São Paulo, domingo, 9 de outubro de 1994
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Detalhes podem ajudar a entender o crime

DA FOLHA VALE

Uma semana após o estudante Gustavo Pissardo, 21, ter assassinado cinco pessoas de sua família, surgem novos detalhes que podem ajudar a entender esse crime até agora inexplicável.
Todas as informações obtidas têm até agora uma única fonte, o segundo depoimento de Gustavo à polícia. Até então, ele era um rapaz normal, bom aluno, esportista, que não usava drogas e não bebia.
O álibi –uma viagem a Caraguatatuba– foi derrubado por uma testemunha. A partir daí, surgiu a versão para os assassinatos.
``A pessoa que cometeu esses crimes não é a mesma que conheci", diz Maria Cristina Salles de Oliveira, namorada de Gustavo.

O ASSALTO
Na madrugada do último dia 30 –depois de matar os pais, o mecânico de manutenção Gumercindo, 46, e a dona de casa Adelaide, 49, e a irmã Maria Paula, 18–, Gustavo tenta simular um assalto em sua casa em São José dos Campos. Coloca no carro uma TV, um aparelho de som e um videocassete –que depois joga em um rio– e retira alguns objetos do lugar.
A simulação não convence a polícia porque ele faz algumas coisas que nenhum ladrão faria: cobre os corpos com cobertores, apaga as luzes antes de sair e deixa R$ 30 sobre a mesa da sala.
Por que teria coberto os corpos? Seria um sinal de respeito ou para esquecer o que havia feito?
``Quando a lembrança (do crime) vinha dava desespero. E quando apagava vivia normalmente", disse Gustavo, em seu depoimento.

O REMÉDIO
Às 22h30 do dia 29, Gustavo reclama de dor de cabeça e vai com o pai até o hospital Policlin, a 15 km de sua casa –no bairro de classe média de Cidade Jardim, zona sul de São José. É medicado, volta para casa e dorme.
Algumas horas depois, por volta das 2h, Gustavo acorda e pega o revólver do pai, um calibre 32.
Todos estão vendo TV –a mãe e a irmã no quarto e o pai, na sala.
Ele vai até o quarto, acerta dois tiros na cabeça da irmã e um na mãe, também na cabeça. O pai ouve o barulho e vai até o quarto, vê o que aconteceu, tenta fugir mas é atingido na nuca.
``O remédio me fez perder a noção do que estava fazendo", disse Gustavo, em depoimento à polícia. Afirmou também que tentou se suicidar depois de matar os pais. ``Coloquei a arma na minha boca, engatilhei, só que não tive coragem de puxar o gatilho."
O medicamento que o estudante ingeriu foi o analgésico Lisador. Segundo o médico Alberto Azevedo Filho, 61, Gustavo teria que ingerir uma dose 15 a 20 vezes maior do que a receitada no hospital para ter um distúrbio mental.
Não há razões para pressupor, segundo os médicos, que o remédio teria tido um efeito colateral ou estimulante.
Se não tivesse noção do que estava fazendo, como Gustavo teria planejado o suposto roubo, colocado as coisas na camionete branca C-20 da família e dirigido cerca de 140 km até Campinas para matar os avós? Ninguém sabe.

MONITOR DE TIRO
Por volta das 4h, Gustavo chega à casa dos avós João, 74, e Antônia, 64. Diz que está com fome e conta o que aconteceu. Eles não acreditam. A avó vai para a cozinha e começa a fritar ovos.
O estudante então decide matá-los. Atira na cabeça do avô, vai até a cozinha e dá outro tiro, desta vez na cabeça da avó.
Os tiros são certeiros, não por acaso, mas resultado da experiência como monitor de tiro durante o serviço militar.
Quando deixa a casa de João e Antônia por volta das 6h30, pretende ainda matar a tia Maria Helena, o tio Joaquim e seus dois primos. ``Queria ir para a casa da minha tia matar eles."
Mas muda de idéia e decide voltar para São José. Na volta –as duas cidades ficam a uma distância de 140 km–, ele pára na rodovia D. Pedro e joga os objetos e arma do pai em um rio.
Em casa, ele arruma as malas e decide ir passar o fim-de-semana em Caraguatatuba (litoral norte). Liga para a estudante Maria Cristina, 21, que namora há cinco meses, e combina a viagem.

O FIM-DE-SEMANA
São 10h quando Gustavo sai de casa. Antes de ir buscar Maria Cristina, ele vai ao Shopping CenterVale, compra duas bermudas e come um cachorro-quente.
Às 13h, chega à casa de Maria Cristina e, duas horas depois, viajam para o litoral. À noite, o pai e o irmão de Maria Cristina se juntaram aos dois.
Para a namorada, Gustavo não diz nada. ``Durante o fim-de-semana, Gustavo estava tranquilo", disse Maria Cristina, em depoimento à polícia.
``Chegou até a comentar que tinha um pai maravilhoso." Para ela, Gustavo teve um distúrbio mental. ``A pessoa que cometeu esses crimes não é a mesma que conheci."

A VOLTA
Na segunda, Gustavo volta para casa e vê que os corpos não foram encontrados. Como se tivesse tomado consciência do que havia feito, senta no sofá e chora. Um vizinho ouve e chama a polícia.
Os corpos dos avós de Gustavo já haviam sido encontrados na noite do dia anterior pela tia Maria Helena e seu marido, Joaquim Rosseto Júnior.
Na madrugada de terça, dia 4, Gustavo vai à polícia. Diz que passou o fim-de-semana com a namorada e, na volta da viagem, encontrou os pais mortos.
No dia seguinte, a polícia pede a prisão preventiva do estudante. Uma testemunha conta que viu um jovem alto, moreno e de cabelos castanhos entrar na casa dos avós de Gustavo entre 6h e 7h do dia 30, hora do crime.
Uma camionete branca também estava parada na porta da casa, segundo a testemunha. Além disso, as balas encontradas nos corpos das vítimas foram disparadas com uma arma calibre 32, mesmo tipo da arma do pai de Gustavo.

A CRISE
O estudante é levado novamente à delegacia, só que desta vez ele confessa. Em um depoimento de quase duas horas, ele afirma não saber por que cometeu os crimes. ``Acabou a minha vida e acabou a vida da minha família."
Na última quinta, dia 6, Gustavo é internado no hospital psiquiátrico Chuí, em São José. Sua prisão preventiva tinha sido decretada pelo juiz Joaquim Figueira do Nascimento, que autoriza a internação do rapaz por 15 dias para exames.
O estudante passa a manhã de sexta amarrado na cama. ``A idéia de se matar voltou com intensidade. Ele não aceita ter assassinado a família. O tempo todo Pissardo se pergunta o motivo de ter feito isso", disse Hélio de Souza Lima, 55, médico responsável pelo acompanhamento do estudante.

PERDÃO
No dia 5, o irmão de Gustavo, Adriano Pissardo, 19, visita Gustavo na delegacia. Ele sobreviveu porque não vive em São José –é jogador profissional de basquete e mora em Nova Friburgo (RJ).
``Não sei quais motivos ele teria para fazer isso. Ele sempre foi uma pessoa calma. Mas quero ajudá-lo a se recuperar. Não tenho porque odiá-lo. Eu o perdôo", diz.

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