São Paulo, domingo, 2 de outubro de 1994
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Eleição e desafio das reformas no Brasil

ÁLVARO ANTÔNIO ZINI JR.

Nesta segunda-feira teremos, por fim, a esperada eleição para presidente, Congresso e governadores. Sem dúvida, é uma dessas eleições capazes de marcar uma virada fundamental na história do país.
Começo assinalando a mudança que me parece mais importante: a possibilidade de superação da profunda crise política que o país atravessa desde o fim dos anos 70.
O impasse criado pela falência do projeto "Brasil Grande", de Geisel, paralelamente à frustração nacional com a crise da economia e a necessidade de pagar as contas do financiamento de curto prazo, refinado por Simonsen e Reis Velloso, deflagrou um profundo processo de cisão política para redefinir quem e como governar o país.
Depois de quase 20 anos atravessando essa crise em que os diferentes grupos de influência regional, setorial ou profissional não se punham de acordo sobre quais deveriam ser as metas nacionais, a eleição de 3 de outubro parece que irá produzir não só uma maioria política centrista no Congresso, como também está marcando a escolha de algumas teses básicas que devem orientar o próximo governo.
Primeiro, o eleitorado está deixando bastante claro que deseja que políticas antiinflacionárias firmes sejam seguidas daqui para a frente. Chega das práticas temerárias de recorrer à emissão de dinheiro (ou de moeda indexada) sempre que o Orçamento ficava deficitário.
A propósito, a imprensa noticiou que o Banco Central prepara medidas para aumentar os limites da emissão de moeda até dezembro (para R$ 15 bilhões). Registramos neste espaço, ainda em julho, que as metas estabelecidas pelo BC, quando da criação do Real, não poderiam ser cumpridas e seriam revistas.
Isto, mais a continuidade do regime monetário da moeda indexada, são inimigos reais da estabilização. Se a inflação voltar, a responsabilidade será dos formuladores econômicos.
A segunda manifestação clara que essa eleição traz é a escolha a favor da modernização do país e da manutenção de um país integrado à economia internacional.
Hoje em dia "modernização" no Brasil passa por três vertentes fundamentais. Uma é a modernização do Estado. Neste aspecto, junto a Fernando Henrique, apontado pela pesquisas como o provável vencedor da eleição, estão associadas pessoas altamente qualificadas para reformar, enxugar e dar mais eficiência ao Estado, em suas diversas facetas. Se essas reformas não saírem não é por falta de pessoal qualificado.
O segundo aspecto, verdadeiro escândalo nacional, é a falta de práticas consolidadas e democráticas para a formulação dos Orçamentos públicos. O centralismo do Executivo nesta matéria não é positivo e o que ocorreu este ano não pode ser aceito nos próximos exercícios.
É essencial para a democracia que o processo de formulação do Orçamento seja transparente, submetido à apreciação de um corpo técnico independente e discutido efetivamente no Congresso.
A terceira vertente é enfocar o desafio da educação. Hoje, nos principais centros de pesquisa econômica, afirma-se com mais clareza a importância dos investimentos em educação (tanto para difundir informação e dar qualificação profissional, gerar tecnologia, como para formar o indivíduo com valores de sociabilidade e mérito).
Uma pesquisa recente de Gale Jorgensen, professor da Universidade de Harvard e veterano estudioso dos processos de crescimento e inovação tecnológica, mostra que 60% do crescimento da economia dos Estados Unidos no período de 1945 a 1990 são atribuíveis aos investimentos em educação e formação de capital humano.
Uma observação frequente feita no Brasil é a de que já gastamos razoavelmente com educação, mas que há muita ineficiência. Esta frase pode ser problemática porque pode levar a uma acomodação.
Vamos repetir algo que já escrevemos neste espaço: é evidente que se deve, em qualquer hipótese, combater o desperdício de recursos públicos. No entanto, o Brasil, como nação, precisa aumentar muito, talvez dobrar, os recursos que destina para os diversos segmentos da educação.
A média de anos da escola no Brasil é de 3,8 anos (2,4 anos no Nordeste), enquanto a média nos países industrializados é de 9,5 anos (dados para 1987).
Por fim, com a nova maioria política em formação, é necessário dar mais atenção para o problema da desigualdade econômica. Dados disponíveis indicam que o 1% mais rico da população apropria-se de uma parte do PIB equivalente ao recebido pelos 50% mais pobres.
Como mudar isso? Primeiro, com investimentos massivos em educação; segundo, com políticas bastante agressivas de criação de empregos (o mais efetivo meio para distribuir renda); por fim, com o aumento do salário mínimo legal. Nenhum movimento de redistribuição será produtivo se for mantido o salário mínimo de fome que existe hoje.
O cenário internacional está em processo de mudança acelerada nos últimos anos, tanto com a queda do comunismo como com as novas realidades criadas pelos fluxos financeiros e de comércio.
Neste final de semana, propostas para o redesenho de instituições importantes como o FMI e Banco Mundial estão sendo discutidas na reunião de Madri (deixamos para uma coluna futura enfocar essas discussões).
Atentar para as mudanças em curso, participar e influenciar no cenário internacional será possível na medida em que o país demonstre capacidade de mudar, de modernizar-se e enfrentar a vergonhosa crise social que nos assola. Uma eleição só não é capaz de mudar tudo, mas, pelo menos, há um potencial de mudanças positivas sendo criado.

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