São Paulo, domingo, 2 de outubro de 1994
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Bahia faz 'liquidação' de animais em extinção

VICTOR AGOSTINHO
ENVIADO ESPECIAL AO SUL DA BAHIA

Com alguma lábia e pouco dinheiro qualquer pessoa pode comprar animais silvestres no sul da bahia. Apesar de caça e comércio serem proibidos por lei federal –crime inafiançável–, a captura desses animais dentro das reservas faz parte do cotidiano da região.
Os animais vendidos nas cidades de Eunápolis, Barrolândia, Porto Seguro, Cabrália e Itabela vêm basicamente das reservas de Monte Pascoal e Vera Cruz.
Mais do que a afronta à lei, o maior problema é que algumas espécies comercializadas pelos caçadores são raras e outras estão ameaçadas de extinção, segundo levantamento feito pela S.O.S. Mata Atlântica.
Uma jaguatirica (felino ameaçado de extinção) pode ser encomendada aos caçadores por R$ 100 (no máximo R$ 150, "se der muito trabalho"), o mesmo preço do papagaio-de-cabeça–vermelha.
Manuel Carlos Viana, caçador que retira animais em Belmonte, explica que o preço da jaguatirica é o mesmo do papagaio porque a ave tem muita procura.
"Todo mundo quer papagaio. Quem é que vai ficar com a jaguatirica?", pergunta Viana.
O caçador ensina como captura o felino e a ave: "A gente faz uma arataca (buraco no chão coberto por uma trama de gravetos) e coloca um leitãozinho no centro. Quando a jaguatirica for comer o leitão, a gente pega a bicha".
Já os papagaios são pegos com visco. "Deixo fruta ou semente de dendê num galho com visco (uma gosma). Ele fica grudado", diz.
Alvani Lacerda, "ex-caçador", hoje cria, livres, nove micos-de-cara-branca atrás de sua casa, vizinha à reserva Vera Cruz, em Porto Seguro. De vez em quando vende algum.
A tática para manter a criação sempre perto de casa: "Peguei um casal e criei na gaiola. Quando tiveram filhotes, fui criando soltos e dando comida (frutas e bolo). Hoje, os filhotes já tiveram outros filhotes e todos ficam aqui por causa da comida. Se precisar, vendo."
Eulálio Ferreira dos Santos cria ilegalmente pacas na periferia de Eunápolis. Até a semana retrasada, mantinha dez animais num cercado. "Mas cinco fugiram. Agora vou ter que pegar algumas na mata para aumentar a criação".
Ferreira dos Santos afirma que "o pessoal do Ibama sabe das pacas, mas não faz nada". "Não estou criando para vender. Eu dou de presente. Às vezes como uma."
Ao norte de Eunápolis, perto da reserva de Monte Pascoal, José dos Santos mantinha em engradados três periquitos jandaia.
Ele oferecia as aves, por R$ 25, aos motoristas que passavam pela BR-101 e dizia que o periquito era papagaio. "É um papagaio bebê".
Com esse trambique, José conta que ele e um colega conseguiram vender 25 jandaias num domingo.
Todos os caçadores disseram saber que o que fazem é crime.
Os 2,24% de Mata Atlântica que sobraram no sul da Bahia correm risco de ser desmatados. Só Eunápolis, que tem 15 serrarias em operação –mas já abrigou 300–, derruba todos os meses cerca de 5.000 árvores centenárias.
A madeira é retirada de forma irregular na região. Quando há documentação autorizando o transporte das toras, geralmente é falsificada, reconhece o Ibama.
Segundo o carvoeiro Ovídio de Deus, de Cabrália, enquanto as serrarias cobram US$ 500 pelo metro cúbico do jacarandá, o "peão" contratado para fazer o desflorestamento irregular recebe R$ 22,50 por cada hectare (um campo de futebol) derrubado.
Gilbercy Caminha, superintendente do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) na Bahia, afirma saber da ação dos caçadores e que há desmatamento.
Caminha diz que a partir desta semana o cenário de caminhões repletos de toras circulando pelas estradas deve ser modificado: "Retirei o escritório regional de Porto Seguro e transferi para Eunápolis, no entroncamento das rodovias. Haverá mais fiscalização".

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