São Paulo, quinta-feira, 6 de outubro de 1994
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No ventre da serpente

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – Procurava um filme suportável para o fim de noite, passeei pelos canais –quase todos com mesas-redondas sobre as eleições. O que há de cientista político na praça é uma invasão. Pererecando de um para outro canal, ouvi uma palavra que me imobilizou: ``impeachment". Não, não se tratava do impedimento de Collor, mas de um possível impedimento de Fernando Henrique, que ainda nem está eleito oficialmente.
Tentei prestar atenção aos argumentos invocados, mas havia perdido o início do raciocínio. O que entendi foi o seguinte: a opinião pública perdeu a inocência. Depois do episódio Collor, ela sabe que pode pressionar Congresso, mídia e Judiciário.
FHC foi eleito porque a opinião pública deseja o fim da inflação e confia desconfiando do Plano Real. Ela (a opinião pública) sabe agora o que pode. Se o novo governo cometeu realmente um estelionato eleitoral através do Plano Real, se a inflação retornar com brutalidade –FHC estará em péssimos lençóis. Não haverá PFL nem institutos de pesquisas que o salvem.
Resumindo: o eleitorado escolheu FHC porque aprovou o real e deseja o fim da inflação. A opinião pública aprendeu o caminho para se livrar de um presidente que a traiu. Pressionará a mídia –hoje sensível a esse tipo de pressão. Mídia que pode até resistir à chantagem do governo e à sabotagem dos grupos empresariais que administram a publicidade. Só não pode é perder o núcleo, a razão de sua essência: o leitor que, multiplicado pela expressão dos veículos, forma o embrião da opinião pública.
Não adianta um grupo de comunicação, ainda que poderoso, querer segurar um governante se a opinião pública o condenou. Não é a mídia que faz a opinião pública. É o contrário.
Bem, eu estava cansado e talvez tenha ouvido mais do que realmente foi dito. Como em qualquer situação, a gente acaba entendendo o que quer. O novo governo, na sua simbiose com o Plano Real, tem em seu ventre um ovo de serpente.

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