São Paulo, domingo, 9 de outubro de 1994
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Classe trabalhadora é que paga imposto

OSIRIS LOPES FILHO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Ventos fortes de mudança, novos eleitos em 3 de outubro, o povo desejando melhoras, tudo indica que vai se incrementar a onda reformista, que poderá em crescendo adquirir a configuração de maremoto.
Uma expectativa de mudança, que vem de longe, tendo entrado em pauta várias vezes nos últimos anos, é a tão decantada reforma tributária. A expressão parece ter poderes mágicos, pois têm havido propostas de todos os matizes, no sentido de implementá-la, desde as paradisíacas até as catastróficas.
E há as que parecem paradisíacas mas, na realidade, são catastróficas, como, por exemplo, a da implantação do imposto único sobre transações.
Não há como fugir ao tema. Ele se impõe, não só pela vontade das elites, mas como necessidade prática sentida pela população.
A questão básica consiste em determinar o que reformar. Em seguida, estabelecer que tipo de reforma: da norma tributária ou da realidade tributária.
Deve-se inicialmente verificar que o nosso sistema tributário tem baixa eficácia. Dito de outra forma, a evasão tributária é fantástica. Hoje, ela alcança 50% da base tributária. Entretanto, já foi muito maior. Tem sido reduzida com intensidade nestes últimos dois anos. Mas resta muito a caminhar nesse sentido.
A carga tributária é pessimamente distribuída no país, concentrando-se acentuadamente no trabalho. Quem a assume decisivamente é a classe trabalhadora, principalmente a classe média assalariada. Esta é uma matéria de fato, decorrente de que a classe média tem descontado na fonte o seu Imposto de Renda, não tendo como fugir.
Se for considerado que os impostos que incidem sobre as vendas, do tipo ICMS, IPI, ISS, embora pagos pelo industrial, comerciante e prestador de serviço, que são por excelência seus contribuintes, acabam por ser recuperados por tais pessoas, em condições normais de mercado, ao venderem as mercadorias ou serviços.
Transfere-se, dessa forma, aos consumidores tais impostos embutidos no preço final desses itens. A consequência é a de que a classe trabalhadora termina suportando uma carga tributária brutal e injusta.
O evasor tem sido o grande beneficiário do sistema existente. A carga tributária é de tal forma concentrada que, quando um contribuinte correto paga o imposto, em verdade está pagando por si mesmo e por uma outra pessoa que se evade.
O evasor tem vantagens excepcionais. Tem a garantia do desenvolvimento do seu negócio, derrota o concorrente que paga corretamente o imposto e, quase sempre, para indignação do povo, tem seguido em frente próspero e impune na evasão.
Uma nova ética está surgindo nessa área. Setores crescentes da sociedade, abandonando a atitude anterior de condescendência, que já chegou até a suscitar a admiração pelo sucesso do evasor, começaram a se indignar e clamar para que a justiça se faça, alcançando o patrimônio dessas pessoas e, se elas chegam a se classificar como sonegadores (os que praticam os crimes contra a ordem tributária), se lhes envie para a cadeia, comprometendo, assim, a sua liberdade.
Divulgou-se que há, no Brasil, um excesso de figuras tributárias. Chegou-se a dizer que existem 58 tipos diferentes de impostos. Erro grosseiro, ainda que se tenha entranhado na mente das pessoas.
Em verdade, o sistema tem 14 impostos. Destes, apenas quatro são poderosos em termos de arrecadação e expressividade de sua incidência: ICMS, Imposto de Renda, IPI e ISS. Os outros são impostos setorizados, sem grande significado arrecadatório.
A grande massa de tributos se deve às taxas. Taxas que se cobram em decorrência da prestação de serviços públicos ou pelo exercício do poder de polícia. Têm, pois, índole contraprestacional. Realizado o serviço ou exercido o poder de polícia, o beneficiário ou destinatário paga por ele. É das mais justas cobranças tributárias.
O que tem sido incorreto nesse debate sobre o número de tributos é que se fala em outros modelos, como o americano, o alemão, o francês, etc., sem mencionar que nesses países, considerados como exemplos, os tributos ultrapassam a uma centena, chegando a cerca de 230 na Alemanha.
Tratando-se de imposto, a denominação não deve ser importante, mas sim o seu âmbito de incidência. Há algumas propostas simplificadoras do sistema que, de tão simplórias, em verdade estão a agredir a inteligência.
Exemplo: a criação do imposto sobre o comércio exterior, visando diminuir o número de impostos, no caso o de importação e o de exportação. Ora, tal imposto vai incidir sobre a exportação e a importação. A simplificação, nesse caso, é mero engodo para iludir os incautos.
O importante, em matéria de reforma tributária, é o diagnóstico do sistema, a determinação de seus pontos de estrangulamento, suas distorções, incongruências, custos exorbitantes, mas também a identificação de sua excelência, para, então, decidir mudar.
Não basta dizer genericamente que é preciso reformar. Para aproveito do debate e para que o seu resultado seja satisfatório, devem ser apresentadas as fórmulas, as propostas feitas concretamente, para que sejam discutidas com a sociedade e o produto tenha um mínimo de legitimidade.
O sistema tributário afeta a vida de toda a população, seja na captação de tributos, seja na aplicação, via despesa pública, do produto arrecadado. É por isto que deve ser discutido pela população. Não pode ser matéria exclusiva de iniciados.
Daí deva ser abordado sob óticas distintas: funcionabilidade, rentabilidade, suficiência de recursos para o Estado mas, principalmente sob o ponto de vista da justiça fiscal, vale dizer, a distribuição solidária da carga tributária, segundo o princípio constitucional da capacidade contributiva.
O professor Geraldo Ataliba propõe um método de trabalho proveitoso, no sentido de se examinar a disciplinação estabelecida na legislação tributária para efeito de potencializar a sua utilização como meio para se obter o aprimoramento do sistema tributário.
Um pouco de humildade e estudo aprofundado da questão podem oferecer um caminho mais seguro e fácil de transitar, sem que necessariamente envolva a reforma da Constituição.

OSIRIS DE AZEVEDO LOPES FILHO, 55, é professor de Direito Tributário e Financeiro da Universidade de Brasília, advogado e ex-secretário da Receita Federal.

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