São Paulo, domingo, 2 de outubro de 1994
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Intelectual cede ao político

FERNANDO DE BARROS E SILVA
DA REPORTAGEM LOCAL

Caso confirme amanhã nas urnas a vantagem que lhe dão as pesquisas, o senador Fernando Henrique Cardoso terá de enfrentar, além dos desafios da Presidência, um de ordem pessoal: provar que o político não traiu o intelectual.
Até entrar na corrida presidencial, selando alianças com PFL e PTB e obtendo de arrastão o apoio de todos os setores que vêem na vitória de Lula uma hecatombe política, FHC não vivia esse problema.
Expoente da geração de intelectuais da USP que fez do marxismo a porta de entrada para o estudo do Brasil, FHC ainda não tinha visto atuação política e carreira acadêmica confrontadas em sua biografia com tanta ênfase e nitidez.
Ambas andaram juntas desde muito cedo. Nascido em 19 de junho de 1931, começou a dar aulas aos 21 anos, nos idos de 53, como assistente do hoje petista Florestan Fernandes, catedrático de Sociologia da USP.
A vocação para a política também data dessa época. Aos 22 anos, FHC assume uma vaga no Conselho Universitário da USP, passando a ser o mais jovem de seus membros.
Iniciado em 1958, o estudo de "O Capital" por jovens intelectuais da USP só terminaria cinco anos mais tarde. Entre eles estavam figuras hoje conhecidas, como o filósofo José Arthur Giannotti, o crítico literário Roberto Schwarz e o economista Paul Singer.
FHC foi o primeiro a tirar consequências de tal estudo. Em 1962, publica "Capitalismo e Escravidão no Brasil Meridional", primeira obra de sua autoria a se tornar referência nas ciências sociais do país.
Em 64, é perseguido pelos militares. Foge para o Chile em abril, onde se estabelece como professor até 1967.
Nesse período, publica em co-autoria com o argentino Enzo Faletto "Dependência e Desenvolvimento na América Latina", seu livro de maior repercussão internacional.
A obra foi traduzida para o inglês, alemão, francês, italiano, japonês, persa e ganhou até uma versão em braile.
Depois de uma rápida passagem por Paris, o sociólogo volta ao país em 68. Concorre à Cátedra de Ciência Política na USP e ganha o cargo, mas fica nele poucos meses.
Com o AI-5, é compulsoriamente aposentado da USP. Junto com intelectuais de esquerda igualmente cassados, resolve fundar em setembro de 1969 o Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento).
Desde o seu início o instituto de pesquisas passaria a atuar como foco de resistência e oposição ao regime militar.
É nesse período que a política volta ganhar espaço em sua vida. Filho de militares e respaldado pelo sucesso no exterior, FHC passa a fazer a ponte entre as esquerdas e o regime.
Defende a oposição aos militares pela via institucional e é acusado pelos mais extremados de colaborar com o estado de opressão. Mantém sua posição e formula no Cebrap a "anticandidatura" de Ulysses Guimaraães à sucessão de Médici.
Depois desse, seu maior tropeço político talvez tenha sido a defesa da entrada do PSDB no governo Collor em abril de 92, um mês antes da instauração da CPI que resultou no impeachment do ex-presidente.
Com a ascensão de Itamar ao poder, o tucano cava a grande chance de sua vida ao tornar-se ministro da Fazenda em maio de 93. Em dez meses, elabora o Real e se lança candidato.
Jogada de mestre para os aliados, estelionato eleitoral para os adversários, a nova moeda fez de FHC o único nome capaz de deter o furacão petista.
Como diz um de seus melhores amigos, até assumir a Fazenda, Fernando Henrique era um intelectual na política. A partir de então, virou político.

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