São Paulo, segunda-feira, 17 de outubro de 1994
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A empresa bem comportada

HELCIO EMERICH

Era uma vez uma companhia que nasceu em 1983 para atuar no mercado financeiro dos EUA. Seu objetivo era a gestão de recursos de pequenos investidores na cidade de São Francisco, Califórnia.
Com o nome de Working Assets, ela precisava descobrir um posicionamento que a distinguisse das centenas de fundos de investimentos que disputavam as aplicações dos moradores da região e a sua proposta de marketing foi orientada para aqueles cidadãos que desejam mudar o mundo, mas que não querem muito barulho em torno disso.
A WA começou a destinar seletivamente os investimentos dos seus clientes para empresas que, em sua história, não tivessem sido envolvidas, por exemplo, com a poluição do meio ambiente, em confrontos com sindicatos de trabalhadores ou em transações comerciais com países que não respeitassem os direitos humanos, como era na época o caso da África do Sul.
Desfraldando essa bandeira de arrecadar e gerar dinheiro para ``mudanças sociais", a pequena WA logrou um sucesso surpreendente.
O número dos seus investidores, eufemisticamente denominados de ``membros", cresceu e se multiplicou com a velocidade das seitas evangélicas (40.000 clientes no primeiro ano de operações). Gente com vontade de interferir e de participar, desde que isso não implicasse em carregar faixas e cartazes na rua ou em abrir mão da privacidade e das coisas que se fazem no dia a dia do lar.
Embora se intitulando uma ``for-profit marketing company", a WA conseguiu de 1983 a 1990 a façanha de recolher dos investidores um total de US$ 1,8 milhão para aplicar exclusivamente em ``non-profit companies".
Em 1988, um novo salto: através de um acordo com a U.S. Sprint, a empresa se transforma na Working Assets Long Distance, para operar no setor da telefonia internacional. A vocação templária, porém, continuou a mesma.
Convencendo seus assinantes a destinarem 1% do valor das suas contas telefônicas para a ``causa", a WA criou um novo fundo para apoiar entidades sociais, ecológicas e políticas que incluem desde os ativistas do Greenpeace e movimentos como ``Cidadãos em Prol de Impostos Mais Justos" e ``Família Planejada" até militantes do ``National Gay" e do ``Lesbian Task Force".
Os clientes que concordam com o desconto em suas contas de telefone recebem regularmente cédulas para votar ou sugerir as associações que devem receber os donativos e, no final do ano, há nova votação para dividir o dinheiro entre as mais votadas.
A Working Assets não dispensa a propaganda para motivar seus investidores e para atrair novos clientes.
Suas campanhas tem sido veiculadas em revistas como Harper's, The Atlantic, The Nation e Mother Jones. Um ``house organ" orienta os assinantes dos seus serviços telefônicos sobre os órgãos do governo, deputados e senadores que devem ser pressionados em favor desta ou daquela causa.
Para manter intocável sua imagem de empresa bem comportada, a WA deixa claro que os seus impressos, publicações e malas-diretas não significam a predação de árvores: todos são impressos em papel reciclado.

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