São Paulo, quarta-feira, 5 de outubro de 1994
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Pais querem salvar filho

MARCUS FERNANDES
DA AGÊNCIA FOLHA, EM SANTOS

A guerra civil na ex-Iugoslávia dividiu a família muçulmana dos Mlatisuma. Pai, mãe e um filho vivem em Santos.
Todos já têm documentos de registro de estrangeiros válidos por dois anos.
O outro filho da família encontra-se na cidade de Gorazde. ``Falamos via rádio com ele. Lá não tem água, luz, telefone e comida. Todas as casas da cidade foram bombardeadas", diz Fuad Mlatisuma, 34.
Ele está em Santos há quatro anos. Seus pais chegaram há um ano. Os três moravam na cidade de Foca (pronuncia-se Fotcha), no sudeste da república da Bósnia-Herzegovina, a 70 km de Sarajevo.
``Meus pais fugiram para não serem mortos. Foca tinha 50 mil habitantes antes da guerra, com cerca de 50% de muçulmanos. Hoje só existem sérvios", afirma.
``Ficamos dois meses sem sair de casa, sem chegar perto das janelas e das portas", afirma o pai, de 61 anos. A comida e a bebida de que necessitavam era deixada na porta da casa.
``Amigos sérvios deixavam o que podiam na nossa porta, sempre à noite, para que ninguém os visse. Se isso acontecesse, poderiam ser mortos", recorda.
Com a ajuda de um amigo sérvio, os pais foram levados de carro até a fronteira com a república de Montenegro, a 16 km de distância.
Hoje, os pais tentam trazer o outro filho, Suad, 37, que é casado e tem dois filhos. ``Eles estão sitiados", disse Fuad.
Com a aproximação do inverno, a família Mlatisuma teme pelos parentes. ``Em novembro, a temperatura começa a baixar chegando a 25 graus negativos. Conseguir comida será mais difícil", afirmou Fuad.
Ele diz que não quer voltar. ``Gostei daqui. Todos têm uma palavra amiga."
Fuad não gosta de falar sobre a guerra na frente dos pais. ``Eles acham que poderão voltar um dia. Eu acho que não. Vai demorar muito até que todo o ódio acabe. Para nós, futuro é uma palavra muito difícil."
(MF)

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