São Paulo, terça-feira, 4 de outubro de 1994
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FHC

Fernando Henrique Cardoso é o próximo presidente do Brasil. Mas, diferentemente da eleição passada, o vitorioso não é mais uma incógnita sobre a qual se projetam fantasias de salvação. Foi eleito menos pelo que promete fazer e mais, muito mais, pelo que já se mostrou capaz de realizar: o Plano Real.
Se em 89 o presidente eleito encarnava um entusiasmo popular quase irracional, em 94 o eleitor tem os pés mais no chão. Quer garantir a continuidade de algo que já sente no seu próprio bolso, a estabilidade econômica.
Mas, se há uma enorme diferença entre uma ilusão salvacionista e uma realidade que já se cumpre, seria ingênuo acreditar que a relação entre o presidente eleito e a sociedade será menos problemática, que as expectativas estarão a partir de agora acomodadas. Persiste, e é fundamental, uma forte esperança. Olhá-la de frente é o desafio e a responsabilidade maior do futuro presidente, sobretudo quando se considera que FHC conseguiu eleger-se já no primeiro turno, fato incomum para qualquer democracia que adota o regime de dois turnos.
Mas estabilizar a moeda não é apenas baixar a inflação da noite para o dia. A estabilidade é um processo bem mais árduo e penoso, uma guerra de muitas batalhas. Ainda há muito por fazer, desde repensar o papel do Estado e promover uma ampla reforma tributária até atingir o equilíbrio orçamentário. Sem falar na guerrilha quase cotidiana que é o cuidadoso acompanhamento do abastecimento.
Outra ingenuidade é imaginar que as demandas da sociedade limitam-se à estabilização. Há pressões enormes por uma melhor distribuição de renda. Fernando Henrique Cardoso, por seu passado e por suas promessas de campanha, alimentou a esperança –mais do que justa– de melhorias nesse campo também. Seu governo terá de começar a reverter essa situação.
Embora o clima não seja mais o de fantasiosas ``caças a marajás", sem dúvida a sociedade aprendeu a exigir mais de seus mandatários.
Infelizmente, esta eleição não tem o dom de subitamente eliminar a fisiologia e o clientelismo da cultura política nacional. Será preciso enfrentar com rigor esses vícios. A tarefa de FHC fica ainda mais difícil quando se considera que um dos partidos que melhor encarna a imagem dessa maneira de fazer política –o PFL– faz parte do seu arco de alianças.
Consolidar a estabilização, promover a igualdade social e aperfeiçoar o sistema político brasileiro são tarefas que exigirão enorme determinação. Felizmente, entretanto, há condições objetivas para dar um salto que corresponda às expectativas. A confiança na nova moeda afinal não repousa em meros discursos, mas em armas poderosas como o acúmulo de reservas internacionais pelo Banco Central, a progressiva liberalização comercial e inúmeros sinais de que as empresas privadas avançam em termos de produtividade e modernização. Mesmo a reforma do Estado, que exigirá um esforço político significativo, pelo menos já se coloca como quase consensual.
De resto, FHC parece reunir os atributos necessários para tirar proveito das condições objetivas e conduzir as reformas. Como intelectual, sempre teve uma preocupação com o social. Como político contra o qual não se levantaram graves suspeitas, teve boa atuação como senador e ministro. Tudo isso só faz aumentar sua responsabilidade nesse momento de renovação.
Resta esperar que FHC de fato esteja à altura da imensa tarefa que lhe foi confiada e saiba entregar ao seu sucessor um país ao menos um pouco melhor do que o que encontrou. Mais uma frustração teria, por certo, resultados devastadores.

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