São Paulo, domingo, 16 de janeiro de 1994
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Beijos, amores

MARCELO COELHO

SÃO PAULO – A fotografia do senador Jarbas Passarinho beijando sua namorada, Armênia Oliveira, deu uma nota feliz aos jornais desta semana. Passarinho comemorava 74 anos de idade. Armênia tem 39, e parece ser bonita.
Em meio a um ambiente político bastante grave, não deixa de ser animador o registro de um romance em curso. Como se sabe, Passarinho viveu anos de sólida, convicta, penalizante viuvez. Visitava regularmente o túmulo da esposa. Isso também é bonito. Mas que agora ele tenha uma namorada morena, brasileiríssima e jovem é ótima notícia.
Assistimos a uma vitória da vida sobre a morte, sobre a velhice, sobre as amarguras da idade.
O episódio é, de certo modo, simbólico. Toda a carreira política de Passarinho marcou-se por papéis antipáticos. Sua função foi sempre a de dar um brilho dialético, um tom de inteligência agressiva à estupidez do regime militar.
Como presidente da CPI do Orçamento, Passarinho conseguiu ser simpático. Antigo virtuose da implicância, de um conservadorismo entre lacerdista e gaulês, Passarinho pode dar curso mais livre e público a suas tiradas humorísticas, a sua inegável inteligência. E seu poder de sedução é recompensado finalmente.
O senador se humaniza. O ex-ministro namora.
Há nesse caso uma clara influência do estilo Itamar Franco. Nosso presidente, por mais que dele falem mal, é galante, desempenado, gracioso.
Não é apenas o caso de dizer que eles humanizam o governo. Os tropeços conjugais de Collor, a timidez constrangedora de Sarney, as besteiras de Figueiredo também davam um toque pessoal ao exercício do poder.
Itamar e Passarinho fazem mais do que isso. São faustianos, são mortais, são felizes. Há neles uma esperança, ao menos, de felicidade. Vivem: sua vida extravasa as funções de que estão incumbidos. São volitivos, vaidosos na madurez.
Claro que isso não ajuda o país. Mas confere, aos jornais do dia, uma aragem de romantismo e simpatia conquistadora; um poder de superação imaginária dos problemas que nos afligem. Uma diversão, enfim; feita de otimismo e fragilidade. Como o próprio amor.

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