São Paulo, quinta-feira, 13 de outubro de 1994
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A saúde precisa da reforma tributária

EDMUNDO CASTILHO

A realização de uma reforma tributária, ainda em 1994 é de vital importância para a sociedade brasileira. O equilíbrio das contas do governo e a estabilidade do Plano Real são essenciais para os 78 milhões de brasileiros que dependem do Sistema Único de Saúde (SUS) como fonte exclusiva de atendimento médico e para os 32 milhões que não têm acesso a qualquer tipo de assistência.
Ao nosso ver, através do aumento da arrecadação resultante da redução do número de impostos para não mais que quatro, o governo poderá dedicar-se unicamente às funções sociais que a Carta Magna lhe atribui. É por intermédio da reforma tributária e da fixação de um percentual mínimo de 12% para a saúde que o governo terá condições de começar a reverter o caos do setor.
Qualquer outra medida que não passe pela da reestruturação das atribuições do governo tem de ser analisada com cuidado. Como deve ser feito em relação ao decreto 1.232, assinado pelo presidente Itamar Franco em 30 de agosto, que trata das condições e da forma de repasse dos recursos do Fundo Nacional de Saúde para os fundos estaduais e municipais, e que poderia ser chamado de um primeiro passo para a efetiva municipalização da saúde.
Tal decreto, porém, não leva em consideração que a própria crise do setor compromete o SUS, tal como idealizado. Senão vejamos.
A evasão dos melhores profissionais médicos em função dos baixos salários é aterradora. As consultas são realizadas de forma precária, pois não podem ser feitas no espaço de tempo necessário em razão da demanda de pacientes.
Como consequência, a procura por especialistas e a realização de exames que exigem alta e cara tecnologia –nem sempre essenciais– é muito grande, a exemplo do que ocorre em relação às internações.
Tudo isso, mais a escassez de fiscalização do uso dos recursos, gera um círculo vicioso: mais recursos diretamente para os municípios resultam em maior volume de problemas de atendimento, internações indevidas e gastos com tecnologia, o que requer mais custos adicionais e assim sucessivamente.
Segundo a Constituição, cabe ao Estado assegurar o direito à assistência à saúde do cidadão, com a complementação das entidades filantrópicas, (Santas Casas, hospitais-escola e de benemerência) e sem fins lucrativos (cooperativas de trabalho médico).
Assim, propomos que, no lugar da municipalização, o governo incentive a distritalização do sistema, incentivando o agrupamento de vários municípios em pequenas regiões, que se organizariam em consórcios, para os quais os recursos de todos seriam enviados.
Ao mesmo tempo, que seja priorizado o atendimento da população pelas Santas Casas e hospitais-escola, em nível hospitalar, e pelas cooperativas médicas, em nível ambulatorial. E ainda que seja dado o incentivo à organização dos próprios usuários em cooperativas, para defesa de seus interesses.
A fiscalização do sistema, por sua vez, ficaria a cargo do Tribunal de Contas dos municípios e dos Conselhos Municipais da Saúde. Tal modelo é posto em prática no Japão, com resultados que só não são melhores porque lá os médicos não estão organizados em cooperativas de trabalho tais como as existentes no Brasil.
Um primeiro passo nesse sentido aqui no país está sendo dado em Penápolis, município de 40 mil habitantes a noroeste do Estado de São Paulo. Lá, prefeitura e cooperativa médica locais se uniram a outros seis municípios da região e instituíram o Consórcio Intermunicipal de Saúde, que atende a 80 mil habitantes.
No âmbito hospitalar, através da Santa Casa de Penápolis e dos hospitais públicos e filantrópicos lá existentes, e no âmbito ambulatorial, através da cooperativa médica.
Nesse caso, o atendimento ainda não é o ideal, justamente porque a transferência de recursos da União é pequena –daí a importância da reforma tributária e o consequente aumento no volume de recursos.
Além disso, embora a população esteja sendo preparada e informada sobre como utilizar o sistema da melhor forma, ela ainda não se organizou em cooperativas de usuários, o que é vital no processo.
Ainda assim, essa alternativa é a mais coerente e viável. Ela permite a participação de todos os segmentos da sociedade no processo, livra o governo da incômoda posição de quem precisa andar de pires na mão em busca de recursos e ainda o dispensa de tomar atitudes como aquela prevista no decreto 1.232, já citado, que determina que os planos de saúde reembolsem ao SUS por qualquer tipo de atendimento prestado a usuários segurados por esses planos.
Um instrumento no mínimo discutível constitucionalmente, uma vez que saúde é direito de todos e dever do Estado. Não seria certo, então, que os usuários de planos também cobrem do governo o reembolso do desconto efetuado em sua folha de pagamento por um direito que não usufruem?

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