São Paulo, terça-feira, 18 de janeiro de 1994
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É isto um homem?

"And when he falls, he falls like Lucifer, Never to hope again."*
Shakespeare, "Henrique 8.º"

Jesus Cristo de Nazaré. É assim que ele se apresenta, mas outros preferem chamá-lo de homem-rato ou mesmo de homem-barata. Resta saber o que permaneceu do substantivo "homem".
Jesus Cristo de Nazaré vive nos esgotos de Belo Horizonte tendo como companhia ratos, baratas e toda espécie de bactérias que se desenvolvem nos excrementos de uma sociedade doente. Bebe da água pútrida que percorre as mefíticas galerias da capital mineira e se alimenta de lixo, desafiando os compêndios de higiene.
Jesus Cristo de Nazaré parece já ter-se habituado a sobreviver sob essas condições –só, calado. E os brasileiros parecem já ter-se habituado a conviver com esses indecentes níveis de miséria –quietos, impassíveis. Jesus Cristo de Nazaré não é o único homem-barata que subabita os subterrâneos de Belo Horizonte e sabe-se lá de quantas mais cidades deste país em que os viadutos já não comportam a legião de indigentes.
Parece não haver limites para o nível de degradação a que os homens, individualmente, podem ser submetidos. Apesar de empurrados para muito aquém da fronteira da humanidade, de privados de tudo o que há de mais básico e de suportarem as mais odiosas torturas criadas pela sanha nazista, houve quem sobreviveu a Auschwitz. Já a sociedade que admite que seus membros vivam em bueiros está profundamente enferma e corre o risco de romper-se, de sucumbir diante da indiferença e da desumanização.
O Brasil ainda não se converteu num imenso campo de concentração, mas chegará lá, se nada for feito. E modificar um pouco os vergonhosos índices de distribuição de renda para tentar diminuir a miséria é um imperativo mais do que urgente, se o país deseja permanecer como uma sociedade e não como uma cloaca.
* Tradução: "E quando ele cai, cai como Lúcifer, Para nunca mais ter esperança".

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