São Paulo, segunda-feira, 17 de outubro de 1994
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'Globalização é totalitária', diz líder religioso

Folha - Qual a importância de temas como globalização da economia e liberalismo em um encontro como a 1ª Jornada Ecumênica?
Konrad Raiser - As igrejas cristãs estão profundamente preocupadas com qualquer coisa que possa fortalecer a vida das pessoas. Entendemos o evangelho como uma mensagem de vida em abundância para todos. Ao mesmo tempo, estamos preocupados com qualquer coisa que limite, que ameace ou destrua a possibilidade de vida em abundância. A economia, no momento, é um conjunto das forças que decidem a possibilidade de vida para o povo. Isso tem recebido uma atenção especial e reflexão de igrejas no mundo todo.
Folha - A Teologia da Libertação passa por reestruturação. O mesmo ocorre com o CMI?
Raiser - É verdade que o movimento ecumênico começou o processo que foi assumido de forma mais poderosa pela Igreja Católica. Depois do Vaticano 2, a Igreja Católica se abriu para a cooperação com outras igrejas. Tem havido um intercâmbio intenso entre católicos e protestantes na questão teológica.
A Teologia da Libertação, em particular, se refere a uma expressão que é o compromisso básico das igrejas com a causa da justiça, uma opção privilegiada pelos pobres. Isso tem moldado o discurso ecumênico nos últimos 20 anos. Principalmente, após a conferência de Medellin, em 1968. Na verdade, a Teologia da Libertação perdeu parte da sua vitalidade. Eu atribuo isso a dois fatores. Por um lado, tem havido resistência contra a Teologia da Libertação de parte de setores da hierarquia católica e por parte do Vaticano, que tem procurado silenciar seus principais representantes dentro da igreja católica.
Em segundo lugar, pelo menos alguns dos expoentes da Teologia se identificaram de forma muito estreita com uma análise política particular –no caso uma visão socialista, marxista da história, que atualmente perdeu sua credibilidade. O socialismo como forma de organizar a economia entrou em colapso.
Folha - O movimento ecumênico se identificou com o socialismo?
Raiser - Não é correto dizer que o movimento ecumênico se identificou com o socialismo. Houve alguns grupos que adotaram sua opção socialista dentro de sua opção ecumênica. Aqueles para quem o socialismo foi a forma mais convicente de organização política capaz de traduzir o seu compromisso por justiça.
Mas a maioria das igrejas do CMI não compartilhou explicitamente com nenhuma forma particular de socialismo. Há três anos publicamos estudo sobre a fé cristã a economia mundial, no qual dizemos que nenhum sistema ou forma de organizar a economia, seja socialista, social-democracia, economia de mercado ou de estado, é considerado como modelo ideal. O estudo tenta identificar alguns critérios pelos quais nós podemos julgar qualquer sistema de organização econômica.
Folha - A globalização da economia é um bom caminho?
Raiser - Creio que a globalização da economia é responsável pelo aparente fracasso a que presenciamos do sistema financeiro mundial. A chamada globalização distribuiu limites muito fortes para os governos, mas também para os movimentos que lutam pela justiça dentro de um só país. Hoje, o que temos de fazer é reconhecer o caráter totalitário da globalização da economia. Eu vejo que estamos no meio de um processo de reconsiderar as estratégias, perspectivas e a luta contra o processo crescente de exclusão de grande parte da população. Esses setores excluídos pelo sistema não existem mais. É uma nova forma de eliminação de população.
Folha - Como o sr. analisa os resultados da Conferência do Cairo e o desempenho da Igreja Católica sobre natalidade, aborto e homossexualismo?
Raiser - Eu acho que o Vaticano cometeu um grave erro. Ele tentou dar uma impressão pública de que aborto, homossexualidade e contraceptivos eram os principais temas da conferência e que o projeto total da conferência era a expressão de um ataque radical feminista contra as bases da família e dos valores da moralidade. Eu acho que esta impressão do Vaticano não representa o que a conferência significou.
Folha - O sr. é a favor do aborto?
Raiser - Certamente eu não sou a favor do aborto. Entretanto, considero que a forma tradicional de criminalizar o aborto não é uma solução. O aborto é um dos problemas sociais mais dramáticos envolvendo a saúde da mulher.
Folha - O sr. conhece o presidente eleito Fernando Henrique Cardoso?
Raiser - Eu não o conheço pessoalmente, mas li seus livros mais antigos. Tenho uma ótima impressão sobre ele e me inspirei em seus textos.

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