São Paulo, domingo, 30 de janeiro de 1994
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Juristas ainda não se adaptaramà comunicação de massa

WALTER CENEVIVA

Juristas ainda não se adaptaram à comunicação de massa
A premência do jornalismo gera desacertos para juristas menos habituados à mídia
Observei esta semana que o crescente interesse pelos temas constitucionais, estendido a camadas mais numerosas de população, não encontrou ainda, de parte dos esclarecimentos prestados ao povo pelos profissionais do direito, a correspondência adequada.
A insuficiência se situa no nível da comunicação de massa, na qual se contrapõem, necessidades temporais (em entrevistas pedidas com urgência), espaciais (a pauta do repórter tende a ser reduzida a poucos segundos ou linhas) e culturais (os juristas são vítimas de seu jargão profissional, marcado, pela linguagem barroca, com a agravante de que os jornalistas são proverbialmente ignorantes de conceitos fundamentais da ciência jurídica). Isso quanto aos advogados, pois juízes e membros do Ministério Público preferem ficar longe dos repórteres. São raros os trabalhadores jurídicos que se expressam em linguagem acessível ao homem médio não jurista. René Dotti, Regis de Oliveira, Caetano Lagrasta e Luiza Eluf são agradáveis exceções a lembrar.
A premência do trabalho jornalístico gera muitos desacertos assustadores para os juristas menos habituados à mídia. Enquanto um Ives Gandra tira de letra qualquer pergunta nos campos de sua especialidade, outros de seus colegas, sem saberem que a objetividade jornalística é um mito, ficam entre fugir do repórter e a tentativa (inútil) de absoluta precisão terminológica. Como anotou Geraldo Ataliba não é possível fazer puro direito constitucional com o jornalismo. Temos, porém, quando chegamos à comunicação de massa, de traduzir a realidade jurídica em termos acessíveis, sob pena de perdermos a oportunidade de difundir o direito.
As aflições espaciais ocorrem de modo particularmente intenso com as revistas. O repórter da revista semanal formula dezenas de perguntas, solicita esclarecimentos complementares. Na prática o produto de longa entrevista passa por duas alternativas mais comuns: ou nada é publicado ou é, em pequena parte, frequentes vezes fora do contexto, limitada a uma frase de efeito.
Há as aflições culturais. O principal defeito nesse campo pende contra os profissionais da área jurídica, o que não se confunde com a proverbial deficiência dos jornalistas quanto ao seu conhecimento do direito. Na mídia eletrônica o trabalhador do direito, posto diante de uma câmera ou de um microfone, termina vitimado pela falta do poder de síntese. Alonga frases explicativas para descobrir que elas foram cortadas pelo editor de jornalismo, quando a reportagem foi transmitida. Nos programas ao vivo, as interrupções ("trataremos do assunto no próximo bloco") impedem o desenvolvimento razoavelmente inteligível das idéias. Uma das exceções mais louváveis é o "Opinião Nacional" da TV Cultura, com Roseli Tardelli e Heródoto Barbeiro.
A mídia moderna ainda é, para os juristas, uma nova Esfinge a propor o "decifra-me ou te devoro". Tentados, às vezes, a atender pedido de opinarem sobre leis que não leram, mas fiados em uma informação superficial, cometem erros. No pólo oposto, recusando-se a se manifestar perdem chance de esclarecer a cidadania sobre assuntos importantes em que sua palavra seria essencial.
Quando a timidez for rompida e quando os juristas –refiro, em particular, a Magistratura e o Ministério Público– se adaptarem ao admirável mundo novo da comunicação, o direito será mais bem servido, a benefício da coletividade. A adaptação é difícil por causa da linguagem formal dos operadores do direito. Tratarei dela em outro comentário.

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