São Paulo, domingo, 9 de outubro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Notei que no Brasil há resistência em se tributar os mais ricos

Folha - Esse não é um futuro distante? Não é difícil falar em políticas coordenadas quando há, por exemplo, diferenças tão grandes entre o sistema tributário dos EUA e da Europa?
Galbraith - Isso está certo. É uma das coisas sobre as quais temos de começar a conversar. Porque se vamos viver juntos neste mundo, com as relações internacionais cada vez mais estreitadas, nós teremos de ter similaridades nas nossas políticas. Será difícil, não há dúvida quanto a isso. O que não significa que não se deva encarar a questão como um objetivo factível. O que pretendo dizer é que, quando encontramos com os japoneses, gostaria de ver menos discussão sobre o comércio do arroz e mais sobre o que fazer para expandir nossas economias.
Folha - Li certa vez que o sr. teria dito que, no futuro, o FMI terá de enfrentar o fato de que muitos países não irão pagar suas dívidas externas. O sr. realmente disse isso?
Galbraith - Não, eu não colocaria o FMI nessa situação... Mas houve, em tempos recentes, casos –notadamente na América Latina– onde tivemos tomadores de empréstimos e financiadores insensatos. O resultado foi uma enorme dívida que não poderia ser paga sem consequências sérias por toda a parte. Eu não faria desta uma recomendação geral, mas há vezes em que a melhor solução para a dívida externa é se livrar dela.
Folha - O sr. quer dizer simplesmente não pagar?
Galbraith - Hããã... simplesmente não pagar (risos). No século passado, essa foi a política dos EUA. Em várias ocasiões acumulou-se grandes dívidas contra a Europa. Primeiro para construir canais, depois para se abrir estradas de ferro... E os europeus não foram pagos. Os canadenses fizeram o mesmo. Até poucos anos atrás você podia comprar títulos em Londres que foram emitidos para construir estradas de ferro no Canadá em 1850. Acho que eles eram vendidos bem barato...
Folha - O sr. disse que a sua recomendação para não pagar a dívida vale para certos casos. E quanto ao caso do Brasil?
Galbraith - Eu não daria uma resposta específica sem ter mais informações do que disponho no momento. O Brasil é uma economia em expansão e talvez tenha melhorado sua capacidade de pagamento. Basicamente, eu penso que as pessoas têm de pagar suas dívidas. Mas há ocasiões em que uma ``cirurgia" é a solução.
Folha - Voltando aos EUA, houve uma mudança radical entre as políticas econômica e fiscal da administração republicana de Reagan e da administração democrata de Clinton. O sr. poderia comentar essas diferenças?
Galbraith - Eu prefiro muito mais as políticas conduzidas pelo sr. Clinton do que as adotadas pelo sr. Reagan. Um dos problemas que o sr. Clinton tem é a ``herança" do sr. Reagan. Nos anos Reagan mudamos da posição de maior credor do mundo para a de nação maior devedora. E no processo de pagar os nossos débitos, o dólar foi desvalorizado. Nos anos Reagan, ao invés de se priorizar o investimento na produção, usou-se o capital para investir no poder do homem.
Agora temos de encarar o problema da contração dessa indústria quebrada e do déficit público permanente, que nos mantém afastados de um uso mais ``humano" dos recursos públicos. A diferença entre o sr. Reagan e o sr. Clinton é que Clinton herdou essa política –e Reagan não. O sr. Reagan foi fiel ao seu eleitorado. Ele foi eleito com o apoio da parcela mais rica da população e tinha de protegê-la. Ele sempre se lembrou de seus velhos amigos de Hollywood.
Folha - Este não é um momento histórico delicado para os EUA? O mundo está se dividindo em blocos econômicos, geopolíticos –a Comunidade Européia, os países asiáticos se aproximando... Os EUA têm de enfrentar isso, além de problemas econômicos internos. Isso não coloca o país em desvantagem?
Galbraith - A primeira responsabilidade da administração Clinton é com a economia interna –estamos preparados para aceitar isso (risos). No começo desses novos tempos nós devemos pensar em termos de ação global, mas num curto prazo a administração Clinton conseguiu desenhar uma substancial melhora da economia. Ainda há muito desemprego e subemprego. Mas a economia está muito mais forte do que durante o governo Bush (o republicano George Bush, 1989 a 1992). Portanto, eu não acho que o sr. Clinton esteja indo mal, de um modo geral, no fronte econômico.
