São Paulo, domingo, 2 de outubro de 1994
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Itamar, retrato com retoque

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – Véspera de eleição, não penso nos candidatos nem nos eleitores. Penso no cidadão chamado Itamar Franco, nascido num navio da Costeira em águas baianas mas com vida e carreira política em Juiz de Fora.
Em 1989, foi candidato a vice-presidente na chapa de Collor. Conseguiu ser obscuro apesar de senador da República e prefeito da cidade onde viveu. A impressão que o eleitorado guardou, daquele ano, é que Collor disputava a eleição sozinho, sem necessidade de vice.
Não vem ao caso saber até que ponto o pires que PC Farias passou nos empresários também ajudou Itamar. Ele nem chegou a fazer campanha, por inútil. Dizia-se que Collor não o queria a seu lado, também por inutilidade. E, em parte, por temer seu caipirismo. O visual de Zona da Mata não combinava com a linha Hermés.
O candidato obscuro tornou-se presidente teimoso, cercado por uma corte provinciana e medíocre, ele próprio um exemplar de simpática mediocridade. O perfil de chefe de executivo interino começou a mudar quando convocou Fernando Henrique para o Ministério da Fazenda.
Assumiu então, com algum constrangimento, o curioso papel de Rainha da Inglaterra, com a vantagem de não ser rainha e de não ter nada a ver com adultérios, fotos de rei nu e fossas de princesas pasmadas. A única excursão nesse departamento limitou-se à cena no sambódromo do Rio –cada um faz o que pode. Enquanto Itamar administrava o saudável escândalo do Carnaval, Fernando Henrique não precisou alterar a Constituição para exercer as funções de primeiro-ministro. Primeiramente, tornou-se confiável às forças que haviam eleito Fernando Collor. Num segundo estágio, sem os dotes de Collor para a demagogia, bolou com a sua equipe um plano econômico-eleitoral e uniu as duas pontas do processo: o sistema perverso que está no poder há 30 anos e o povão que está na pior há mais tempo. Amanhã FHC deverá ser eleito presidente da República. E Itamar tem 82% de popularidade. Catilina teve mais do que isso. Daí a pergunta de Cícero: até quando?

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