São Paulo, domingo, 23 de outubro de 1994 |
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Sonho de consumo dura pouco na periferia
ELVIRA LOBATO
Com a limitação do crediário a três prestações, as vendas de eletrodomésticos e eletrônicos em São Miguel Paulista (na zona leste, com 430 mil habitantes) caíram até 80%. No comércio da Zona Leste, as vendas de televisores e aparelhos de vídeos haviam duplicado desde que o real entrou em vigor, em 1º de julho. O milagre do consumo estava no crediário, que permitia o pagamento em até dez prestações. Um dia antes de o governo anunciar as medidas, o lavador de caminhões Fernando Ferreira Melo, 27, foi à loja do Ponto Frio, no centro de São Miguel, e comprou um aparelho de som (com CD e controle remoto) em dez prestações de R$ 78,64. Fernando Melo disse à reportagem da Folha que há cinco anos sonhava em comprar um aparelho de som. Disse que sua mulher, costureira, e os três filhos tinham ficado em casa, esperando-o chegar com o equipamento. O casal tem uma renda familiar mensal de R$ 600,00 e para fazer o crediário foi preciso somar a renda dos dois. Ele disse que não se preocupou em saber qual a taxa de juros cobrada pela loja (9% ao mês, que correspondem a uma taxa anual de 181%) porque o importante é que o valor da prestação cabia no orçamento doméstico. Disse também que não pensara em poupar o dinheiro, ao invés de comprar, porque temia que o Plano Real fosse modificado. Segundo os gerentes das lojas do centro de São Miguel, Melo é o consumidor padrão da periferia, que vê a compra do eletroméstico como a realização de um sonho e como símbolo de ascensão social. Segundo os gerentes, a maioria leva os parentes às lojas para participarem do momento. Francisco Ferreira, gerente de uma das três lojas das Casas Bahia em São Miguel, disse com o real, a média de aparelhos de vídeo vendidos em sua loja havia subido de 70 para 120 e a de televisores, de 200 para 300. Segundo ele, os vídeos mais vendidos eram exatamente os mais sofisticados, de quatro cabeças, que chegavam a custar dez prestações de R$ 88,70. O administrador regional de São Miguel e Itaim Paulista, Eufrásio Meira, disse que todo o comércio da Zona Leste cresceu depois do real, apesar deexistir grande número de desempregados. Em agosto, a Administração Regional foi procurada por 2.336 pessoas em busca de emprego (o dobro da média mensal de janeiro a julho). Em Jardim Paulistano, também na Zona Leste, os comerciantes Luiz Carlos Phelippe, 42, proprietário do Magazine Phelippe, e Cleiton Monteiro, do Magazine Vayce, dizem que as vendas de roupas e brinquedos subiram 50% nos dois primeiros meses do real. Segundo os comerciantes, em setembro e outubro houve um refluxo nas vendas (que ainda continuam 20% acima da média dos meses anteriores ao real) porque as famílias da região ficaram endividadas com a compra de eletrodomésticos. Texto Anterior: Tudo em família Próximo Texto: Comerciante dobra lucros Índice |
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