São Paulo, quinta-feira, 13 de outubro de 1994
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Mortalmente tardia

As notícias que têm sido publicadas nos últimos dias acerca das condições de hospitais públicos no Rio de Janeiro oferecem um retrato contundente e alarmante dos resultados de uma política de décadas de descaso acumulado para com a área da saúde no país.
Como informou esta Folha, a Secretaria Municipal de Saúde carioca já está permitindo a internação de dois pacientes em um mesmo leito em decorrência da superlotação. Pouco antes, veio a público a notícia de que um parto foi realizado em cima de uma pia no maior hospital da cidade –fato admitido como corriqueiro na instituição.
Nessas condições, não surpreende que estudos da direção revelem um índice de mortalidade assustadoramente alto entre pacientes graves, nem que parte do pessoal do hospital –onde o salário inicial de um médico é de aviltantes R$ 170 por mês– tenha acenado com uma demissão coletiva.
O mais inquietante é notar que essa situação caótica, longe de se limitar ao Rio, repete-se em diferentes graus por todo o país. A crise da área de saúde –essencial se é que há alguma que mereça tal denominação– é antiga, crônica e geral.
O caminho para reformar o setor na verdade já está corretamente apontado pela própria Constituição de 88: a descentralização. Falta implementá-la de forma efetiva, somando-a ainda, inafastavelmente, a um combate vigoroso e sem tréguas contra o desperdício.
De fato, diversos especialistas admitem que, das verbas destinadas à saúde, uma parcela considerável –e inaceitável– é absorvida pelos meandros da burocracia, pela ineficência geral do sistema e pela corrupção. Uma descentralização de verdade, nesse sentido, facilitaria o controle tanto de ineficiências como de irregularidades, liberando os recursos para sua real finalidade.
São avanços porém que dependem de uma reversão nas prioridades de todas as esferas de governo que finalmente coloque a saúde no seu devido lugar. Reversão aliás –e cada novo escândalo na área só reforça essa constatação– que já se faz mortalmente tardia.

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