São Paulo, quarta-feira, 19 de outubro de 1994
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Coisa séria

Em uma democracia desenvolvida, o debate do Orçamento serve como um fórum para a discussão das prioridades e rumos do país. Apesar desse caráter grave e essencial, é também uma tarefa rotineira, cumprida todos os anos dentro de determinados prazos e rituais. Já no Brasil, por obra conjunta do Executivo e do Legislativo, esse debate foi reduzido a uma patética novela surrealista; e o Orçamento, a uma desmoralizada peça de ficção.
A esta altura do ano, segundo a legislação vigente, a proposta de lei orçamentária para 95 já deveria estar no Congresso há mais de um mês, permitindo que a discussão estivesse avançada. Segundo a legislação, aliás, o Congresso não poderia entrar em recesso sem votar o Orçamento do ano seguinte.
Pois o Parlamento se esforça agora para obter quórum para votar a proposta orçamentária de 94, na prática quase toda já executada. Vale observar se hoje (afinal, é quarta-feira) os congressistas se dignam a comparecer ao seu local de trabalho e cumprir com gigantesco atraso seu dever constitucional.
Mas é preciso não esquecer que a opereta do Orçamento é escrita a quatro mãos. Boa parte da demora na votação da lei deste ano deve-se ao Executivo, que protelou consideravelmente o envio da proposta definitiva ao Congresso. Pelo menos a idéia levantada nos últimos dias de retirar essa proposta do Legislativo para fazer modificações parece ter sido refutada.
É inegável que a conduta dos parlamentares em geral tem danificado a imagem do Orçamento, reduzido quase a um receptáculo de demandas paroquiais, proveitos clientelistas e mesmo de propósitos escusos. Tais práticas podem ser combatidas com medidas como a proibição de emendas individuais.
Já o objetivo maior, de transformar o processo orçamentário num debate de relevo social, que resulte num compromisso minimamente confiável para o país, depende de que o Planalto e o Congresso comecem finalmente a tratar o Orçamento como coisa séria.

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