São Paulo, sábado, 22 de outubro de 1994
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Palavras que vêm do frio

CLÓVIS ROSSI

SÃO PETERSBURGO – Vlada Bankevich, a guia que conduziu o presidente eleito Fernando Henrique Cardoso pelos corredores do Hermitage, um dos quatro maiores museus do mundo, resumiu em uma frase a sensação dos russos ante o colapso do comunismo.
``Foi como se, um dia, eles tivessem anunciado: senhoras e senhores, o experimento acabou. Sequer pediram desculpas", disse a guia.
De alguma forma, é o desafio que FHC tem pela frente com o seu Plano Real. Claro que um eventual colapso do real jamais terá as dimensões ciclópicas do fracasso do comunismo. Mas, guardadas as devidas proporções, o risco que os brasileiros correm é exatamente o de descobrirem, um belo dia, que mais um experimento econômico virou pó.
Por mais otimismo que FHC exale, não há um único brasileiro com o juízo perfeito que não saiba que, sem os complementos, o plano desanda e depressa.
O paralelismo com a Rússia não pára aí. Mesmo em aspectos bem mais conjunturais há razoáveis semelhanças. Este ano, o governo russo começou a deixar que o rublo se valorizasse ante o dólar, em termos reais (descontada a inflação). Pior: tratou a sobrevalorização como uma espécie de afirmação nacionalista, tal como muita gente faz no Brasil, vertendo o ufanismo de que o real é mais forte do que o dólar.
A partir do mês passado, veio o pavoroso reencontro com a realidade. O rublo desvalorizou-se mais de 20% em relação ao dólar. Como a nova Rússia é um verdadeiro empório de importações, os preços dispararam. Na terça-feira passada, o rublo sofreu um novo tombo (21% em um único dia). Os preços acompanharam. No dia seguinte, com a intervenção do Banco Central, o rublo recuperou a perda, mas os preços não recuaram na mesma proporção. Como sempre ocorre no Brasil.
Resta agora esperar que as palavras de Vlada Bankevich não sejam lembradas, num futuro próximo, como premonitórias.

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