São Paulo, quinta-feira, 27 de janeiro de 1994
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Prozac acaba com a melhor brincadeira

DAVID DREW ZINGG
DE NOVA YORK

Acabo de voltar a meu hotel para me recuperar de uma experiência assustadora. Não estou falando da onda de frio que está fazendo todo mundo aqui tremer tanto que mal conseguem abrir suas bocas quase congeladas para falar alguma coisa. É que acabo de levar um banho de água gelada, dado por uma amiga superaquecida.
No departamento romântico tio Dave não passa de um cara normal, mas esta amiga, editora de uma revista de moda, sempre foi o que Paulo Francis, num momento de genialidade, certa vez descreveu como "user-friendly". Ou seja, quando tio Dave sentia vontade de vadiar um pouco, bastava visitar sua amiga editora e antes que pudesse dizer "Baby, está um frio danado lá fora" ela já o esquentava um pouco, por assim dizer. Ela o levava além do ponto de fervura, se vocês me entendem.
Mas é bom saber que almoço de graça é uma coisa que não existe, Joãozinho. Em troca dos prazeres oferecidos por minha amiga eu tinha que aguentar seus humores, que variavam loucamente. Num momento ela ria como doida, e uma fração de segundo depois ela me atacava física e verbalmente –uma espécie de Miles Davis feminina, exagerada à milésima potência. Toda vez que dividíamos um quarto, este depois se transformava num pronto-socorro para tratamento de depressão. Minha amiga tornou-se a mais recente integrante do Living Dead.
Minha amiga editora vivia arriscando-se a ser carregada para um asilo de pessoas qualificadas como "um risco para elas mesmas e outras pessoas".
Mas nesta última visita que fiz à senhorita Generosa, tudo isso havia mudado.
Em primeiro lugar ela não demonstrava mais o menor interesse por sexo, que sempre havia sido seu esporte caseiro favorito. Em segundo, ela se transformara numa espécie de boneca Barbie. A antiga personalidade Miles Davis se transformou numa mulher robô da era espacial, doce, sorridente e boazinha. Ela está funcionando numa velocidade só –completamente calma e sorridente.
Eu não conseguia acreditar no que meus olhos estavam vendo, então fiz a pergunta óbvia: "O que aconteceu?"
Sua resposta foi simples: Prozac.
Para aqueles entre vocês que são pouco versados no fascinante mundo da farmacologia, tio Dave vai explicar. Prozac é a droga do momento aqui na Gringolândia, uma sociedade que engole mais comprimidos por ano do que existem borrachudos em Ilha Bela.
Prozac tomou o lugar dos velhos calmantes e dos medicamentos psicoativos mais fortes como Thorazine e Mellaril, que é usado para acalmar maníacos. Prozac está sendo tão amplamente utilizado por aqui que você só percebe que um amigo ou amiga o está usando quando ele ou ela demonstram o que as obras de referência médica descrevem como "uma redução do desejo".
Foi exatamente o que aconteceu com a minha Barbie. Ela perdeu o desejo. Em troca pela perda do interesse pelas brincadeiras de cama ela agora está feliz, cheia de energia, concentrada e funciona numa velocidade só. Melhor ainda, ela está bonita. Prozac reduz seus usuários a dimensões que fariam uma modelo da Ford parecer uma garota de capa da "Elle".
O único problema é que tio Dave não precisa de Prozac. Mesmo velhos de mente suja precisam de um pouco de sexo de vez em quando, mas parece que hoje tio Dave vai ter que congelar na cama. Sozinho.
"Mrs. Doubtfire"
Num dos filmes mais engraçados da temporada, Robin Williams faz o papel de Mrs. Doubtfire, num filme chamado no Brasil "Uma Babá Quase Perfeita".
O personagem de Williams é um pai desligado, eternamente adolescente a quem o divórcio deixa passar muito pouco tempo com seus três filhos. "Sou viciado em meus filhos!" ele grita, desesperado.
A mãe das crianças, prisioneira de sua carreira profissional, parece ignorá-las. Robin Williams reaparece na vida deles disfarçado de babá, "Mrs. Doubtfire", e dá às crianças o cuidado e a atenção de que estão precisando.
Por baixo das risadas, o filme contém várias camadas de mensagens: a dor agoniante do divórcio, a luta dos pais para não perderem o contato com seus filhos, o estilo de vida das mulheres de hoje e um sistema legal que muitas vezes brutaliza os homens.
Robin Williams conhece Mrs. Doubtfire intimamente. Aqui vão alguns de seus comentários a respeito da babá:
Sobre a roupa de baixo que o fazia parecer uma matrona de meia-idade:
- É meu saco de ar próprio. Não preciso comprar uma Honda. Se houver um acidente, eu fico inflado.
Comentário da sra. Doubtfire, sobre ser mal-comportada:
- "Oh céus! Estou agindo exatamente como Sharon Stone. Me perdoe –faz uma semana que não depilo as pernas."
Não deixe de assistir o filme - é engraçado e também profundo.
Além das categorias
Duke Ellington era, como ele mesmo costumava dizer em relação a pessoas e coisas extraordinárias, "além das categorias". Durante mais de sete décadas ele compôs e tocou a música que iria se tornar a definição mais complexa do que é o jazz.
Tive o dever jornalístico e o prazer pessoal de ouvir Le Grand Duke de perto, quando o cobri para revistas como "Life", "Look" e "Esquire". Le Grand Duke era um homem talentoso e vaidoso.
Ele teria adorado ler sobre si mesmo em dois novos livros recém-lançados, dedicados a sua obra. Quem sabe pouco sobre ele pode ler "Beyond Category - The Life and Genius of Duke Ellington", de John Edward Hasse, publicado pela Simon & Schuster. Hasse trabalha no Smithsonian Institute como curador de música americana. Se você curte a música de Duke Ellington mas não sabe nada sobre sua vida extraordinária, este é o livro certo para você se iniciar.
Por outro lado, se você sabe muito sobre Duke mas quer curti-lo ainda mais, encomende "The Duke Ellington Reader", de Mark Tucker, publicado pela Oxford University Press. Tucker é professor de música na Universidade Columbia, que já formou algumas pessoas bastante brilhantes, entre as quais alguns brasileiros.
Numa de nossas aulas futuras o Velho Professor de Música Dave vai contar a vocês sobre a vez que atravessou uma nevasca no banco de trás da limusine Chrysler de Duke Ellington.
Chegue perto da TV
O "The Wall Street Journal" tem boas notícias para todos vocês, ratos de sofá. O "Journal" conta que foi inventada na Asia um "bio-televisor" saudável. Este aparelho de TV converte aquelas ondas eletromagnéticas prejudiciais emitidas pelos televisores comuns em raios infravermelhos benéficos que ajudam o crescimento de plantas e animais. Colocados diante do televisor, cebolas crescem duas vezes mais rápido do que o normal e girinos vivem duas vezes mais tempo.
Estou procurando um doleiro para trocar meus cruzeiros reais pro cerca de 820.000 coreanos.
Calculo que se o novo aparelho mágico consegue fazer isso por cebolas e girinos, tio Dave deve conseguir chegar aos 140 anos, mais ou menos, com todos seus cabelos no devido lugar, bastando para isso ligar a "bio tv" e assistir a Cartoon Network 24 horas por dia.

Tradução de Clara Allain

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