São Paulo, segunda-feira, 10 de outubro de 1994
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Wladimir Horowitz eliminou concorrência

LUÍS ANTÔNIO GIRON
DA REPORTAGEM LOCAL

A gravadora Sony lança no Brasil a coleção ``Vladimir Horowitz - The Complete Masterworks Recordings". São 12 CDs com quase todas as gravações realizadas pelo pianista russo naturalizado norte-americano Vladimir Horowitz (1903-1989) para o selo Columbia entre 1962 e 1973.
O material sonoro foi retirado dos 14 LPs feitos por Horowitz em Nova York na fase mais perfeccionista de uma carreira que durou 72 anos e estabeleceu o mais alto padrão de interpretação pianística do século. Afetou de tal modo a prática do instrumento que eliminou a concorrência, suprimiu e suprime o surgimento de novos talentos.
Ao ouvir o toque de ouro, a exata enunciação melódica e a galáxia de timbres produzidos por Horowitz, o possível aspirante a artista se espanta e se retrai. Ouve nele um semideus. O semideus da alta performance.
Não foi o único a intimidar. A produção musical virou no século 20 exclusividade de uma casta semidivina. Quem primeiramente abordou esse aspecto foi o historiador norte-americano Edward Said no ensaio ``Elaborações Musicais" (Imago, 1992).
Segundo Said, o campeão da performance foi o pianista canadense Glenn Gould, capaz de desistir dos palcos, regravar com perfeição a integral da obra de um compositor para enxovalhá-lo na contracapa do LP.
Mas Gould não possuía a técnica de Horowitz. Optou por leituras extravagantes que reduziam a partitura a um ponto de escuta. Horowitz vence as resistências também pelo respeito aos originais e a expressividade no instante certo, sombreando a estrutura genuína.
Até mesmo sua fila de rivais (Rubinstein, Backhaus, Michelangeli, Rachmaninov, Sviatoslav Richter...) desistiu de competir.
Horowitz foi o antipedagogo. Não deixou discípulos. Preferiu a exibicão de talento eclético à formação de prováveis êmulos. Espantou a cena musical desde sua estréia em Berlim, em 1925. Foi responsável pela popularização do ``Concerto nº 1", de Tchaikóvski a partir de 1926, num concerto em Hamburgo, ao fim do qual recebeu uma hora de aplausos. Repetiu o furor em Nova York em 1928, com a Orquestra Filarmônica de Nova York regida por Thomas Beecham.
As primeiras gravações aconteceram em Nova York em 1930 para a RCA. Executou os três concertos do amigo e conterrâneo Serguei Rachmaninov. A tecnologia primitiva não reproduziu a sutileza do pianista.
Temperamental, decidiu trocar os palcos pelas gravações em 1953. Voltou somente em 1965 no lendário concerto do Canegie Hall em Nova York em 1965. Ali, em três horas, repassou suas especialidades. Era o ápice.
A coleção da Sony traz registros remasterizados deste período. O som do ``período Columbia" ganhou em definição. Os dois primeiros volumes trazem as sessões de gravação feitas entre 1962 e 1963 no estúdio montado pela Columbia na mansão do artista, que se recusava a se mostrar num estúdio. São peças de Chopin, Schumann, Liszt, Beethoven, Debussy, Scriabin, justamente o forte de Horowitz.
Apenas num único estilo de época ele era menos maravilhoso: no barroco. Basta tocar o volume cinco da coleção, que traz obras de Clementi e Scarlatti. Horowitz mostra-se antiquado e ineficaz na emissão melódica.
O volume três é o mais interessante. Traz em três CDs o espetáculo do Carnegie Hall e outros concertos realizados na temporada 1965-1966.
Outra pepita se encontra no quarto e nono volumes. No primeiro, o concerto gravado para a TV em 1968. O pianista relê seus pratos de resistência: baladas de Chopin, sonatas de Scarlatti, Schumann, Scriabin.
No setor russos contemporâneos ou quase, Horowitz se revela insuperável. O nono volume contém as pouco tocadas obras de Rachmaninov para piano solo e os estudos e ``feuillets d'album", de Scriabin. Digitação pontual, nuanças harmônicas nunca exploradas por outros pianistas (nem pelos próprios compositores), cores vivas e metálicas em cada timbre. Ali se concentra a suma sonora de um artista que apagou todo resquício de amadorismo da música.

Série: The Complete Masterworks Recordings
Intérprete: Vladimir Horowitz
Lançamento: Sony Music
Quanto: R$ 20 (o CD nacional, em média)

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