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EPIDEMIA
Pesquisa indica que 26% dos ingleses deixaram de comer carne devido à febre aftosa
Doenças revolucionam alimentação no Reino Unido
DE LONDRES
Lisa, 9, é uma menina britânica
como outra qualquer. Vai à escola
pela manhã, faz aulas de dança e
flauta durante as tardes e adora os
Anjinhos, personagens de um desenho animado de sucesso no
Reino Unido. Para descobrir o
que há de diferente nessa garota
de cabelos lisos e loiros, de bochechas coradas e olhos castanhos,
basta lhe oferecer um hambúrguer. "Não como carne, porque
minha mãe me falou que pode fazer mal", diz.
A negativa de Lisa é um exemplo de como os problemas relacionados à carne, constantes no
Reino Unido desde a década passada, estão provocando alterações
nos hábitos dos britânicos.
A menina, que ainda não sabe
explicar como um hambúrguer
pode fazer mal, é influenciada por
seus pais, John e Margaret Lorry,
que pararam de comer carne em
fevereiro. Naquele mês, o vírus
causador da febre aftosa foi detectado entre animais de
uma fazenda de Heddon-on-the-Wall, no norte da
Inglaterra. Era o início de
uma epidemia. Hoje o
Reino Unido soma mais
de 1.500 casos confirmados de animais doentes.
O aflovírus, que provoca ferimentos na boca,
nas patas e nas mamas de
vacas, ovelhas e porcos,
propaga-se rapidamente,
pelo ar, pelo contato entre animais e pela água.
Dois meses depois de os
primeiros casos terem
surgido no norte da Inglaterra, mais de 1.800 fazendas no país haviam sido afetadas pela doença,
que também já era encontrada na
França, na Holanda e na Irlanda.
O impacto maior foi, sem dúvida, no Reino Unido. Para conter a
epidemia, cerca de 2,5 milhões de
animais foram sacrificados. Estima-se que a doença, que só deve
estar totalmente controlada no
início de junho, provocará um
prejuízo de 30 bilhões de libras, o
equivalente a 3,6% do PIB britânico. Desse total, 5 bilhões de libras
são da indústria turística; por causa da aftosa, estradas e parques foram fechados, e festivais, cancelados. Em Cumbria, uma das áreas
mais atingidas, o movimento nos
hotéis caiu 80%. No feriado de
Páscoa, 60% dos britânicos que
planejavam viajar dentro do país
cancelaram suas programações.
Além de afetar o lazer do britânico, a aftosa também mudou os
hábitos alimentares locais. Em recente pesquisa do instituto NOP,
26% dos entrevistados disseram
que estão comendo menos carne
por causa da epidemia.
Vaca louca
No levantamento, a população
ainda aponta uma outra razão para a redução do consumo: o medo
do mal da vaca louca, doença
mais antiga, que atinge o gado
britânico desde os anos 80, provocando degenerações no cérebro
do animal.
Em 1996, cientistas descobriram
que o consumo de carne contaminada pelo mal da vaca louca pode
provocar a doença de Creutzfeldt-Jakob, que afeta o cérebro do homem e mata. É diferente da carne
com aftosa, que não tem efeito sobre humanos.
Assim como a aftosa, o mal da
vaca louca surgiu no Reino Unido, mas se espalhou pela Europa
durante os anos 90. A situação se
agravou no ano passado, quando
países como Alemanha e Espanha
registraram seus primeiros casos
da doença.
A primeira consequência disso
foi a queda do consumo de carne
bovina. Segundo dados da União
Européia, a população dos 15 países da comunidade come hoje
25% menos carne do que em 1995.
Na Alemanha e na Espanha, a
queda chegou a 40%.
"As pessoas estão perdendo fé
naquilo que comem", afirma o
jornalista John Humphrys, autor
de "The Great Food Gamble" (O
Grande Jogo da Comida, editora
Hodder & Stoughton), em que ele
analisa as mudanças nos hábitos
alimentares dos britânicos nos últimos anos.
Humphrys apresenta números
para mostrar que, por causa desse
medo da comida, há uma "revolução em curso no Reino Unido".
O jornalista se refere ao aumento
da procura por alimentos orgânicos, produtos elaborados de forma mais natural. Na lavoura, são
verduras, frutas e legumes produzidos sem agrotóxicos. Na pecuária, é a criação de gado extensiva,
sem aplicações de hormônios e
sem o uso de rações com proteína
animal.
Crescimento
Desde 1996, quando o medo do
mal da vaca louca atingiu seu auge
no Reino Unido, o consumo de
alimentos orgânicos cresce em
média 40% ao ano. É um mercado
que movimenta 500 milhões de libras, o equivalente a 5% de tudo o
que os supermercados britânicos
vendem. Hoje, uma em cada três
pessoas compra orgânicos regularmente no país.
O interesse por um alimento
mais saudável também é sentido
no resto da Europa. Nos últimos
dois anos, a procura por comida
orgânica cresceu 25% entre os
franceses. "A mensagem está clara para quem quiser ver: a humanidade precisa trabalhar com a
natureza, não contra ela. Essa é a
lição que temos de aprender do
desastre da vaca louca. Não podemos transformar vacas em canibais", avalia Franz Fischler, comissário para Agricultura da
União Européia.
Quando fala sobre o "desastre
da vaca louca", Fischler se refere à
forma como a doença se proliferou. Durante os anos 80, para aumentar a produtividade de seus
animais, fazendeiros britânicos fizeram diversas experiências com
seu gado. Uma delas foi alimentá-lo com ração fabricada com restos
de sangue, ossos e cartilagem dos
próprios bois, transformando
animais herbívoros em carnívoros. Acredita-se que a doença tenha se propagado por meio dessa
ração, produzida com restos de
animais doentes por muitos anos.
No Reino Unido, criadores que
"trabalharam com a natureza"
nunca enfrentaram problemas
com a vaca louca. Dos 170 mil animais britânicos contaminados
pela doença, nenhum caso foi encontrado em rebanhos totalmente orgânicos.
(LEONARDO CRUZ)
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