São Paulo, domingo, 16 de janeiro de 1994
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Desempenho ainda é 'pífio'

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

Grigorij Alexandrovitch Potemkin não foi apenas o conselheiro de Catarina 2.ª que deu seu nome ao encouraçado russo cuja tripulação se amotinou em 1905. Ele foi um histórico farsante. Em 1787, mandou construir em madeira e cartolina cenários de prósperas aldeias da Criméia para que a czarina não descobrisse o embuste de seus planos de colonização.
Seria cruel uma analogia entre as "aldeias Potemkin" e o desempenho da economia de mercado na ex-Alemanha Oriental. Pois é o que faz o escritor Robert Kurz, em "O Retorno de Potemkin, capitalismo de fachada e o conflito distributivo na Alemanha", editado pela Paz e Terra. Da mesma editora e com o mesmo tema, a revista "Política Externa" traz em seu último número o artigo "Alemanha: a liberdade e seus dissabores", de Fritz Stern, professor da Universidade de Columbia (EUA).
Uma advertência: nenhum dos dois sente saudades do regime pró-soviético que moldou, entre 1945 e 1989, a República Democrática Alemã (RDA). Eles procuram simplesmente, o que já é ambicioso, interrogar as razões estruturais do desfecho por enquanto pífio daquilo que parecia ser, quando da queda do Muro de Berlim, um lindo conto de fadas.
Stern envereda mais pelos efeitos sócio-psicológicos da unificação. Os 17 milhões de cidadãos do lado oriental sentem-se colonizados, com quadros políticos e administrativos do oeste assumindo o comando das empresas e do Estado, porque são eles os únicos que visam a rentabilidade e a eficácia de suas decisões. Os orientais se vêem ainda sob a suspeita de terem integrado a rede da Stasi –a polícia política, com seus 140 mil colaboradores oficiosos–, o que não deixa de ser, para os ocidentais, uma forma cômoda e indireta de, ao apontarem o lado podre do vizinho, enterrar as simpatias e as formas mais ou menos diretas de participação no 3.º Reich.
"A Alemanha unificada está mais dividida do que antes. O muro material foi internalizado", diz Stern. A taxa de desemprego é três vezes superior nos "landers" orientais. Apesar do "pacto de solidariedade", votado em Bonn em março do ano passado –investimento por dez anos de 7% do PIB na ex-RDA–, o fosso, em lugar de diminuir, tende ainda a aumentar.
Robert Kurz é mais contundente. Ele acredita, pura e simplesmente, que a unificação das duas Alemanhas não tem muito jeito. Exemplos? O "custo de um posto de trabalho" é de US$ 173 mil, mesmo investimento necessário para que um emprego seja criado. Ora, dos dez milhões de ex-alemães orientais empregados antes de 1989, só a metade tem alguma garantia de não ser expelida do mercado.
Para os empresários ocidentais, a população alemã-oriental é mercado de consumo (30 shoppings projetados ou em construção em Leipzig), e não força produtiva. Eles programavam investir, em 1992, US$ 10 bilhões no lado oriental. Mas tinham como prioridade o setor imobiliário e as ações da Treuhand (holding da desestatização de empresas rentáveis, que não criam mão-de-obra) e o setor telefônico.
Restariam os investimentos externos. Mas veio a recessão. Americanos e japoneses não ficaram seduzidos. Os iranianos, com maior entusiasmo, compraram uma fábrida de bicicletas.

Autor: Fritz Stern
Artigo: "Alemanha: a liberdade e seus dissabores"
Revista: "Política Externa" (USP/Paz e Terra, CR$ 3.300)

Autor: Robert Kurz
Livro: O Retorno de Potemkin - capitalismo de fachada e conflito distributivo na Alemanha" (Paz e Terra, CR$ 4.800)

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