São Paulo, domingo, 9 de outubro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

FMI, Banco Mundial e cenário externo

ÁLVARO ANTÔNIO ZINI JR.
ESPECIAL PARA A FOLHA

``Cremylus, um agricultor que chegara à velhice na pobreza e necessidade, vai a Delfos para perguntar ao oráculo como deveria criar seu filho; deveria ensiná-lo a ser pobre e honesto, ou um espertalhão rico? A pitonisa lhe diz para seguir a primeira pessoa que encontrasse. Ao sair, encontra um cego ancião o qual, para a surpresa de todos, era Plutus, o deus da riqueza. Zeus o havia cegado para que não pudesse distinguir dentre os que beneficiava. Cremylus e seu estouvado servidor levam Plutus ao povoado onde moravam. Mas a deusa Pobreza fica sabendo que Cremylus planejava levar Plutus ao sanatório de Asclépio para que o médico lhe restituísse a visão. A deusa vai ao povoado para impedí-los, argumentando que se todos se tornassem ricos seria a ruína do mundo..."
Assim começa a peça ``Plutus", do comediante Aristófanes, que estreou em Atenas em 388 AC (reencenada este verão em Atenas).
Na semana que passou, realizou-se em Madri a reunião anual do FMI e do Banco Mundial. Além de projeções para a economia mundial, houve um avanço das discussões visando redefinir o papel dessas organizações. Assim como na lenda de Plutus, o objetivo dos acordos internacionais é que haja uma justiça ``cega", com oportunidades iguais para todos.
Antes dessa discussão, vamos primeiro comentar as projeções de crescimento e da inflação feitas pelo FMI para 1994-95.
A notícia boa é que a economia mundial está crescendo com vigor e deve manter o crescimento pelos próximos dois anos. Projeta-se que o PIB mundial vá crescer 3,1% este ano e 3,6% em 1995, duas vezes o crescimento registrado em 1990-93. Os países industrializados devem crescer 2,7% e os países em desenvolvimento cerca de 5,6% em 1994-95.
Na tabela você pode acompanhar algumas dessas projeções. É positivo, por exemplo, que todas as áreas em desenvolvimento, exceção feita aos países em transição do socialismo, estejam registrando taxas de crescimento expressivas.
Note também a queda de crescimento prevista para o Brasil em 1995. Isso se deve à expectativa de que as reformas para consolidar o equilíbrio fiscal serão difíceis, bem como à terrível política de taxa de juros elevada que vem sendo praticada.
Paralelamente, a inflação mundial está novamente em níveis baixos. A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), entidade que reune os 24 países mais industrializados, prevê que o deflator do PIB desses países deve elevar-se em apenas 2,1% este ano. Esta é a primeira vez desde os anos 60 que a inflação da OCDE eleva-se menos que 2,5% ao ano.
Embora a inflação americana possa subir um pouco, não há indicação de que vá aumentar de forma generalizada. Mesmo o preço das commodities, que subiu 25% desde 1993, quando é descontado da inflação, atinge apenas 50% do valor real que apresentava em 1980. Portanto, tem-se um cenário em que a inflação retornou a níveis baixos e o crescimento é de mais de 3%.
Outra boa notícia: um grupo de países em desenvolvimento está se tornando uma ``locomotiva de crescimento". Economistas do governo americano fizeram uma lista com os dez países em desenvolvimento mais promissores, que devem crescer mais rápido que os demais até 1999.
Em cinco anos, a Coréia do Sul, China, Taiwan, Indonésia, Índia, África do Sul, Turquia, Polônia, Argentina, México e Brasil irão responder, em conjunto, por praticamente a mesma fração das importações mundiais que o Japão ou a União Européia.
Por outro lado, a economia mundial vem apresentando mudanças importantes com a transição pró-mercado no Leste Europeu e a maior globalização da produção e dos fluxos financeiros. Por essa razão, discute-se qual é o papel de organizações como o FMI.
O FMI foi criado no período imediato do pós-guerra para zelar pelo funcionamento do mecanismo de câmbio fixo instituído pelo acordo de Bretton Woods; já o Banco Mundial foi instituído para financiar a reconstrução da Europa, voltando-se depois para o financiamento da infra-estrutura econômica dos países em desenvolvimento.
No presente, procura-se redefinir o papel dessas instituições. Uma comissão de alto nível, presidida por Paul Volker, propôs que o FMI deve abster-se de fazer o papel de organismo de desenvolvimento e especializar-se na supervisão financeira internacional.
Assim, ademais de funcionar como ``bombeiro" em países com crise no balanço de pagamentos, o FMI deveria procurar implementar políticas de coordenação entre os países do G-7 e criar regulamentações para supervisionar o equilíbrio dos fluxos financeiros internacionais.
No entanto, por gosto ou por desgosto, o FMI está ``de facto" incumbido de financiar a conversão do Leste Europeu à economia de mercado. Para esse fim, os países do G-7 propuseram em Madri a criação de um fundo especial de $ 24 bilhões de SDRs (a moeda do FMI), que permitiria expandir os créditos ao Leste Europeu.
No entanto, escaldados pelo tratamento que receberam nos anos 80, os países em desenvolvimento, entre eles Brasil, Argentina e Índia, bloquearam a proposta. Foi um golpe para a iniciativa do G-7.
Quanto ao Banco Mundial, este vem diminuindo seus financiamentos na área de infra-estrutura e aumentando os recursos canalizados para as áreas sociais (educação, saúde, promoção de grupos de baixa renda). E, como defende a privatização, há todo um esforço para que a Corporação Internacional de Finanças (ou IFC), órgão subsidiário do banco, aumente os empréstimos diretos ao setor privado no Terceiro Mundo.
A reorganização do FMI e do BM interessa ao Brasil. Mais do que nunca há que atentar para que essas instituições possuam regras gerais benéficas para todos. Mas nossa influência nesses órgãos será proporcional à nossa capacidade de botar a economia em ordem.

Texto Anterior: E os gringos não vieram
Próximo Texto: Armadilha tentadora
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.