São Paulo, domingo, 13 de maio de 2001


Envie esta notícia por e-mail para
assinantes do UOL ou da Folha
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

GUERRA DA COMIDA

Livro a sair na Inglaterra diz que produção globalizada é nociva à saúde pública

Pesquisador prevê embate por alimentos melhores

LEONARDO CRUZ
DE LONDRES

O século 21 será marcado por um forte embate: as demandas políticas da sociedade civil pelo direito de alimentar mais pessoas, de forma mais saudável, contra as diretrizes das grandes companhias produtoras de alimento e sua ênfase no lucro.
Essa é a opinião de Tim Lang, 53, professor de saúde pública da Thames Valley University, em Londres. Nos últimos 30 anos, o britânico Lang tem estudado as relações entre saúde pública e política alimentar. Escreveu seis livros sobre o tema e presta consultoria ao governo britânico, à Organização Mundial da Saúde e à Comissão Européia para Agricultura.
Na visão de Lang, que se diz um otimista, as pessoas estão começando a perceber a importância de se alimentar melhor, mesmo que seja necessário pagar mais pelo que comem. "Durante o século 20, as indústrias fizeram todas as experiências possíveis com plantas e animais para aumentar a produção. Deu certo, a produção cresceu, o alimento ficou mais barato, as empresas tiveram mais lucro. Mas a qualidade da comida piorou, e surgiram doenças ligadas aos hábitos alimentares. A sociedade começa a perceber que isso está errado."
Como exemplo dessa mudança, ele cita o crescimento do consumo de alimentos orgânicos e os debates surgidos dentro dos governos europeus para implantar políticas agrícolas que levem em conta o ambiente.
Desde 1994, o professor dirige na Thames Valley o Centro de Política Alimentar, em que coordena pesquisas que abordam desde o impacto dos transgênicos na comida até a importância da culinária para a alimentação. Neste mês, Lang lança sua nova obra, "Food Wars: Public Health & the Battle for Mouths, Minds and Markets" (Guerras Alimentares: Saúde Pública e a Batalha por Bocas, Mentes e Mercados, ed. Earthscan).
No livro, argumenta que o mercado global de compra e venda de alimentos, coordenado pela Organização Mundial do Comércio, só serve aos interesses das grandes companhias e é nocivo à sociedade e ao ambiente. "A saúde pública, que é diretamente afetada por isso, não pode ser prejudicada pelas leis do livre comércio."
Tim Lang recebeu a Folha no escritório londrino da Sustain, ONG ambientalista da qual é um dos diretores.

Folha - Em seu novo livro, o sr. diz que está surgindo no mundo uma nova política alimentar e de saúde pública. Como isso se manifesta?
Tim Lang -
É uma pressão que está vindo de baixo. A sociedade percebeu que a política alimentar adotada no século 20 está se desfazendo e começa a cobrar dos governos uma mudança.
Nos últimos 50 anos, surgiu um novo grupo social, o das companhias ligadas à produção e, principalmente, à comercialização de comida. Esse grupo passou a intervir na política alimentar e reduziu drasticamente o custo do alimento. Cresceu muito o uso de agrotóxicos e pesticidas nas lavouras, e a criação intensiva de animais foi maciçamente adotada na Europa. A comida ficou mais barata, porém de pior qualidade. Mas, como os lucros aumentaram, não houve questionamento dos efeitos dessa política para o planeta. Agora, esse impacto está sendo percebido.

Folha - De que forma?
Lang -
Com o desenvolvimento de problemas ligados a uma dieta inadequada, como doenças coronárias e diabetes, e as epidemias, como a do mal da vaca louca, com o impacto para o ambiente. Esses problemas não são muito novos, mas passam a afetar cada vez mais a vida das pessoas. E, por isso, elas começam a se perguntar: "O que é isso que estou comendo? Será que está me fazendo bem?". A sociedade está ficando com medo do que come.

Folha - E quais as alternativas para mudar essa situação?
Lang -
Há duas opções: aceitar os custos trazidos por uma alimentação melhor, ou seja, pagar mais por alimentos produzidos de forma mais saudável e, consequentemente, mais cara. Ou continuar com uma política de alimentos baratos, que exterioriza esses custos para a saúde das pessoas e para o ambiente. E esses custos não são baixos. Exemplo: o governo britânico está sob pressão para gastar dinheiro com remédios contra a obesidade, que é um problema que surge de dieta inadequada. Quem come direito e faz exercícios não precisa de pílulas contra a obesidade.

Folha - É possível falar em alimentos mais caros se, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), há 800 milhões de pessoas passando fome no mundo?
Lang -
Sim. O problema central para esse problema da fome não é a falta de alimento, mas a sua má distribuição. Além disso, a OMS afirma que 2 bilhões de pessoas têm doenças relacionadas à má alimentação. E isso afeta tanto países ricos quanto pobres.
O que precisa ser entendido é que uma maçã cultivada sem agrotóxicos pode ser mais cara no supermercado, mas será mais barata no balanço final, por ser mais saudável. E também não podemos mais arcar com os custos de uma agropecuária que seja prejudicial ao ambiente.
Aqui, no Reino Unido, o governo gasta 100 milhões de libras (aproximadamente R$ 320 milhões) por ano para retirar pesticidas de nossa água. Com doenças relacionadas a intoxicação alimentar, os gastos são de 1,5 bilhão de libras por ano. Fazendo as contas, fica claro que a comida que parece barata é na verdade cara.

Folha - Qual o impacto da globalização sobre a política alimentar?
Lang -
Com a filosofia liberal da globalização, as decisões sobre alimentos estão sendo tomadas de uma forma cada vez mais mundial e distante dos consumidores. Instituições como a Organização Mundial do Comércio estão redefinindo, de acordo com os interesses de grandes companhias, todas as regras para a comercialização de produtos.

Folha - Quais as consequências desse mercado global para a saúde pública?
Lang -
A busca pelo lucro fez com que os alimentos passassem a se deslocar mais e de forma muito mais rápida. O mercado global acabou com a produção local de comida. Para a saúde pública, isso é péssimo. O ideal é que a comida seja plantada, processada e consumida localmente. Porque, se algo der errado, sua doença será local também. A atual epidemia de febre aftosa na Europa é um exemplo. Antes que pudéssemos perceber o que estava acontecendo, cinco países já tinham registrado casos da doença.

Folha - Quais as mudanças em política alimentar que o sr. espera para o século 21?
Lang -
Pode soar utópico, mas acredito que as pressões para uma política alimentar mais saudável vencerão a visão dos que só buscam lucro. Será um processo lento, mas inevitável.


Texto Anterior: Crise: Tecnologia e epidemias provocam o medo de comer
Próximo Texto: Opinião: A comida se tornou uma commodity
Índice



Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita do Universo Online ou do detentor do copyright.