São Paulo, quarta-feira, 5 de outubro de 1994
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Plano Real nasceu como 'Projeto Manhattan'

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O Plano Real tinha um nome secreto no Ministério da Fazenda: ``Projeto Manhattan". Uma referência ao projeto que, nos Estados Unidos, criou a bomba atômica.
Um dos principais técnicos do Ministério da Fazenda, Edmar Bacha, comparava o país a uma ``cobaia".
A insegurança ia a tal ponto que, uma semana antes do lançamento do real, o presidente do BNDES, Pérsio Arida, entrou em crise psicológica e ameaçou pedir demissão. Foi demovido por Bacha.
Esses fatos são detalhados no livro ``A História Real", da Folha, editado pela Ática e escrito por Gilberto Dimenstein e Josias de Souza, diretores da sucursal de Brasília.
Já nas livrarias, o livro é resultado de um ano de pesquisa. As fontes das informações concordaram em falar sob a condição de que os dados só fossem divulgados depois da eleição.
A primeira edição de ``A História Real", de 5.000 exemplares, já está esgotada. Nesta semana, será rodada a segunda edição.
O maior receio da equipe econômica durante a elaboração do Plano Real era o de que a gestão Itamar terminasse como o governo Sarney, às voltas com uma superinflação de 80%.
Ao investigar os últimos meses do governo Sarney, os autores do livro obtiveram a transcrição de uma reunião, mantida até agora sob sigilo, em que se discutiu a renúncia do presidente. Abaixo, outros trechos do livro:
"VOCÊS ESTÃO LOUCOS"
O processo de elaboração do Plano Real enfrentou momentos delicados. Numa das reuniões, Fernando Henrique foi obrigado a alterar a voz:
" Vocês estão loucos", reagiu, ao ouvir de sua equipe as condições necessárias para que o plano fosse lançado e desse certo. Pediam a privatização da Petrobrás e da Vale do Rio Doce, além de mudanças ministeriais para tornar o governo coeso.
Os mais desestimulados eram André Lara Resende e Pérsio Arida. Eles tinham crises cíclicas, em especial Lara Resende. Num dia, o economista mostrava-se animado. Noutro, desancava Itamar Franco e dizia que a estabilização econômica não seria alcançada em seu governo.
"Não dá para fazer nada. Com Itamar, Mauro Durante, Hargreaves... Com essa gente não dá", estourou Lara Resende numa das reuniões.
COBAIAS
Se vazassem, as conversas que embalavam os encontros da equipe econômica levariam o sensível mercado financeiro a um ataque de nervos. Inseguros, os técnicos tinham a sensação de que o país era uma imensa cobaia para seus experimentos econômicos.
Chamado a opinar, o economista Francisco Lopes, dono da Macrométrica, chamou o plano de ``Projeto Manhattan", comparando-o com o programa americano de fabricação da bomba atômica.
Bacha costumava mencionar uma outra imagem: ``É como se estivéssemos preparando a primeira viagem do homem à lua. O problema é que corremos o risco de apontar o foguete para a lua da estabilização econômica e acertar a marte da hiperinflação", dizia.
O PRECIPÍCIO
O economista José Serra estava especialmente calado na noite em que o PSDB teve o seu primeiro contato com o plano econômico.
Sua economia de palavras aborreceu Mário Covas:
"Todo mundo fala aqui, pô. Só o Serra fica quieto. Ele é quem deveria falar mais."
Medindo cada letra, Serra disse algumas poucas frases. Uma delas seria anotada por um dos presentes, mais tarde, para consumo pessoal, como um resumo do encontro:
"Se conseguirmos durar até maio de 94, mal ou bem será melhor que façamos algo perto das eleições", disse Serra.
Começava ali o debate sobre a melhor data para o lançamento da nova moeda, discussão que consumiria boa parte das reuniões da equipe econômica.
A reunião foi encerrada com um último comentário de Covas:
"Não entendo de assunto técnico. Sou um político. Neste nosso partido, os técnicos têm o mesmo status que os políticos. Se é isso o que vocês dizem que precisa ser feito, eu vou junto... Para o precipício."
RENÚNCIA
Em agosto de 1993, quando começou a elaborar o Plano Real, a equipe de Fernando Henrique atemorizava-se com a perspectiva de terminar os seus dias no governo como Mailson da Nóbrega, último ministro da Fazenda da gestão Sarney. Temiam passar para a história como responsáveis por uma hiperinflação.
Fernando Henrique e seus três auxiliares desconheciam os detalhes dramáticos que cercaram os últimos dias de José Sarney no governo. Se tivessem uma vaga noção do que se passou, suas preocupações seriam multiplicadas.
O dia 7 de dezembro de 1989 foi, para Sarney, um dos mais tensos de seu governo. Reuniram-se, no terceiro andar do Palácio do Planalto, no final da tarde, o presidente e os dez ministros mais importantes de sua equipe. Dali a dez dias, o país iria às urnas para escolher, em segundo turno de votação, o sucessor de Sarney. A disputa era trava entre Lula e Fernando Collor, eleitos no primeiro turno.
O assunto da reunião era grave. E, por isso, sigiloso. Tão secreto que permaneceu oculto, sob os escombros da administração Sarney, por cinco anos. Só neste 1994, em meio a uma nova campanha eleitoral, alguns dos participantes do encontro consentiram em romper o silêncio que havia jurado preservar.
Iniciado pontualmente às 18:00 horas, no gabinete presidencial, o encontro foi cercado de tensão. A pauta resumia-se à discussão de uma idéia explosiva: a renúncia de Sarney e a consequente antecipação da posse do novo presidente que, eleito a 17 de dezembro, só assumiria no dia 15 de março de 1990.
A proposta de renúncia germinou no interior do próprio governo, vitaminada por um temor da equipe econômica, chefiada por Maílson da Nóbrega e por João Batista de Abreu, ministro do Planejamento. Os dois achavam que a inflação poderia chegar a 150%.
O ministro do Exército, Leônidas Pires Gonçalves, irritado com uma exposição de Mailson, foi duro:
"Olha aqui, moço. O senhor não tem o direito de deixar para o próximo governo uma bomba relógio. Isso não seria sério."
"Não é bem isso", tentou interceder o general Ivan de Sousa Mendes, do SNI, favorável à renúncia de Sarney.
"Não estou falando com o senhor. Estou falando com o ministro da Fazenda. Estou discutindo a questão econômica", ralhou Leônidas.
Ponto alto da reunião, esse trecho do diálogo, travado em tom nada amistoso, permanece intacto na memória do computador de um dos ministros que, naquele final de tarde, início de noite do dia 7 de dezembro de 1989, decidiu tomar nota dos detalhes da reunião. A falta de consenso entre os ministros levou Sarney a abandonar a idéia de renúncia.

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