Livraria da Folha

 
15/10/2010 - 17h14

Estado é conivente com corrupção porque precisa dela, diz autor de "Elite da Tropa 2"

FERNANDA CORREIA
da Livraria da Folha

Luiz Eduardo Soares, André Batista e Rodrigo Pimentel escreveram "Elite da Tropa" em processo quase simbiótico com o roteiro de "Tropa de Elite". Para a continuação, Luiz Eduardo temia cair na redundância, não acreditando em um segundo livro. Material e histórias para escrever eles tinham, faltava uma questão que conduzisse a narrativa.

Cristina Lacerda/Divulgação
Da esquerda para a direita: Luiz Eduardo Soares, Cláudio Ferraz, André Batista, Rodrigo Pimentel, no lançamento de "Elite da Tropa 2"
Da esquerda para a direita: Luiz Eduardo Soares, Cláudio Ferraz, André Batista, Rodrigo Pimentel, no lançamento de "Elite da Tropa 2"

Ex-sub-secretário e coordenador de segurança pública no Rio de Janeiro, o antropólogo e cientista político convidou Cláudio Ferraz para integrar a equipe de "Elite da Tropa 2". Inimigo número um das milícias, possuía as histórias que precisavam para produzir o livro.

Todos envolvidos com o problema da segurança pública tinham consciência de estarem tocando em um vespeiro.

Luiz já havia sido ameaçado de morte, tendo atentados falsos à sua família noticiados, e estava preparado caso houvesse algum tipo de retaliação. Na época em que tentou implementar reformas no sistema policial, recebia "recados" da "banda podre" da polícia que discordava de suas ações. "A corrupção e a brutalidade precisam da anarquia e da desordem institucional para se manter", analisa.

Mais uma vez viu a necessidade de divulgar a ação ilegal da polícia, necessária para complementar o baixo orçamento da segurança pública. Em entrevista à Livraria da Folha, Luiz contou como foi o processo de escrita, como decidiram voltar ao tema, e as possibilidades de escrever mais um livro, ouça:

Livraria

A principal dificuldade de produzir "Elite da Tropa 2" foi enxugar o número de histórias. Para evitar que a edição final possuísse algo em torno de 600 páginas, foi preciso unir em um mesmo personagem casos parecidos, inclusive para proteger a identidade de algumas pessoas e situações, além daqueles que não poderiam ser revelados por questão de investigações. Era preciso identificar aquelas que eram mais importantes e reveladoras.

Bento Marzo/Divulgação
José Padilha pediu aos autores para segurarem o lançamento do livro e evitar o vazamento de qualquer informação sobre a trama
José Padilha pediu aos autores para segurarem o lançamento do livro e evitar o vazamento de qualquer informação sobre a trama

Nos dois livros, sem a pretensão de fazer um tratado filosófico ou ético, os autores buscaram tratar do comportamento policial. "As problemáticas centrais dos personagens são relativas a valores, à lealdade. Nossa tendência é nos mantermos leais aos nossos, aos entes queridos. Quando os policiais trabalham juntos e se salvam mutuamente, geram dívidas de gratidão e afeto", explica Luiz sobre a facilidade com que alguns passam por cima das leia para encobrir faltas de conhecidos.

Quanto aos problemas do Rio de Janeiro, o antropólogo explica que tenta divulgar a questão do orçamento precário há muitos anos. O sistema se sustenta através da ilegalidade, com o segundo emprego dos policiais na segurança privada. Os baixos salários e os altos riscos, os obrigam a recorrer a estas atividades para complementar a renda, tornando-se foras da lei com boas intenções. "Para evitar um colapso, as autoridades fingem que não vêem e toleram esta ilegalidade", o que oferece oportunidades para os maus intencionados agirem.

O que antes era chamado de "polícia mineira", provoca insegurança para cobrar o serviço que irão prestar. São, também, grupos de extermínio que agem nas áreas mais pobres como pistoleiros. A liberdade e a impunidade permitem que estes grupos cresçam e se organizem, chegando ao que hoje são as milícias. "Elas são filhas bastardas de longa maturação deste 'gato orçamentário'. O Estado tem um pé na legalidade e outro na ilegalidade. É cúmplice, sócio, parceiro e tolera a situação porque precisa dela. Como podemos, na área da segurança, conviver com uma situação dessas?".

Bento Marzo/Divulgação
Bope continua subindo nos morros cariocas para erradicar violência e drogas; Matias agora é o líder do grupo de operações especiais
Bope continua subindo nos morros cariocas para erradicar violência e drogas; Matias agora é o líder do grupo de operações especiais

"A corrupção política é indissociável da policial. A visão do carioca, e do brasileiro, sobre a violência no Rio é uma visão distorcida, míope. Para eles o grande problema é o tráfico de drogas e armas, e ele é importante, mas está em declínio e longe de ser a principal questão. As máfias policiais são muito mais cruéis e poderosas do que os traficantes. É um problema policial e político. Há uma articulação na polícia para manter as milícias, enquanto os candidatos precisam dos currais eleitorais tiranicamente formados por estas organizações".

Para resolver estas questões, explica que é preciso reajustar a verba para a segurança pública. Enquanto o cidadão o comum deve se informar e abandonar os estereótipos de que é necessário armar o policial, endurecer as leis e bandido deve apanhar. É preciso entender o processo e exigir a mudança. "A questão chave é reconstituir as organizações, separando os grupos criminosos. Isso demora uns dez anos, mas precisa começar.", finaliza.

Os próximos projetos de Luiz são um roteiro quase pronto, escrito com José Padilha. "Nunca Antes na História desse País" é uma espécie de desdobramento de "Tropa de Elite 2", no qual eles tocam na questão política brasileira. Na literatura, prepara a biografia de um traficante internacional, que pode virar uma graphic novel após o lançamento, com a parceria do designer gráfico Marcos Vagner.

 
Voltar ao topo da página