São Paulo, quinta-feira, 27 de janeiro de 1994
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'Brasileiros estão aqui só de passagem'

FERNANDA GODOY
DE NOVA YORK

Durante três anos, a antropóloga Maxine Margolis visitou as superpovoadas casas de brasileiros em Astoria, Queens e outros bairros de Nova York. Comeu feijoada, assistiu a shows em cabarés que apresentam dançarinas brasileiras e até participou, espantada, da festa cívica proporcionada pela transmissão de um jogo da Copa do Mundo.
Seu livro, cujo lançamento no Brasil está sendo negociado com uma grande editora, é uma tradução viva e colorida dessa convivência. Maxine tenta mostrar a existência de uma comunidade que rejeita a classificação "hispânica", mas está preocupada demais em voltar ao Brasil para tentar se fazer notar nos EUA.
Maxine Margolis vive em um confortável apartamento a poucos metros do Empire State. Foi lá que ela concedeu à Folha –em português fluente, adquirido em mais de dez viagens ao Brasil– a seguinte entrevista:
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Folha - Seu livro inicialmente ia se chamar "A Comunidade Invisível". O que faz os brasileiros invisíveis em Nova York?
Maxine Margolis - Em primeiro lugar, a ignorância dos americanos, que não sabem onde fica o Brasil nem que lá se fala português. Não sabem fazer a distinção entre brasileiros e outros latino-americanos. Além disso, os brasileiros não têm clubes, associações, organizações da comunidade. E são relativamente poucos os negócios e lojas de brasileiros.
Folha - Os brasileiros têm vergonha de ser imigrantes?
Maxine - Sim. Quase 90% dizem que não são imigrantes, que estão aqui só de passagem. O brasileiro sempre diz que vai voltar "no fim do ano", ou "quando fizer um pé-de-meia de US$ 20 mil" ou "quando a economia do país melhorar". Muitos vivem o que eu chamo de "síndrome da cabeça em dois mundos". Mesmo os que fazem mais sacrifícios para economizar dinheiro gastam US$ 85, US$ 100 e até US$ 200 por mês em ligações telefônicas para o Brasil. Compram jornais, revistas, alugam fitas do "Fantástico". É incrível.
Folha - Seu estudo mostra as duras condições de vida dos imigrantes brasileiros em Nova York, muitos deles filhos da classe média. Como a queda de status é recebida?
Maxine - Com muita dificuldade. Quem tinha empregada lá é empregada aqui. Os imigrantes aqui têm os empregos mais baixos. E uma pessoa da classe média no Brasil nunca, nunca, nunca vai pensar em trabalhar como lavador de pratos. Os imigrantes se defendem da frustração pensando que vão fazer esses serviços só por um ou dois anos, que é uma situação temporária.
Folha - E quantos conseguem sair desses trabalhos braçais para atividades mais bem pagas?
Maxine - Por enquanto, muito poucos. As poucas "histórias de sucesso" que existem são de pessoas que estão aqui há pelo menos oito, dez anos.
Folha - A sra. esteve até em Governador Valadares (MG) para ver o impacto dessa imigração. Constatou o impulso à construção civil, por exemplo, dado pelas remessas de dinheiro dos brasileiros que estão nos EUA. Ela é positiva ou negativa para a economia brasileira?
Maxine - É muito difícil saber quanto dinheiro volta para o Brasil. Muitos imigrantes aqui mandam dinheiro de volta com outros para não pagar taxas de transferência. Eu mesma já levei US$ 5.000 na bolsa para um amigo. (Fernanda Godoy)

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