São Paulo, sábado, 15 de janeiro de 1994
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Hipocrisia de graça

NÃO

JOSÉ CARLOS DE ALMEIDA AZEVEDO

Em país subdesenvolvido, o público e o gratuito são geralmente sinônimos, mas nada justifica, no Brasil, país com o maior contingente de analfabetos do Ocidente, que o pobre e o remediado paguem a educação dos ricos.
Na universidade pública, o aluno custa uns US$ 8.000 ao ano, mas no Piauí e nas Alagoas, o governo gasta uns US$ 30 por ano por aluno de 1.º grau. Sendo de US$ 140 a média nacional, cada universitário ocupa o lugar de 300 piauienses e alagoanos, ou 60 brasileiros.
Mas não é só: os ricos estudam nas universidades públicas e nas particulares de 1.º e 2.º graus; aos pobres, resta o oposto, com o que são penalizados duas vezes, no bolso e na qualidade. Desde que todos estudem, justo seria pagar quem pode e dar bolsa aos que não podem.
Por que os governos anteriores não cumpriram as Constituições que só garantiam gratuidade para o ensino de base? Como se não bastasse, a atual Constituição prometeu o paraíso terrestre e a felicidade a todos –tudo é de graça, da pré-pré-escola ao pós-pós-doutoramento. Vasta hipocrisia, prometer 20 anos e não ter competência de oferecer quatro anos de escolaridade a todos. Paga o povo pela gratuidade que só beneficia privilegiados.
É bom repetir: "A regra da igualdade não consiste senão em aquinhoar desigualmente aos desiguais à medida que se desigualam. Tratar com desigualdade aos iguais ou aos desiguais com igualdade seria desigualdade flagrante e não igualdade real". Legisladores falam em justiça social sem dar resposta aos problemas da educação, saúde e previdência.
Quem acha que o MEC não vai falir ignora que uns 70% de suas verbas orçamentárias vão para o 3.º grau, onde mais de 90% são aplicadas em pessoal. E que pessoal! É pois justo e honesto que o ministro Fernando Henrique Cardoso se preocupe com a gratuidade indiscriminada na universidade pública; e se atentar para o empreguismo que nela existe e o "Deus nobis haec otia fecit" que nela impera, vai se preocupar muitíssimo mais.
A demagogia e a omissão inviabilizam o Brasil. Há uns 15 anos, justificando esta mesmíssima posição, mencionei a carta irônica enviada a Londres, em 1867, pelo governador de Trinidad, questionando o uso de verba pública na construção de escolas gratuitas para os ricos; para ele, os únicos interessados em vê-los educados, seriam os pobres... certamente porque seriam melhor tratados. Terminou citando Adam Smith sobre a inutilidade da demagogia. Mais de um século depois, no país dos bonzinhos com o dinheiro alheio, tudo continua como dantes. Assim, vamos acabar nos filiando à Comunidade dos Países Africanos.

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