São Paulo, domingo, 9 de outubro de 1994
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Crítica incisiva às certezas neoliberais

DEMIAN FIOCCA
ESPECIAL PARA A FOLHA

O brilho da coletânea de artigos de Maria da Conceição Tavares –``Lições Contemporâneas de uma Economista Popular"– está na distância que seus textos guardam das provisórias, mas arrasadoras, unanimidades a que o Brasil adere de tempos em tempos.
Herdeira do pensamento econômico progressista da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina das Nações Unidas), a livre-docente pela Universidade Federal do Rio de Janeiro é autora de alguns dos clássicos sobre o desenvolvimento econômico brasileiro.
O livro é uma seleção dos artigos publicados na Folha entre julho de 93 e maio último. Eventuais oscilações na objetividade dos textos –uma licença literária talvez irrepreensível em uma intelectual de seu peso– podem dar a impressão, em alguns poucos artigos, de tratar-se de uma profissão de fé. Mas não é esse o caso.
A incisiva crítica do discurso econômico neoliberal que predomina nos meios políticos conservadores baseia-se em profundo conhecimento da realidade brasileira, dos instrumentos de política econômica –e os interesses envolvidos em sua aplicação– e da economia internacional.
Logo de início, em ``Competitividade Sistêmica: O Abismo entre a Teoria e a Prática", a professora apresenta com clareza as razões pelas quais a educação básica e os investimentos em infra-estrutura são fundamentais para respaldar a competitividade de qualquer país. Com o mesmo discernimento, mostra a incoerência dos atuais grupos governantes, que, por exemplo, combatem duramente as reivindicações de professores –que montam a apenas 0,24% do orçamento de São Paulo– enquanto demonstram maior flexibilidade em outros gastos.
Mais adiante, no capítulo sobre o pacto inflacionário, lê-se: ``...enquanto Betinho é obrigado a pedir desculpas por ter aceito 40 mil dólares dos banqueiros do bicho para salvar os aidéticos, nossos `homens de bem' não são obrigados a pedir desculpas pelos 20 bilhões que pagarão voluntariamente aos banqueiros verdadeiros."
Sobre economia internacional são excelentes os artigos ``A Reunião de Tóquio: Adeus ao Liberalismo Econômico" e ``(Des)Ajuste Global". Os textos sobre a revisão constitucional demonstram uma compreensão aguda das questões em jogo, muito além da simplificação de que se trata apenas do descaso de deputados com propostas supostamente consensuais.
Por fim, não se pode deixar de mencionar o espírito público da economista, que esteve engajada na luta pela democratização do país e cuja produção constitui um dos pilares da crítica às políticas conservadoras do regime militar.
A franqueza com que apresenta o livro como compromisso de sua atual candidatura a deputada federal pelo Rio de Janeiro é característica daqueles poucos, mas não tão poucos, que entram na política –no seu caso, aos 64 anos– para defender os princípios e programas que julgam capazes de resgatar a dívida social e conduzir o Brasil a um desenvolvimento moderno, socialmente responsável.

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