São Paulo, quinta-feira, 27 de janeiro de 1994
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Nossos doentes ameaçados

LUÍS NASSIF

O Congresso e a equipe econômica podem estar jogando pela janela a primeira oportunidade concreta de se dar uma destinação digna e legítima aos tributos. Depois de impasses na negociação do novo Orçamento, ambos os lados avançaram mais uma vez sobre a linha de menor resistência: a do dinheiro que retorna diretamente aos contribuintes, na forma de financiamento da saúde.
O Ministério da Saúde precisa de US$ 14 bilhões para implantar seus programas –o Orçamento previu apenas US$ 9 bilhões. Sequer dará para o atendimento de internações e procedimentos ambulatoriais.
É um dinheiro que não prevê a ação de intermediários, nem a negociação política para ser liberado. Não rende votos nem propinas: apenas salva vidas e confere dignidade aos tributos. Isso explica o fato de, mais uma vez, avançar-se sobre a área de menor resistência: a dos pobres e desassistidos. Jamais Sudene, Sudam, incentivos fiscais.
Dependendo dos acordos fechados entre equipe econômica e Congresso, o setor de saúde será vitima de duas hecatombes. Uma, imediata, é jogá-lo na mesma situação sórdida do ano passado, com doentes morrendo por falta de assistência e casas de misericórdia fechando por falta de recursos. A segunda, é comprometer irremediavelmente o mais importante programa de descentralização da história da República –a municipalização da saúde.
A denúncia é do ministro Henrique Santillo, que tem se constituído em figura ativa da grande conspiração para colocar o Estado brasileiro a serviço da cidadania.
Os gastos com saúde cairam em 50% nos últimos cinco anos. No ano passado, representaram US$ 50 "per capita", o que iguala o Brasil aos piores níveis africanos. Além disso, a escassez de recursos levou o Ministério a atribuir os mais baixos valores de mercado aos chamados processos curativos, deixando cerca de 30 milhões de pessoas sem nenhum tipo de assistência médica.
Descentralização e dignidade
O processo de descentralização, conduzido por Santillo, é de enorme ressonância social. Permitirá a execução descentralizada de uma série de programas básicos. A saber:
Saúde da família – garantia da presença permanente de um médico e equipe mínima em pelo menos 2.500 comunidades hoje abandonadas, abrangendo uma população de 12 milhões de pessoas.
Interiorização do SUS – fixação de uma equipe com médico, auxiliar de enfermagem e agentes comunitários de saúde, inicialmente em 211 municípios carentes da região norte.
Ambulatório de alta resolução – reforma e reequipamento de 500 ambulatórios em todos os municípios com população inferior a 100 mil habitantes, para funcionar 24 horas por dia, com serviços de raio-X, laboratório de análises clínicas, salas de parto e de pequena cirurgia.
Farmácia popular – oferta de uma cesta básica de remédios, por metade do preço praticado pelos laboratórios, para compra descentralizda por parte de Estados e municípios.
E por aí adiante. O Congresso e a equipe econômica não podem mais tratar a dívida social como mera figura de retórica. Não existe mais essa de responsabilidade social em tese.
Show bizz e diplomacia
Repousam nos arquivos do Itamaraty e do Ministério da Aeronáutica incidente diplomático grave, que poderia ter trazido sequelas ao relacionamento do Brasil com a Venezuela.
Meses atrás, um helicóptero militar brasileiro, conduzindo o procurador-geral da República, Aristides Junqueira –e provavelmente o ministro da Justiça Maurício Corrêa–, invadiu o espaço aéreo venezuelano.
No momento em que entravam na Venezuela, o procurador foi alertado pelo piloto de que estavam invadindo território estrangeiro. Aristides mandou prosseguir o vôo. Constavam da comitiva cinegrafistas, incumbidos de registrar para todo o país o momento em que o procurador pisasse em solo da aldeia indígena.
Foi infração grave, no plano do direito internacional. O episódio não foi divulgado até agora por razões variados. Do lado do Itamaraty, porque representa uma mancha na tradição diplomática brasileira e porque, aparentemente, a Venezuela não se deu conta do ocorrido. Da parte da Aeronáutica porque, apesar do procurador ter dado ordem de prosseguir viagem, para efeitos legais o responsável único pelo aparelho era o oficial que o conduzia.

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