São Paulo, domingo, 2 de outubro de 1994
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Para amigos, FHC ainda é de esquerda

CLÓVIS ROSSI
DA REPORTAGEM LOCAL

A julgar pelas avaliações entre os íntimos do presidenciável Fernando Henrique Cardoso (PSDB), sua visita de quinta-feira ao Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) foi mais que um roteiro sentimental.
FHC é um dos fundadores do Cebrap, que se transformou rapidamente no mais importante banco de cérebros que se opunham ao regime militar, muitos dos quais, como o próprio FHC, banidos da carreira acadêmica.
Ainda hoje, o Cebrap continua sendo o coletivo de intelectuais talvez mais à esquerda do país: pesquisa interna entre 35 de seus pesquisadores apontou 60% de votos para o petista Luiz Inácio Lula da Silva e o restante para FHC.
Pois bem. Sérgio Motta, secretário-geral do PSDB, coordenador da campanha e o mais próximo dos amigos de FHC, jura: "O Fernando Henrique ainda é Cebrap".
Para sustentar essa avaliação, absolutamente contraditória com o fato de o PSDB ter se aliado ao PFL, que provavelmente jamais teve um só voto entre os cebrapianos, o argumento usado pelos "fernandohenriquistas" é pragmático.
A aliança não foi feita por motivos programáticos ou sequer pela perspectiva dos votos que o PFL poderia carrear para FHC. Deveu-se exclusivamente ao desejo de evitar que, aliando-se a outro eventual candidato, o PFL criasse a chamada terceira via (alternativa a Lula e FHC).
A certeza dos tucanos é a de que Orestes Quércia (PMDB) teria atraído o PFL e, com isso, criado ao menos a perspectiva de terceira via. Hoje, o argumento parece risível ante o baixo índice de Quércia nas pesquisas.
Mas, no início da campanha, risíveis (ou quase) eram os índices de FHC e temia-se muito tanto o efeito eleitoral da máquina peemedebista, a maior do país, como a lenda de que Quércia crescia muito com o horário gratuito.
Dita pelos seus aliados, a avaliação sobre o "cebrapianismo" de FHC pode ficar sob suspeita.
Mas há do outro lado da ponte, no próprio PT, quem avalize essa análise. "Acho muito difícil que ele prefira que se esqueça o que ele escreveu", diz Francisco Weffort, intelectual que combina duas características: é do PT, mas continua sendo muito amigo de FHC, com quem trabalhou muito tempo.
"Ele é fiel ao que escreveu e ao que pensa", reforça Weffort.
Se é de fato assim, o presidente Fernando Henrique Cardoso vai provocar uma revolução no país.
Para se chegar a essa conclusão, não é preciso percorrer todos os escritos do candidato tucano. Basta reproduzir trecho de artigo para a revista argentina "Crítica e Utopia", publicado em 1985:
"Existe (...) o sentimento da desigualdade social e a convicção de que, sem reformas efetivas do sistema produtivo e das formas de distribuição e de apropriação de riquezas, não haverá Constituição nem Estado de Direito capazes de eliminar o cheiro de farsa da política democrática".
Fora do Brasil, à distância portanto das paixões políticas locais, o "cebrapianismo" de FHC é posto em dúvida.
'Vitória pessoal'
O brasilianista Thomas Skidmore, por exemplo, perguntava, na Folha de domingo passado: "Será que alguém imagina que Antônio Carlos Magalhães sairia de mãos vazias de tais negociações?" (refere-se à "aliança formal com o PFL e assim com a mais tradicional oligarquia nordestina").
"Não há acordo com ninguém. A vitória será dele, pessoal", retruca Sérgio Motta.
É possível que a verdade esteja em algum ponto no meio do caminho, o que faz com que se retorne ao Cebrap ou mais precisamente a Ruth Cardoso, mulher do candidato e "cebrapiana" como ele.
Um dos constrangimentos que Ruth criou para o marido na campanha foi a declaração de que o PFL tem ACM, sim, mas tem também Reinhold Stephanes (ex-ministro da Previdência) e Gustavo Krause (ex-ministro da Fazenda).
É uma maneira indireta de dizer que o PFL não é só "a mais tradicional oligarquia nordestina", como crê Skidmore. Comportaria quadros tidos como modernos até pelo rigor intelectual da cebrapiana Ruth.
Seria a esses quadros que FHC, se eleito, recorreria para que integrassem seu governo. Stephanes e Krause são citados, em todas as conversas com os tucanos eminentes, como "ministeriáveis" certos, ao lado de Luiz Eduardo Magalhães, filho de ACM.
Mas os tucanos fazem questão de dizer que Luiz Eduardo é completamente diferente do pai no estilo de fazer política, além de ser considerado parlamentar dos mais ativos e preparados, avaliação que setores da esquerda aceitam, embora discordem ideologicamente dele.
Agora, só o tempo dirá quem tem razão, se Sérgio Motta ou Thomas Skidmore.

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