São Paulo, domingo, 2 de outubro de 1994 |
Texto Anterior |
Próximo Texto |
Índice
Freira brasileira relata horror e ameaças
CLÁUDIO JULIO TOGNOLLI
Estava dando sinal de vida ao secretário José Soares Júnior, embaixador interino do Brasil no Haiti. "Acompanho de perto a trajetória da irmã e quando ela some, procuro-a pelo rádio", diz Soares. A irmã relatou que dorme vestida para poder fugir da polícia haitiana. No último ano, sofreu 12 ameaças de morte. Folha - Por quê a sra. resolveu vir ao Haiti? Irmã Davina - Foi um pedido que o bispo haitiano Willie Romelis fez à minha irmandade, Imaculada Conceição de Maria. Vim fazer trabalho de base com mais duas irmãs, Santina Perin, que foi a Miami com um barco de refugiados haitianos, e com Beatriz Lazanon, que faz hoje no Haiti o trabalho de enfermeira. Vivo em Jeremy, 298 km ao sul de Porto Príncipe. Folha - Quais foram as piores coisas que a sra. já viu? Irmã Davina - Em sete anos, já vi cinco golpes de Estado. Mas o que mais me marcou foi um massacre ocorrido na cidade de Jean Rabel. Uns cem camponeses se mataram por insistência dos }tonton macoutes, que com isso queriam acabar com a paz e desestabilizar a sociedade. Em julho de 1987, vi corpos de pessoas dilacerados a golpes de machado. E no golpe de setembro de 1991, vi matarem pessoas como se mata um bicho, vi muitos corpos largados nas ruas, com sangue fresco ainda correndo. Folha - A sra. já foi ameaçada de morte? Irmã Davina - Sempre sou, já fui ameaçada umas 12 vezes de um ano para cá. Os "macoutes" dizem sempre que vão à minha casa para me matar. Durmo com tudo amarrado no corpo, só durmo com a roupa do corpo para poder fugir rapidamente à noite. Já metralharam três vezes a porta da minha casa, eu senti o cheiro das balas. É por isso que durmo de roupas. Folha - Como é seu dia-a-dia? Irmã Davina - Acordo às 6h, vou à missa e aí começo a caminhar pelas cidades pobres, de quatro a seis horas por dia, atravessando rios e montanhas e levando debaixo do braço o Livro dos Cantos. Mas encontro muitas igrejas católicas vazias. As pessoas dizem que os fiéis perderam a fé e fugiram de tudo. Folha - O que a choca agora? Irmã Davina - Este país decaiu a cada golpe de Estado e agora vejo pessoas morrendo de fome diariamente. Os haitianos são fortes e chegam a aguentar um mês e meio sem comer e mesmo assim resistem. Mas depois caem na cama e, muito humilhados, vão morrendo aos poucos. A sra. não pensa em abandonar o Haiti? Irmã Davina - Não. Ficar aqui é minha missão. Tenho certeza que o povo vai resistir porque tem confiança em Deus, embora eu nunca tenha visto o país tão ruim quanto agora.(CJT) Texto Anterior: Centro da capital do Haiti é isolado Próximo Texto: Americanos fabricam os seus tênis em toda parte Índice |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |