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GUERRA DA COMIDA
Livro a sair na Inglaterra diz que produção globalizada é nociva à saúde pública
Pesquisador prevê embate por alimentos melhores
LEONARDO CRUZ
DE LONDRES
O século 21 será marcado por um
forte embate: as demandas políticas
da sociedade civil pelo direito de alimentar mais pessoas, de forma mais
saudável, contra as diretrizes das
grandes companhias produtoras de
alimento e sua ênfase no lucro.
Essa é a opinião de Tim Lang, 53,
professor de saúde pública da Thames Valley University, em Londres.
Nos últimos 30 anos, o britânico Lang
tem estudado as relações entre saúde
pública e política alimentar. Escreveu
seis livros sobre o tema e presta consultoria ao governo britânico, à Organização Mundial da Saúde e à Comissão Européia para Agricultura.
Na visão de Lang, que se diz um otimista, as pessoas estão começando a
perceber a importância de se alimentar melhor, mesmo que seja
necessário pagar mais pelo
que comem. "Durante o século 20, as indústrias fizeram
todas as experiências possíveis com plantas e animais
para aumentar a produção.
Deu certo, a produção cresceu, o alimento ficou mais
barato, as empresas tiveram
mais lucro. Mas a qualidade
da comida piorou, e surgiram doenças ligadas aos hábitos alimentares. A sociedade começa a perceber que isso está errado."
Como exemplo dessa mudança, ele cita o crescimento
do consumo de alimentos orgânicos e os debates surgidos
dentro dos governos europeus para implantar políticas agrícolas que levem em conta o ambiente.
Desde 1994, o professor dirige na
Thames Valley o Centro de Política
Alimentar, em que coordena pesquisas que abordam desde o impacto dos
transgênicos na comida até a importância da culinária para a alimentação. Neste mês, Lang lança sua nova
obra, "Food Wars: Public Health &
the Battle for Mouths, Minds and
Markets" (Guerras Alimentares: Saúde Pública e a Batalha por Bocas,
Mentes e Mercados, ed. Earthscan).
No livro, argumenta que o mercado
global de compra e venda de alimentos, coordenado pela Organização
Mundial do Comércio, só serve aos
interesses das grandes companhias e
é nocivo à sociedade e ao ambiente.
"A saúde pública, que é diretamente
afetada por isso, não pode ser prejudicada pelas leis do livre comércio."
Tim Lang recebeu a Folha no escritório londrino da Sustain, ONG ambientalista da qual é um dos diretores.
Folha - Em seu novo livro, o sr. diz que
está surgindo no mundo uma nova política alimentar e de saúde pública. Como isso se manifesta?
Tim Lang - É uma pressão que está
vindo de baixo. A sociedade percebeu
que a política alimentar adotada no
século 20 está se desfazendo e começa
a cobrar dos governos uma mudança.
Nos últimos 50 anos, surgiu um novo grupo social, o das companhias ligadas à produção e, principalmente, à
comercialização de comida. Esse grupo passou a intervir na política alimentar e reduziu drasticamente o
custo do alimento. Cresceu muito o
uso de agrotóxicos e pesticidas nas lavouras, e a criação intensiva de animais foi maciçamente adotada na Europa. A comida ficou mais barata, porém de pior qualidade. Mas, como os
lucros aumentaram, não houve questionamento dos efeitos dessa política
para o planeta. Agora, esse impacto
está sendo percebido.
Folha - De que forma?
Lang - Com o desenvolvimento de
problemas ligados a uma dieta inadequada, como doenças coronárias e
diabetes, e as epidemias, como a do
mal da vaca louca, com o impacto para o ambiente. Esses problemas não
são muito novos, mas passam a afetar
cada vez mais a vida das pessoas. E,
por isso, elas começam a se perguntar: "O que é isso que estou comendo?
Será que está me fazendo bem?". A
sociedade está ficando com medo do
que come.
Folha - E quais as alternativas para
mudar essa situação?
Lang - Há duas opções: aceitar os
custos trazidos por uma alimentação
melhor, ou seja, pagar mais por alimentos produzidos de forma mais
saudável e, consequentemente, mais
cara. Ou continuar com uma política
de alimentos baratos, que exterioriza
esses custos para a saúde das pessoas
e para o ambiente. E esses custos não
são baixos. Exemplo: o governo britânico está sob pressão para gastar dinheiro com remédios contra a obesidade, que é um problema que surge
de dieta inadequada. Quem come direito e faz exercícios não precisa de
pílulas contra a obesidade.
Folha - É possível falar em alimentos
mais caros se, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), há 800 milhões de pessoas passando fome no
mundo?
Lang - Sim. O problema central para
esse problema da fome não é a falta de
alimento, mas a sua má distribuição.
Além disso, a OMS afirma que 2 bilhões de pessoas têm doenças relacionadas à má alimentação. E isso afeta
tanto países ricos quanto pobres.
O que precisa ser entendido é que
uma maçã cultivada sem agrotóxicos
pode ser mais cara no supermercado,
mas será mais barata no balanço final,
por ser mais saudável. E também não
podemos mais arcar com os custos de
uma agropecuária que seja prejudicial ao ambiente.
Aqui, no Reino Unido, o governo
gasta 100 milhões de libras (aproximadamente R$ 320 milhões) por ano
para retirar pesticidas de nossa água.
Com doenças relacionadas a intoxicação alimentar, os gastos são de 1,5
bilhão de libras por ano. Fazendo as
contas, fica claro que a comida que
parece barata é na verdade cara.
Folha - Qual o impacto da globalização sobre a política alimentar?
Lang - Com a filosofia liberal da globalização, as decisões sobre alimentos
estão sendo tomadas de uma forma
cada vez mais mundial e distante dos
consumidores. Instituições como a
Organização Mundial do Comércio
estão redefinindo, de acordo com os
interesses de grandes companhias,
todas as regras para a comercialização de produtos.
Folha - Quais as consequências desse
mercado global para a saúde pública?
Lang - A busca pelo lucro fez com
que os alimentos passassem a se deslocar mais e de forma muito mais rápida. O mercado global acabou com a
produção local de comida. Para a saúde pública, isso é péssimo. O ideal é
que a comida seja plantada, processada e consumida localmente. Porque,
se algo der errado, sua doença será local também. A atual epidemia de febre aftosa na Europa é um exemplo.
Antes que pudéssemos perceber o
que estava acontecendo, cinco países
já tinham registrado casos da doença.
Folha - Quais as mudanças em política alimentar que o sr. espera para o século 21?
Lang - Pode soar utópico, mas acredito que as pressões para uma política
alimentar mais saudável vencerão a
visão dos que só buscam lucro. Será
um processo lento, mas inevitável.
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