São Paulo, sábado, 22 de outubro de 1994
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``Rosas Selvagens" iguala destino e desejo

BERNARDO CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Por anos, André Téchiné tentou alcançar uma representação verdadeira das paixões através de um ``naturalismo maneirista" –um naturalismo forjado por mecanismos tão artificiais que acabavam emergindo na tela contra qualquer ambição de sinceridade.
Foi preciso receber a encomenda de um filme sobre a adolescência para o canal de televisão franco-alemão Arte para que o cineasta francês, optando por uma via autobiográfica (um adolescente em crise com a descoberta de sua sexualidade, nos anos 60), chegasse ao despojamento e sinceridade com que vinha tentando representar a intensidade das paixões.
``Rosas Selvagens", filmado em 16mm com atores inexperientes, materializa, com sensibilidade extrema, essa visão de mundo de que, se não chegam a ser vítimas do desejo, os personagens sofrem do desejo, estão submetidos a ele numa passividade trágica (são apaixonados) em que destino e desejo passam a ser sinônimos.
Em 1962, quando os acordos de Evian declaram a independência da Argélia, um rapaz ``pied-noir" (francês nascido na Argélia) chega a uma pequena cidade do sudoeste da França, revoltado com a independência e com sua condição de ``exilado". O rapaz vai não só instaurar o conflito na escola, com os professores, mas servir como um catalisador da tensão entre os outros protagonistas adolescentes.
François é o menino franzino e frágil, atormentado por sua atração pelos colegas de escola. Ma‹té é a filha da professora comunista, simpatizante da independência da Argélia e com a sexualidade à flor da pele. Serge é o filho de camponeses, mais prático e bruto, por quem François se apaixona antes de sentir-se atraído também por Henri, o ``pied-noir", que terá de enfrentar o dilema entre atração sexual e conflito ideológico no seu encontro com Maïté.
Ao contrário dos personagens adolescentes de filmes americanos, os protagonistas de ``Rosas Selvagens" refletem e falam de seus conflitos com maturidade, sensibilidade e sem verborragia.
Téchiné conseguiu unir política e sexualidade de uma forma inédita e complexa, que escapa aos estereótipos do politicamente correto e da associação reducionista entre perversão e fascismo. Não há militância homossexual ou juízos de valores políticos a priori. Seu partido é o dos personagens, com uma cumplicidade e uma compaixão por todos que lhe permite uma posição singular, para além dos dogmas e preconceitos tanto em política como em sexo.

Filme: Rosas Selvagens
Direção: André Téchiné
Elenco: Elodie Bouchez, Gaël Morel, Stéphane Rideau e Frédéric Gorny
Onde: hoje, às 14h30, na Sala Cinemateca, amanhã, às 16h, no Belas Artes sala Portinari.

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