % das grandes propriedades com mais de 1.000 hectares (em que há cerca de 40 000) poderão ser conseguidos mais de 100 milhões de hectares para a reforma agrária. Se considerado o mesmo raciocínio apenas para as mega propriedades com mais de 10.000 hectares (aproximadamente 1 700), as terras disponibilizadas alcançarão quase 30 milhões de hectares, suficiente para oferecer terras para 1,0 milhão de agricultores familiares com área média de 30 hectares.

O custo atual calculado pelo INCRA para assentar uma família de agricultores familiares é de 13.000,00 reais. Mesmo admitindo valores desta magnitude, o custo total para assentar 1,0 milhão de agricultores será de 13 bilhões de reais em 4 anos, ou 3,25 bilhões por ano, em média.

Finalmente, uma legislação que puna progressivamente os grandes produtores que provocam desequilíbrios ambientais (erosão, salinização, assoreamento de rios e reservatórios, poluição química, Tc) poderá modificar a atual estratificação de propriedades, liberando imóveis para assentamentos. A base desta legislação já existe, a lei de crimes ambientais, e a aplicação de EIA-RIMA aos grandes estabelecimentos já permitiria exigir o controle do uso das tecnologias predatórias praticadas. As macro propriedades dificilmente conseguem produzir sem empregar estas tecnologias e a inibição do seu uso ajudará a fragmentação da propriedade.

ALGUMAS PRIORIDADES DE CARÁTER GERAL DEVEM SER ENFATIZADAS:

Enfocar a atuação de governo no apoio às pequenas explorações agropecuárias, incluindo aqüicultura e pesca artesanal, de cunho preponderantemente familiar, valorizando e destacando as ações que visam ao desenvolvimento sustentado, com respeito ao meio ambiente, que objetivem a diversificação e a complementariedade de atividades rurais;

Apoiar e promover a reforma agrária, com sustentabilidade econômica e agroecológica, cumprindo a meta de assentar e prover a sustentabilidade de um milhão de famílias, em quatro anos, através da redução dos latifúndios improdutivos;

Promover a reversão da atuação dos bancos públicos oficiais, com orientação prioritária para a promoção do desenvolvimento e apoio à produção sustentada agroecologicamente, com acompanhamento direto da agência de desenvolvimento rural nacional, a ser criada, que irá também gerenciar os programas especiais do governo para o segmento, buscando o entendimento e a integração com as atividades rurais não agrícolas como forma de sustentação das políticas agrícolas regionais;

Promover um choque de crédito com a ampliação do aporte de recursos para o setor produtivo, com redução do custo dos financiamentos rurais, com absorção do risco das operações de crédito para os produtores dos segmentos priorizados na atuação do Governo, com seguro de preços mediante o estabelecimento da sistemática de equivalência em produto, através dos programas especiais com a marca do Moeda Verde;

Promover e apoiar a pesquisa agropecuária oficial, através da EMBRAPA e dos organismos estaduais a ela dedicados, e a assistência técnica e extensão rural nos Estados, através de instâncias nacionais de coordenação a serem implementadas, com priorização dos projetos que promovam uma nova matriz tecnológica, econômica e agroecologicamente sustentável;

Fomentar a atuação no segmento de agricultura familiar, principalmente através de suas formas associativas e de cooperativas, fortalecendo a comercialização dos produtos de consumo interno, com valorização dos mecanismos de integração das cadeias produtivas e da compra pelas instâncias de governo para utilização na merenda escolar;

Estabelecer um canal permanente de diálogo com as entidades de classe representativas de todos os intervenientes no meio rural, através dos Conselhos de Política Agrícola, de Desenvolvimento Rural Sustentável, do Fórum de Secretários Estaduais de Agricultura e mediante entendimentos com o Fórum Permanente de Defesa da Agricultura;

Defender a não utilização de organismos geneticamente modificados na agricultura brasileira, com ampliação dos estudos de impacto ambiental referentes ao uso de transgênicos, com rigoroso controle de todo esse processo pelos órgãos de defesa vegetal em todo o pais.

Agir, com rigor, na defesa dos interesses nacionais frente aos organismos de comércio exterior, contra as eventuais importações que vitimem a produção nacional e na abertura de novos mercados e na consolidação dos atuais para todos os segmentos produtivos.

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