São Paulo, quinta-feira, 13 de outubro de 1994
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Os desafios da pesquisa

JOSÉ EDURDO BANDEIRA DE MELLO

A humanidade vive, hoje, na era da mecatrônica e da biotecnologia. Mas, a fantástica máquina que move esta nossa sociedade pós-industrial ainda não conseguiu um feito tão importante quanto os avanços científicos e tecnológicos: a produção de melhor distribuição de renda e mais justiça social.
É fato que esse sofisticado arsenal tecnológico exerce um papel indutor na reestruturação dos sistemas políticos e sociais, abrindo caminhos diferentes para a humanidade. O modelo materialista e consumista de vida vem sendo substituído por valores mais subjetivos e solidários na busca de melhor qualidade de vida.
No Brasil, as exigências éticas na política, a participação das entidades civis nos problemas sociais, são exemplos claros da exaustão do modelo que privilegiou o individualismo. Os homens se ``humanizaram" com o desaparecimento do hermetismo ideológico. É necessário enfatizar que todo esse movimento se expressa na economia mundial através da formação de blocos de países.
O desenho desse novo modelo, bem como o seu gerenciamento, é que definirá os rumos futuros. A ansiedade pelo que está por vir, alterando as relações sociais intra e supranacionais, deverá ser respondida por ações concretas.
No que diz respeito ao Terceiro Mundo, e especificamente ao Brasil, é urgente definir logo táticas e estratégias. O peso de nosso país, oitava economia mundial, nos dá todas as condições para influenciar ativamente a nova ordem mundial.
Para que possamos fazê-lo, algumas políticas setoriais devem ser pensadas. Tomemos o caso da saúde. Trata-se de uma questão nevrálgica em qualquer sociedade, que envolve aspectos delicados, especialmente, um que é de caráter universal, mas se reproduz no Brasil: a pesquisa e a tecnologia para o desenvolvimento de medicamentos.
É sabido que para a descoberta e produção de novas moléculas são necessários investimentos cada vez mais vultosos, dos quais nem os Estados nacionais nem as universidades dispõem. Das cem drogas mais consumidas no mundo, 97 foram descobertas pelas empresas farmacêuticas privadas, duas por universidades e uma única por cientista independente. Isto significa que somente as grandes corporações multinacionais têm condição de manter o fluxo de inovações no arsenal terapêutico.
O poder econômico dessas grandes corporações, contudo, vem sendo constantemente contrastado em todo o mundo, por intermédio de tentativas de imposição de controles políticos, que amenizem seu domínio sobre uma área vital para a sociedade humana.
De um lado, as corporações justificam sua necessidade de ter bons lucros pela premência de gerarem recursos para investir em pesquisa de novos medicamentos. De outro, as autoridades públicas procuram diminuir o preço dos medicamentos, alegando que são muito altos.
Diante dessa queda-de-braço, surge uma pergunta: será que as grandes corporações continuarão a investir em novos medicamentos se sentirem que suas margens de lucro tendem a diminuir? Orientado apenas pela sua própria lógica, o capital tende a se deslocar para onde as possibilidades de lucro são maiores.
Qual a reação dos laboratórios ``research oriented" diante do fortalecimento da presença, em todo o mundo, dos medicamentos genéricos, que estabelecem uma competição baseada na vantagem comparativa dos preços? Esses laboratórios continuarão a investir, ao longo do tempo, em pesquisas cada vez mais sofisticadas e caras? Se eles não o fizerem, quem o fará? Eis aí uma questão para ser pensada de forma criativa tanto nos países desenvolvidos, como no Terceiro Mundo e, especificamente, no Brasil.
Estamos diante da oportunidade de encaminhar positivamente a solução de uma questão vital para a sociedade. As mudanças de padrões culturais e econômicos citados no começo deste artigo indicam que há novos caminhos a serem explorados, conciliando não só o interesse das grandes corporações com o das autoridades públicas de todo mundo, mas também com os de blocos econômicos e de países.
O que está em jogo é a saúde da sociedade. Para os países em desenvolvimento, o desafio tem dimensões sociais, diante da carência de recursos de boa parte de suas populações. É preciso enfrentá-lo.

JOSÉ EDUARDO BANDEIRA DE MELLO, 55, é presidente-executivo da Associação Brasileira da Indústria Farmacêutica (Abifarma).

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