São Paulo, domingo, 9 de outubro de 1994
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Leis eleitorais definitivas exigem coragem

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Passamos a semana conferindo a contagem de votos, examinando números e questionando o acesso ao segundo turno, ainda sob denso conteúdo emocional dos últimos dias. Embora o clima eleitoral seja inadequado para a serenidade da discussão jurídica, ele me permite pôr a claro as deficiências do sistema vigente no Brasil.
Criou-se, entre nós, o hábito de leis anuais. Cada eleição vem sendo tratada como fato político isolado, sob lei própria, específica, o que é em si mesmo um absurdo, pelo muito de instabilidade provocada no processo eleitoral. Isso acontece porque nem os partidos nem seus representantes no Congresso se encorajam a olhar de frente o problema de uma legislação estável, que contenha normas gerais providas de alguma permanência, quer para regulamentar o processo eleitoral, quer para determinar os critérios para organização e funcionamento dos partidos.
Faltando coragem e vontade de trabalhar para a realização desse esforço definitivo, é necessário a cada ano –no fim do fim dos prazos possíveis– criar uma legislação de emergência, com soluções casuísticas, geradoras de infindáveis dificuldades para os juízes eleitorais ante a impossibilidade de se criar uma jurisprudência razoavelmente confiável.
O Congresso teve força até para emendar a Constituição, substituindo o antigo artigo 16 (que adiava de um ano a vigência da lei que alterasse o processo eleitoral) por outro (que afirma a entrada em vigor na data da publicação, mas veda sua aplicação durante um ano). Não teve força, porém, para –entre muitos exemplos– resolver a questão das inelegibilidades, da proporcionalidade da representação dos Estados, dos critérios para a criação dos partidos políticos aptas pelo menos, a impedir legendas de aluguel. A fidelidade partidária, o voto distrital, a redução do número de parlamentares são outros temas para serem debatidos e resolvidos democraticamente.
Antes e depois da Constituição de 1988, o fluxo legislativo assinala sucessivas leis para os pleitos municipais, para a escolha do presidente e do vice-presidente da República, para o transporte de eleitores, para a propaganda. Leis casuísticas. A cada lei correspondem muitos outros textos, editados pelo Tribunal Superior Eleitoral, alguns dos quais suprindo omissões dos legisladores. Veja-se o exemplo das eleições deste ano (lei nº 8.713), publicada em 1º de outubro do ano passado, no limite extremo da possibilidade constitucional –mesmo depois que a Carta Magna foi emendada.
Aparentemente nos preparamos para um período na vida do país em que será possível pensar em nossos problemas com uma visão do futuro. Os casuísmos legislativos devem ser abandonados, cabendo até mesmo repensar a sempre dramática questão do financiamento das campanhas, cujos sinais exteriores são os de que nada ou quase nada mudou em relação ao passado recente, exceto o maior cuidado em guardar as aparências.
Não espero que um Congresso omisso, desinteressado e desinteressante como o atual, sobretudo tendo em conta os muitos que não foram reeleitos, leve a peito a transformação desejável. Todavia, ainda assim, chamo a atenção do leitor para o problema, por pensar que cada um de nós tem o dever de buscar o aprimoramento dos canais de manifestação eleitoral do povo, através dos partidos e dos exercentes das funções públicas.

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