São Paulo, quarta-feira, 19 de outubro de 1994
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Pela ética na OAB - 3

LUÍS NASSIF

Assoberbada em apurar desvios do Estado convencional, a imprensa tem dispensado pouca atenção às distorções das instituições para-estatais. Esse descuido permitiu que esses órgãos fossem submetidos a processos de apropriação política por parte de grupos organizados, que em nada diferem dos sistemas políticos convencionais.
No poder, esses grupos tratam de utilizar a máquina para se perpetuar, incorrendo nos mesmos vícios e na mesma falta de transparência do modelo que pretendem criticar.
Na campanha de 1992, para a presidência da OAB-SP, por exemplo, a situação foi acusada de distribuir aparelhos de fac-símiles, gabinetes dentários e verbas para OABs do interior, em troca de apoio político –conforme material fartamente documentado pela oposição. O presidente do órgão era José Roberto Batochio, atual presidente da OAB nacional.
Nas vésperas de campanha, inundou o Estado com "buttons" e plásticos que, embora institucionais, eram graficamente idênticos ao material de campanha de seu candidato, com a mesma cor, o mesmo slogan (}OAB Unida) e uma carta pessoal a cada advogado assinado pelo próprio candidato, em nome da entidade –tudo pago pela OAB.
Depois, encomendou à Imprensa Oficial do Estado (Imesp) a impressão de 120 mil jornais para a campanha de seu candidato –um encarte com 10 páginas, distribuído com a edição do próprio "Jornal do Advogado".
Realizado o serviço, a Imesp emitiu notas fiscais 93841/938 e 17/93828 em nome da OAB-SP, com vencimento para 19 de novembro –um dia após as eleições da Ordem. Na própria nota fiscal especificava-se como local de entrega o endereço do comitê do candidato da situação.
Denunciado o ocorrido, o grupo situacionista correu a pagar a fatura, mas não os indícios de notas faturadas em nome da OAB-SP, e endereço de entrega no comitê do seu candidato.
Dentro do centralismo que caracteriza os órgãos, nenhuma atitude foi tomada internamente, visando apurar o ocorrido e estabelecer limites à atuação dos diretores.
Campanhas
Mesmo na contratação de serviços externos e na utilização das verbas da entidade, há um processo de decisão imperial e muito pouco transparente. Como o ocorrido com a contratação de um plano de saúde pela OAB-SP, também na gestão Batochio.
Em vez de uma seguradora conhecida, optou-se por uma desconhecida Notre Dame, com rede de apenas 15 credenciados limitados à cidade de São Paulo, dois anos de vida e prejuízo registrado em balanço. Mesmo assim, o custo do plano em grupo era quase três vezes maior que o plano individual de uma grande seguradora, como a Golden Cross, com cobertura nacional.
O mesmo processo que marcou a campanha paulista foi repetida na campanha nacional. A campanha foi marcada por denúncias de abuso de poder econômico.
Com dinheiro da OAB-SP, o grupo de Batochio financiou a estadia em hotel de luxo, em Natal, de 44 pessoas. Havia 22 presidentes estaduais da OAB, ex-presidentes da Ordem e 16 esposas. Todos por conta da OAB-SP, a um custo total de Cr$ 100 milhões, em valores da época.
Sua atuação inspirou representações junto ao Conselho Federal da OAB e à OAB-SP, que também não resultaram em nada.
A OAB já desempenhou papel político fundamental na redemocratização brasileira. Hoje, presa ao corporativismo mais estreito, está sacando a descoberto sobre patrimônio acumulado ao tempo de Raimundo Faoro.
Está na hora de iniciar uma autocrítica sincera e desarmada, se quiser voltar a ter alguma expressão institucional. Não será com campanhas tipo "pela ética na política" que conseguirá recuperar a credibilidade, que um dia já gozou no país, se não alterar seus próprios hábitos internos e no relacionamento com a opinião pública.

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