São Paulo, domingo, 2 de outubro de 1994
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A volta do crescimento sustentado

JOÃO PAULO DOS REIS VELLOSO

A realização da pleito presidencial leva a uma reflexão sobre o nosso futuro econômico.
Como se sabe, a consequência da crise brasileira não tem sido, propriamente, a estagnação econômica, e sim a incapacidade de realizar o crescimento sustentado. Os novos ciclos de crescimento nascem e, logo após, desmancham no ar.
Obviamente, sem a razoável estabilização dos preços não há como sair desse círculo vicioso. Mas pelo menos duas outras precondições têm de ser atendidas, se queremos a volta do crescimento sustentado: a governabilidade e a reforma do Estado.
Examinemos, rapidamente, esses três pré-requisitos.
No tocante à estabilização, não se trata mais de elogiar a boa concepção do Plano Real; o acerto da sequência adotada, nas fases sucessivas; ou mesmo a sabedoria da opção feita em favor de uma revitalização das políticas monetária e cambial, como alternativa à camisa-de-força adotada pela Argentina.
Trata-se agora é de colocar algumas questões que iremos ter pela frente.
A primeira delas refere-se a como evitar a volta da velha senhora, ou seja, da espiral preços/salários, através da reindexação. E fazê-lo dentro de política previsível, sem choques nem mudanças nas regras do jogo, uma vez que a tônica do programa foi seu caráter preanunciado.
Evitar aquela volta impõe, como condição básica, impedir que a natural expansão do consumo dê origem a surtos crescentes e contínuos de aumentos de preços. E que os reajustes de salários nas datas-base sejam repassados aos preços, ao invés de sua absorção pelos aumentos da produtividade e a redução da taxa de juros.
O governo dispõe, para isso, de dois instrumentos principais. O primeiro é a legislação de apoio à concorrência, incluíndo a idéia de "preço abusivo", que permite monitorar os preços básicos, sistematicamente e até, como último recurso, manter certos preços sob controle, temporariamente.
O outro instrumento consiste na redução progressiva de tarifas de importação, como forma de disciplinamento de setores não-competitivos.
Ambos são válidos, mas de uso complexo. O problema com o segundo está em que qualquer estrutura de tarifas deve ser duradoura. E sua alteração deve ocorrer com bastante antecedência. Do contrário, estar-se-á tumultuando o sistema de preços do país e levando a perplexidade ao setor produtivo.
Sob essa luz é que deve ser analisada a recente tendência a sucessivas mexidas no nosso regime tarifário, no momento em que decisões de investimentos estavam sendo tomadas.
Ao lado da luta contra a reindexação, a política de estabilização vai depender, a partir de agora, de um ajuste fiscal permanente, que o governo é o primeiro a reconhecer não ter sido feito ainda. O que houve foi a gestão de caixa para evitar déficit no Orçamento de 94.
De 1995 em diante, vamos depender de uma verdadeira reforma fiscal, que envolve pelo menos três conhecidas linhas de ação: a transferência de encargos dos ministérios sociais para Estados e municípios; a solução do problema do financiamento do orçamento da seguridade (envolvendo a reformulação do Cofins e a reforma da Previdência); e o investimento maciço em melhoria de arrecadação.
No tocante à segunda precondição para a retomada do crescimento, nosso problema de governabilidade potencial reside, principalmente, no fato de termos um sistema de governo que não funciona. Ou seja, não somos governados nem pelo sistema de maioria nem pelo de coalizão. Temos, apenas, maiorias ocasionais.
Diante disso, a primeira tarefa do novo presidente terá de ser uma demonstração de liderança política. Enquanto se procura fortalecer o sistema de partidos (o que leva tempo), é preciso recorrer às soluções disponíveis.
Isso significa abrir a negociação política com diferentes forças no Congresso, para constituir uma maioria estável em torno de um programa de governo. E não tentar enfiar planos pela goela abaixo do Congresso, segundo se fez no início do governo Collor.
Quanto à reforma do Estado, trata-se antes de tudo de dar-lhe nova concepção e nova delimitação. Nova concepção, pela idéia de um "Estado de ações estratégicas", mais voltado para estratégias e políticas, em lugar do "Estado desenvolvimentista", responsável, no passado, por grandes programas e grandes burocracias, com a União executando, inclusive, projetos de caráter local.
Nova delimitação, por movimentos sucessivos de descentralização: descentralização de programas sociais, segundo já indicado, passando as ações locais para Estados e municípios; descentralização da infra-estrutura, admitindo a crescente participação privada nos programas de energia elétrica, comunicações, rodovias, portos e mesmo petróleo; e descentralização de gestão, permitindo que o setor privado (e, às vezes, instituições sem finalidade lucrativa) administre, por exemplo, o serviço de coleta de lixo, os hospitais públicos ou as ferrovias estatais.
Ao lado desse duplo esforço de nova concepção e nova delimitação, será necessário investir em capital institucional, realizando uma reforma administrativa para valer e que, de saída, procure fortalecer as instituições estatais de mais alta prioridade para o desenvolvimento, como o Ipea, a Secretaria da Receita Federal, o IBGE e as Secretarias Executivas dos diferentes ministérios, assim como seus mecanismos de controle de custos e de desempenho.
É de notar serem essas precondições básicas para voltar a crescer estavelmente. Necessárias, mas não suficientes. Para que o crescimento realmente aconteça, é preciso que, entre outras coisas, a iniciativa privada saia das atuais estratégias de ajuste defensivo para investir na expansão de produção e de mercados, no marco de um espírito de competição e competitividade.

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