São Paulo, quarta-feira, 5 de janeiro de 1994
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A hora dos beneficiados

JANIO DE FREITAS

A fase que a CPI inicia hoje, com a aceleração e até improvisação de inquirições, fere um princípio fundamental de justiça, ao dar tratamentos diferenciados entre os depoentes da primeira fase e os novos convocados, em benefício destes. Quer prevaleça a divisão da CPI em dois plenários inquiridores, quer seja adotada a inquirição de parte dos novos convocados apenas por pequenos grupos de membros da CPI, estará consumado o tratamento discriminatório e arbitrário.
Tanto na divisão da CPI, como na divisão dos novos depoentes entre os que deporão para meio plenário e os que farão para três ou quatro parlamentares, em nenhum destes depoimentos os inquiridores rigorosos estarão juntos. Entre os 22 integrantes da CPI, não passam de meia-dúzia os que, além de preparados para a formulação de perguntas sérias, têm a dignidade parlamentar de fazê-las. Estes motores da CPI (convém notar que entre eles está o relator Roberto Magalhães), uns complementando os outros, tiveram que ser enfrentados em bloco pelos depoentes da fase ontem encerrada. Os novos depoentes gozarão do tranquilizante privilégio de não ter aquela artilharia pela frente.
Em relação ao tempo, tudo é favorável aos novos convocados. Os 10 minutos regimentais de que dispõe cada integrante da CPI, para formular suas perguntas, parecem horas quando usados por parlamentares do tipo dos dois Rollembergs, o paulista Roberto e o sergipano Francisco, que usam o tempo para divagações primárias que os façam aparecer, mas sem que façam perguntas dignas da tarefa de que foram incumbidos em má hora. Assim é a maioria absoluta da CPI, ou por falta de aplicação e preparo técnico, ou pela tão disseminada sabujice política. Para os que são motores da CPI, porém, os 10 minutos são um cerceamento grosseiro, tanto mais se o depoente tem a esperteza de espichar ao máximo cada resposta (Paes Landim ocupou quase todo o tempo do eficientíssimo Aloizio Mercadante com uma longa digressão sobre a geografia do Piauí e a sublegenda eleitoral criada no governo Castello). A proporção em que a CPI caminhou, o senador Passarinho mostrou-se mais e mais compreensivo com este problema dos bons inquiridores, permitindo até, como ontem, o uso de meia hora. Mas o problema persiste e agora vai se agravar.
Para que seja cumprida a programação de três depoimentos por dia, cada um deles terá um tempo limitado, o que já representa vantagem para os novos depoentes em relação aos anteriores. E a limitação se refletirá de dois modos sobre o tempo dos inquiridores: não serão possíveis as convenientes dilatações e o número de inscritos para inquirir não poderá ser grande. Os depoentes anteriores não tiveram o benefício desta dupla compressão da CPI.
Assessores técnicos da comissão já expuseram à repórter Gabriela Wolthers, da Folha, a impossibilidade de produzir, para três depoimentos por dia, os levantamentos bancários, patrimoniais e funcionais com que municiam os inquiridores para cada interrogatório. Os que depuseram até ontem sentiram todos, mesmo quando capazes de dar respostas satisfatórias, a importância fundamental dos levantamentos para a eficácia da CPI. A maioria dos novos depoentes estará dispensada de tal adversidade.
A falta de condições para os assessores, acrescente-se que cada bom inquiridor consome muitas horas estudando o dossiê sobre o depoente, para selecionar as questões mais produtivas em sua inquirição e, depois, para ser capaz de detectar e bloquear possíveis escapismos nas respostas. Com três inquirições a fazer por dia, nenhum inquiridor, mesmo que munido de algum levantamento, terá tempo de estudá-lo convenientemente e dele extrair as indagações mais significativas. Os motores da CPI estarão assim impedidos de demonstrar, diante dos novos depoentes, a mesma potência que exibiram aos depoentes anteriores.
Por que isso? Porque a prioridade, para quem elegeu este Congresso, é a CPI, mas a de quase todo o Congresso é para encerrá-la.

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