São Paulo, sábado, 15 de janeiro de 1994 |
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Volta o cortina de bambu
SANDOVAL CARNEIRO JR Volta a cortina de bambuFoi quase tão previsível como as manchetes que aparecem nos jornais em certas ocasiões, como nos dias antecedentes ao feriado dedicado aos mortos: "Preço das flores sobe acima da inflação às vésperas de Finados". Embora não tenha merecido o destaque dedicado às flores e aos peixes, o decreto publicado no Diário Oficial da União de 8 de outubro foi divulgado em manchetes secundárias: "Governo suspende viagens de funcionários públicos ao exterior". De forma autoritária, a decisão foi tomada sem sequer ouvir alguns ministérios afetados, como o da Educação e o da Ciência e Tecnologia. No caso específico dos pesquisadores e professores de ensino superior, a participação em congressos científicos no exterior é fundamental para balisar a qualidade e os rumos de investigação, além de propiciar aos pesquisadores oportunidades para a troca de idéias com seus colegas e o acesso ao que há de mais recente na evolução do conhecimento científico. As restrições introduzidas pelo decreto ameaçam o acesso que diversos grupos de brasileiros conseguiram junto a centro de pesquisas detentores de tecnologias não disponíveis no Brasil. Essa entrada permite que nossos pesquisadores utilizem gratuitamente equipamentos de custo muitíssimo elevado por determinados períodos, programados com meses e até anos de antecedência. Uma vez aceitos os trabalhos ou programações de experiências em laboratório, a "via crucis" do pesquisador continua com o custeio de viagem e estadia. Para os pesquisadores das instituições federais de ensino superior, as duas agências principais são a Capes (MEC) e o CNPq (MCT), que têm parcela pequena do orçamento alocada para essas viagens, só podendo atender a menos de 30% dos pedidos. Ambas têm como política aprovar no máximo uma viagem a cada dois anos para um determinado pesquisador após análise criteriosa do pedido, realizado por comitês técnicos de cada área. A última estação da "via crucis" é a permissão para afastamento do país, só concedida pelo presidente da República! Por delegação de competência, os ministros de Estado estavam autorizados a conceder tal "privilégio", mas o decreto retirou-lhes esta prerrogativa. Agora o processo, após aprovação nos diversos colegiados das instituições federais de ensino superior, é encaminhado ao MEC, de onde é enviado à Casa Civil. No governo Sarney, medida semelhante foi adotada e mereceu inspirado artigo de Claudio Moura Castro sob o título "Cortina de Bambu". Castro comparava o decreto a uma versão tupiniquim da Cortina de Ferro, por impedir, em última análise, o livre trânsito dos pesquisadores e professores. Desde então a Cortina de Ferro, que vinha sendo corroída aos poucos, desabou estrondosamente com o Muro de Berlim. Resta-nos agora torcer para algum cupim de bom senso roer a nossa "Cortina de Bambu", de forma que esta desapareça para sempre. Texto Anterior: Operação combate mosquito da dengue Próximo Texto: Polícia Militar ocupa Acari após ataque Índice |
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