São Paulo, domingo, 23 de outubro de 1994
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O plano está na cara

JANIO DE FREITAS

De tanto supor que as palavras servem para lutar boxe, o ministro Ciro Gomes entrou em luta aberta com elas. Mal acabara de dizer que ``não haverá pacotes", a equipe que ele representa, mas não chefia, desovou um pacote no melhor estilo pacoteiro dos velhos tempos. O ministro se apressou: ``Isso não é um pacote, é um conjunto de medidas", o que nos deixou sem saber o significado ministerial da gíria pacote. ``Conjunto de medidas" emitido logo depois, também, de Ciro Gomes dizer que ``não haverá Plano Real 2", embora o que aí esteja, depois do pacote, não seja mais o que era até o começo da semana.
Não é mais porque, passadas duas semanas da eleição, o Plano Real assumiu sua natureza e sua cara verdadeiras. Quando lançado, o plano provocou a observação unânime de que a recessão era um dos seus componentes fundamentais. Em seguida, para muitos chegou a parecer que não era. Mas se tratava apenas de protelar o que seria negativo para o candidato do real. Ciro Gomes e a equipe econômica podem dar o nome que quiserem, mas restrição ao consumo é restrição ao emprego, à produção, ao investimento industrial, e isso se chama recessão. É o que o plano, ao assumir enfim a sua natureza e a sua cara, pretende alcançar.
Entre pretender e conseguir, porém, há um processo intermediário de definição, que nem sempre leva ao objetivo pretendido. No caso, a pretensão da equipe econômica depende das disposições da indústria e do comércio de sujeitarem-se, depois de seu reencontro com os velhos benfazejos da reativação, aos propósitos recessionistas. Tenho minhas dúvidas.
O empresariado é muito mais criativo do que os economistas, estes sempre presos a idéias feitas. Além disso, restrição ao consumo é o mesmo que menos vendas, ou menos produção, ou custo mais alto por produto, ou preço final mais alto. Isto, quando as portas se abrem aos produtos estrangeiros, e o governo não pode fechá-las por causa dos acordos do Mercosul, significa que a recessão seria como condenar à morte numerosos segmentos da indústria. É improvável que a condenação seja aceita com passividade.
Mas o ministro Ciro Gomes, refletindo a equipe econômica, tem bom motivo para não se preocupar com isso: ``O povo entende o nosso esforço", disse ele anteontem, entusiasmado com os aplausos do ``povo" em uma churrascaria do Leblon e depois de manifestar-se contra o aumento do salário mínimo aprovado por uma comissão da Câmara. Ah, sim, e depois também de pagar a sua conta de R$ 58,00, um almoço igual a 83% de um salário mínimo. E dali foi passear e tomar chope na praia de Ipanema, que afinal era só mais uma tarde de mais um dia útil –para os milhões cujo consumo deve ser restringido.

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