São Paulo, domingo, 9 de outubro de 1994
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Lecciones

A comparação com a Argentina surge com bastante frequência na análise de propostas para a política econômica brasileira. É certo que há diferenças consideráveis entre as duas economias –a começar pela magnitude do PIB brasileiro, de cerca de US$ 450 bilhões ou aproximadamente o dobro do argentino. Mas há também semelhanças que justificam uma atenção mais detida ao desempenho do vizinho platino, particularmente no que se refere aos custos da estabilização.
É claro que ninguém espera, com um mínimo de realismo, que a inflação desabe dos patamares acintosos que vigoravam no país até há muito pouco para níveis civilizados de forma rápida e indolor. Mas uma breve avaliação do que ocorreu com os preços na Argentina após o Plano Cavallo, adotado em abril de 91, serve como sóbrio alerta de que a estabilização é um processo bastante longo e difícil.
Como mostra o gráfico, a inflação argentina sofreu sensíveis oscilações após a fixação da paridade legal com o dólar, com taxas mensais de até 3% sucedendo-se a resultados como 0,4% e 0,6%. Nos oito primeiros meses do plano, a inflação acumulada chegou a 21%. Apenas dois anos depois as taxas mensais passaram a manter-se consistentemente abaixo de 1%.
É necessário sublinhar as diferenças entre as duas economias. O país vizinho, por exemplo, partiu para o Plano Cavallo quando já havia de certa forma equacionado o problema da sua dívida interna –ainda que por meio de um calote, que alongou unilateralmente o perfil do débito do governo. Mais ainda, a Casa Rosada já havia dado início à reforma do Estado com mudanças no sistema tributário e um amplo programa de privatização que se aprofundaria nos anos seguintes.
No Brasil, a estrutura de impostos continua a exigir reformulação. A privatização tem caminhado mais lentamente do que seria desejável e a dívida interna continua a absorver vultosos recursos.
De outro lado, a situação é sem dúvida mais favorável ao Brasil no que se refere ao aspecto cambial. O engessamento por lei da paridade com o dólar na Argentina, se contribuiu para interromper os mecanismos de indexação no curto prazo, criou um grave impasse. A defasagem cambial vem se acumulando desde o início do Plano Cavallo (a inflação interna do período supera os 50%) e tem-se traduzido em déficits comerciais cada vez maiores.
Tal situação não pode durar indefinidamente, mas uma correção do câmbio ameaça fazer saltar a inflação. Este é talvez o dilema central da estabilização argentina. Já no Brasil, também por causa da experiência vizinha, a política cambial assumiu uma forma mais flexível.
Há evidentemente várias outras diferenças, algumas favoráveis ao Brasil (como as respeitáveis reservas internacionais), outras não (como a maior sintonia entre o Legislativo e o Executivo na Argentina).
São características que não bastam, porém, para fazer crer que a lógica do combate à inflação seja aqui substancialmente diversa da de lá. Nesse sentido, há lições tanto no ziguezague dos preços pós-Plano Cavallo quanto nos indicadores de desemprego (que lá tem aumentado apesar do grande crescimento do PIB). Sugerem que também os brasileiros terão de preparar-se para um luta árdua, penosa e prolongada antes que a estabilização possa ser consolidada.

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