Folha - O sr. tocou no desemprego, que é um dos principais problemas hoje na Europa...
Galbraith - Também há desemprego no Brasil...
Folha - Sim, sem dúvida. Como, na sua opinião, pode-se enfrentar essa questão hoje?
Galbraith - Bem, isso é parte do problema político. Neste momento nós temos o FED (Federal Reserve, o Banco Central dos Estados Unidos) temeroso em relação à inflação, em relação a uma economia que está se expandindo muito rapidamente. Você leu nos jornais que eles estão aumentando as taxas de juros para frear a recuperação econômica. Eu não faria isso. Eu deixaria a recuperação continuar e os EUA deveriam aceitar alguma inflação a fim de reduzir o desemprego. Eu não acredito que o desemprego seja um instrumento de estabilidade da economia. Isso é cruel demais.
Folha - Mas esta é a política que tem sido adotada pelos países industrializados para controlar suas economias e também um dos principais ingredientes do receituário do FMI.
Galbraith - Como já disse antes, não apoio a política do FMI e nem mesmo a política do sr. Greenspan (Alan Greenspan, presidente do FED). O sr. Greenspan fala para uma determinada audiência: ele fala para os bancos, que querem um bom retorno para o seu dinheiro, ele fala para os empresários, que não querem nenhuma inflação e esperam um bom retorno para os seus investimentos. Ele fala, como republicano que é, para as pessoas que querem ver Clinton derrotado nas próximas eleições.
Folha - Voltando ao desemprego, não é possível elevar investimentos e gastos públicos ilimitadamente. Qual seria, então, o ponto de equilíbrio?
Galbraith - Eu manteria as taxas de juros baixas e me preocuparia –particularmente nos EUA– com o déficit público. No passado já defendi uma política de assimilação da força de trabalho ociosa pelo governo, mas não creio que isso seria prático agora porque a economia está se expandindo. Mas eu certamente permitiria a continuidade da expansão, abrindo tantas portas quanto possíveis para criar mais empregos.
Folha - Há muitos semelhanças entre os problemas da economia norte-americana e da brasileira: um elevado déficit público, elevado índice de subempregos, uma política econômica baseada nos juros elevados... A sua receita para o Brasil seria a mesma?
Galbraith - O Brasil tem uma indústria altamente desenvolvida, tem experimentado uma rápida expansão em algumas regiões... Eu li um artigo sobre a região de Belo Horizonte. Estava correto, não?
Folha - Sim, estava.
Galbraith - Bem, então eu recomendaria para o Brasil, em linhas gerais, a mesma política que recomendo para o sr. Clinton.
Folha - O sr. está acompanhando o plano econômico que foi adotado no Brasil?
Galbraith - Só pelos jornais. Não tenho informações muito completas.
Folha - Uma das principais críticas que ouvi aqui nos EUA de técnicos do governo especialistas em Brasil é que este não seria um plano, mas apenas um primeiro passo em direção a reformas econômicas muito mais drásticas –que terão de ser feitas caso se queira estabilizar definitivamente a economia.
Galbraith - Pouco importa se as medidas são chamadas de plano ou não. O que interessa é se elas estão na direção certa –e aparentemente estão. O essencial é saber administrá-las, é não deixar que se transformem em outro Plano Cruzado –que acabou sendo usado para ganhar as eleições. Não gostaria de dar opiniões sem conhecer melhor o plano. Mas algo que notei, como disse há pouco, é que há no Brasil uma resistência para se tributar os mais ricos, para se cuidar da distribuição de renda.
Folha - O sr. acha que o plano não cuida disso?
Galbraith - Exato.
Folha - Qual seria o seu conselho para o autor do plano, Fernando Henrique Cardoso?
Galbraith - Se tivesse que dar um conselho, diria: olhe mais para os pobres. Do contrário esse será um grande problema, em breve, para o Brasil.

LEIA Sobre novo livro de Galbraith à pág. 6-11

Texto Anterior: A "cirurgia" de J.K. GALBRAITH
Próximo Texto: Os dois mundos de NOAM CHOMSKY
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.